— Pronto para as férias mais difíceis de nossas vidas? — Emma perguntou a ele, forçando um sorriso.
Estavam na rodoviária. Ele partiria para Minnesota em meia hora e ela passaria a noite na casa dos pais. No dia seguinte viajaria com a sobrinha para Orlando.
— Sinto vontade de vomitar — ele confessou, olhando ao redor.
Estava exagerando. Ela sabia e por isso riram do comentário. Mas no fundo, o estômago dele estava mesmo embrulhado.
Estava quase que literalmente voltando ao passado. E seu passado era cheio de histórias, rostos e emoções sufocadas. Fugiu de tudo por tempo demais. E não se pode fugir para sempre. Uma hora a verdade te encontra.
— Eu sei como você se sente.
O comentário também foi bem humorado. Carregado, artificialmente, de casualidade. Mas, por mais que não tivessem "contrato" algum, Emma e Mason eram tudo, menos casuais. Eles eram uma escolha. E era assim com tudo. Pareciam um vidro que, se cair, quebrava. Mas eram na verdade uma vidraça temperada, à prova de balas. E não quebravam tão fácil assim.
O comentário de Emma, por exemplo, não era assim, tão casual. Ela realmente sabia como ele se sentia. Pois estava, muito provavelmente, tão ansiosa quanto ele.
Seu estômago também estava embrulhado e não era por causa dos brinquedos radicais que embarcaria quando fosse a Disney. Era de outra coisa que ela tinha medo. Emma tinha medo dela mesma. Medo dela, de tudo que sentia, mas principalmente de tudo que não sentia.
Mason olhou ao redor outra vez. Dessa vez foi se aproximando dela. Colocou as mãos em seu rosto e a beijou, devagar.
Queria que ela sentisse saudade. Porque ele nem tinha saído e já estava se remoendo por sentir o cheiro dela na roupa dele. Sabia que sentira vontade. E ela não estaria ali.
— Isso foi pra eu não te esquecer? — ela perguntou sorrindo, ainda sentindo a respiração dele se fragmentando à sua.
— Talvez.
Sorriu. Sorrateiro.
— Eu jamais esqueceria de você, Pequeno Príncipe.
Ainda bem, pensou, mas no mesmo segundo tratou de se corrigir. Esse pensamento devia ser costume, só isso. Se permitiu muito a ela e às vezes dizia coisas irracionais. É. Somente isso.
Se Mason soubesse que sentimentos são irracionais mesmo e que é assim que se acaba gostando muito de alguém, ficaria assustado. E talvez fugisse dela.
A ignorância às vezes é um benção. O Universo é ligeiro. Sabe bem como as coisas devem acontecer.
— É errado eu querer transar com você agora?
Ela riu. Na verdade era uma ótima ideia.
— Urrum...
Colocou os lábios no rosto dele. Os braços em volta de seu pescoço. Começou a beijar sua pele. Aproveitou para sentir seu cheiro. Adorava enterrar seu corpo no dele. Que inferno. Ele estava indo embora.
— Você só tá fazendo a vontade aumentar, Alihür.
Ela o encarou. Adorava quando ele falava sério. E quando dizia seu sobrenome. Oh céus. Ele colocou a mão na cintura dela. Depois a outra. Passou a olhá-la nos olhos. Aquele mar azul... Ela conseguia se imaginar perfeitamente: sentada no colo dele, as mãos fortes no mesmo lugar que estavam, olho no olho, ela sentando e sorrindo enquanto tentava gemer mais baixo. Meu deus. Melhor parar. Estava fora de órbita. Ele sabia mexer com ela. E sempre com tão pouco... Não era preciso muito para fazê-la perder a concentração.
— Adoro quando você faz isso.
Ele sussurrou no ouvido dela.
— O quê?
— Quando você esquece de vestir toda aquela proteção. Eu consigo interpretar seus olhos. E eu sei o que você quer.
Ela lhe jogou um sorriso desafiador.
— Você precisa entrar no ônibus daqui há o quê? Vinte minutos?
Ele sorriu. Satisfeito. Estava certo.
— Não quero que seja assim tão rápido... — beijou o pescoço dela — E sei que você também não.
Era verdade. Ele provavelmente perderia o ônibus, distraído no corpo dela. E se lembrasse de ir, ela pediria pra ele ficar. E se ela pedisse... Ah, meu amigo. Ele ficaria.
Respiraram fundo, os dois. O oxigênio entrando foi acalmando a alma gritante de Mason. Deixando anestesiada a de Emma.
— Não demora. Pra voltar.
Ela disse, se soltando dele.
— Se cuida. Mas se cuida de verdade.
— Você também. E me liga, não importa a hora. Se quiser conversar... Sério!
— Eu digo o mesmo.
Ficaram se olhando. Admirando um ao outro como se estivessem em um museu.
Emma passou a enxergar a morte em todos os cantos depois de Louis. Uma ida ao supermercado, um voo, um cochilo, uma gripe, um encontro... Tudo pode matar alguém.
Todo dia muitas pessoas morrem, principalmente nos países menos desenvolvidos e isso é triste. Todo dia, em algum lugar do mundo, tinha alguém chorando porque alguém morreu — exceto nos países em que a morte de alguém é motivo de festa e talvez, se tivesse choro, fosse um choro alegre, pois o amado estaria perto de deus ou sei lá.
A morte também é relativa, como o tempo. Emma passou a enxergar isso depois de uns anos, quando passou a trabalhar em um hospital e gente morrendo não era mais algo tão incomum.
Para alguns a morte é recomeço. Nova chance. Reencarnação. O momento em que tudo se apaga e que quando se acende novamente já é bem diferente do que costumava ser. Um ser nasce e, agora, viverá para corrigir os erros de sua outra vida e, quem sabe, a próxima não seja melhor. É nisso que Emma acredita.
Para outros, é o momento de ver deus e, dependendo de como você viveu, ou você fica com ele ou com aquele anjo caído lá, o diabo. E então se você vê deus, você fica numa eterna paz, o paraíso. Se você vê o demônio então você queima junto com ele pela eternidade.
Mason revira os olhos só de pensar nisso. Ele provavelmente iria para o inferno. Mas todas as pessoas iriam, afinal, todo mundo não só pecava, mas gostava de pecar. Cada um do seu jeito.
Algumas pessoas, como Mason, não mistificavam a morte. A morte era só o fim. E nada vinha depois dela. Os olhos fechavam, dessa vez para sempre. O coração parava de bater. As bactérias comiam o que restou de seu corpo. E era só isso. Pois tudo que começa — a vida — tem um fim — a morte.
E não importa como você vê a morte e o que vem ou não depois dela. Para a maioria das pessoas é sempre uma despedida.
Mason poderia muito bem morrer naquela viagem. Assim como Emma poderia muito bem morrer na dela. Ninguém sabe quando a morte vem.
Mas ali, enquanto se olhavam com toda a atenção do mundo, estavam tranquilos. Pois, no que era cabível somente a eles e não aos percursos do universo, voltariam um para o outro. E a despedida não seria um adeus e sim, um até logo.
Emma sabia que estaria ali para recebê-lo.
Mason sabia que iria procurá-la quando desembarcasse do ônibus, em duas semanas.
Mas ambos não tinham a certeza de que o outro retornaria. E disso nós já sabemos.
A questão era que mesmo sem a certeza de que seriam recebidos e aceitos, queriam voltar. Pois a felicidade se tornou mais forte que o orgulho e o medo da rejeição.
E isso era uma escolha. Eles escolheram um ao outro todos os dias desde que se conheceram. E ali, escolhiam-se mais uma vez.
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Uma História Sobre Recomeços
RomanceEste livro não é uma história de amor convencional que narra a vida de um casal perfeito composto por pessoas perfeitas em busca de um final feliz (e perfeito). Este livro fala sobre duas pessoas que perderam as esperanças e aceitaram a monotonia de...