aguentar

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Emma tentava não roer as unhas enquanto observava seu pé direito bater no chão freneticamente. A campainha havia sido tocada por ela há três segundos mas pareciam três horas. O tempo é relativo.

Olhou ao redor. A rua dele estava diferente. Também... Seis anos sem pôr os pés naquela casa. Estranhamente, a casa em que ele morava com os pais parecia ter sobrevivido ao tempo. Era exatamente como lembrava.

Sem jardim na frente. Só nos fundos. Cerca branca, a segunda estaca da direita ainda estava solta. Se não estivesse tão ansiosa, sorriria ao lembrar de Louis contando a história de como a cerca havia se deteriorado assim, tão minuciosamente.

Cinco segundos. Incrível como nossa mente é capaz de processar pensamentos tão velozmente.

Emma conseguia pensar em diversos finais de semana que passou ali, nos braços dele. Uma adolescente apaixonada que tinha o mundo nas mãos. As escapadas no meio da noite. As tardes no sofá. E os almoços com a família dele.

Eram caras legais, Jerry e Morgan, os pais. A mãe de Louis era um amor também. Tereza. Não conseguia imaginar Morgan e Tereza como um casal, mas Louis disse que talvez eles até dessem certo se o pai não gostasse tanto do cara do trabalho, o até então desconhecido Jerry.

A história deles até que era bonitinha: Morgan chegava em casa contando pra Tereza como o cara novo, Jerry, era legal. E ela não demorou a perceber que seu marido era um belíssimo bissexual e que estava apaixonado por seu melhor amigo. Quando Emma disse que ela era um amor, não estava brincando. Ela foi a madrinha de casamento deles e fez isso por amor à Morgan. Um dia disse que faria dele o homem mais feliz do mundo. E ela soube bem como fazer isso. Abrir mão dele foi sua maior prova de amor.

Sorriu. Tereza sabia amar.

Jerry abriu a porta. Espantado como se tivesse visto um fantasma. Confuso, sorriu. Era bom vê-la de novo.

— Eu sei... — riu de nervoso — Também estou surpresa de estar aqui.

Riram. A tensão diminuiu. Se abraçaram. Emma sentia falta deles, de verdade. Foram pessoas especiais que ela simplesmente cortou de sua vida como se não fossem nada, só porque lhe faziam lembrar do que não queria.

Eles sentiram falta dela também. A "alma feminina", como lhe chamavam.

Jerry pediu para que ela entrasse. E foi estranho para ambos porque era algo totalmente formal, diferente do tipo de relação que tinham antes. Eram quase uma família e agora...

— Sabe, eu disse ao Morgan que um dia você ainda voltava. Ele não acreditou muito. 

Olhos no chão. Ela também não acreditaria.

— Mas entendemos você, Emma.

Lhe trouxe uma xícara de café. Sentou ao seu lado no sofá.

O calor esquentando a porcelana esquentava as mãos dela.

— Eu sei que entendem.

Morgan apareceu depois de alguns minutos. Estava trabalhando no escritório, no andar de cima. A surpresa dele foi mais estridente que a do marido.

— Emma! — um sorriso largo em seu rosto redondo iluminou a sala — É tão bom te ver...

Se abraçaram. O abraço de Morgan era macio e aconchegante. Ela se sentiu em casa por um momento.

O ambiente era muito nostálgico. Os abraços. A casa. As fotos de Louis, algumas com ela, pelas paredes da sala. O café de Jerry. As pantufas de Morgan.

Queria não os ter bloqueado como fez. Queria ter sacrificado seu bem estar às vezes para que pudesse visitá-los e ouvir suas histórias. Queria, pelo menos, ter ligado mais vezes.

Mas depois que ele morreu, Emma foi junto.

Ignorou as ligações. Não foi ao enterro. Evitou os lugares que sabia que poderia encontrá-los. Nunca deu notícias, nem por carta.

Sabia que eles precisavam dela e que estava sendo difícil pra caralho pra eles também. Sabia que talvez fosse mais fácil dividir a dor. Sabia que eles sentiriam saudade.

Mas quando se está triste e cega pela dor, é muito difícil pensar no que os outros sentem. A tristeza deixa a gente egoísta.

Entretanto, quando existe amor, existe perdão. E eles perdoaram. Por isso sorriram quando a viram. Porque a felicidade em saber que ela estava viva era muito maior que a mágoa que criaram quando ela fugiu.

— Eu escrevi uma carta... Ontem à noite. Durante meu voo de volta pra casa. Fui à Disney com a minha sobrinha.

Ela disse fuçando em sua bolsa.

Morgan e Jerry se entreolharam. Sorriram. Ela costumava fazer isso. Escrevia cartas e lia pra eles.

— Eu posso ler? — perguntou, mostrando a carta.

— Claro, querida — Jerry disse, compreensivo.

Emma ainda parecia uma menina. Delicada e inocente. Estava diferente. Era visível. Não parecia cem porcento, mas parecia cem porcento melhor que antes.

Deu uma tossida antes de começar. 

— São três da manhã. Minha sobrinha está dormindo na cadeira ao lado da minha. Foi divertido na Disney. Essa viagem com ela me fez lembrar de quando nós quatro quase fomos parar lá, mas não deu pra ir porque o Jerry estava sem visto e não podíamos arriscar. Esses ingleses clandestinos...

Olhou pra eles. Para ver como reagiam. Eles sorriam. Continuou:

— Sabe? Muitas coisas me lembram vocês. E eu sei que é difícil de acreditar porque, né? Foi quase uma década sem dizer oi. Mas é verdade quando digo que amo vocês.

Seus olhos lacrimejaram.

— E que, depois dos meus pais, vocês são o melhor casal do planeta Terra. Eu tô elogiando pra esfriar o gelo, perceberam?

Riram.

— Percebemos.

— A verdade é que estar escrevendo isso aqui tá sendo muito difícil pra mim. E, se eu conseguir ler isso na presença de vocês um dia, como eu fazia naquele tempo, saibam que estará sendo três vezes mais difícil.

Morgan segurou sua mão. Jerry sussurrou:

— Estamos aqui pra você.

Uma lágrima brotou. Caiu despercebida.

— Eu sei que fui egoísta quando sumi. Vocês perderam ele e depois... Me perderam também. Sinto que teríamos sido um lugar seguro uns para os outros. Sinto que se eu tivesse ficado, talvez fosse melhor pra todo mundo. Mas... — seu tom de voz mudou — Eu vim sendo uma puta covarde. E eu tinha medo de ficar muito perto de tudo que era dele. Mas, principalmente, eu tinha medo de ficar perto daqueles que sabiam o que aconteceu.

— Emma... Eu sei. Nós sabemos. Mas não teríamos dito o que matou ele se você tivesse pedido — Morgan disse, acariciando sua mão

Ela apenas continuou a ler.

— Eu fui uma idiota. Eu tinha medo de ser culpa minha, de alguma forma. E se ele tivesse morrido por que a comida que eu fiz caiu mal? Ou... E se eu tivesse deixado a porta aberta e alguém veio e... E se um mosquito transmissor de algo mortal tivesse entrado por essa porta? É difícil pra caralho saber o que foi que roubou ele de mim e é assustadora a ideia de que eu posso ter participado de um porcento disso.

Suspirou.

— E mesmo tudo isso me fazendo tremer as pernas, eu preciso saber. Eu acho que agora aguento.

Dobrou o papel. Seus olhos chorosos encarando os dois. Esperava uma resposta. Mesmo morrendo de medo dela.

Uma História Sobre RecomeçosOnde histórias criam vida. Descubra agora