O plano orquestrado por mim é simples: fazer tudo - especificamente tudo - do jeito que me pedirem.
Acordo com dificuldades para assimilar a realidade, como uma manivela enferrujada. O sonho que tive foi curioso, contudo não me lembro ao certo do que ele se tratava. Tinha sangue, fogo e chuva, mas como tais fatores se relacionavam não faço menção de saber.
Quando começo a ter consciência de que estou decerto acordado, afundo minha cara no travesseiro e berro, o mais forte que posso. Certamente alguma coisa dentro de mim está dizendo que eu não preciso me levantar. Simplesmente não posso de antemão aceitar o que houve. Há uma leve tremedeira em meu corpo, de apreensão mesmo. Minhas entranhas parecem ter sido arrancadas por um buraco negro. Procuro não me desesperar, mas segundos depois, eu estou socando a cama e puxando meus cabelos a ponto de arrancá-los, desvairado. Permito a mim usar toda minha repressão para descarregar toda a tensão acumulada dentro de mim. E pouco a pouco, aquele entorpecimento vai diminuindo, deixando em lugar disso um sentimento de aceitação, com uma pitada de insanidade.
O clima está estranho, meio neutro. Escaldo meu rosto com a água gelada do banheiro e arrumo meu cabelo e minhas roupas, como se isso fosse me trazer mais segurança. Na realidade, não sei o que fazer. A sensação de controle que outrora eu tinha se esvaiu completamente.
Não preciso repassar tudo que aconteceu ontem. Forçando toda a resolução que ainda há em mim, ponho um fim nessa história, na história que me trouxe até aqui, à sede do Clã Máscara Negra. Há dois dias eu não possuía nenhum conhecimento substancial sobre a equipe, agora estou em treinamento para me tornar um membro oficial dela.
Fogo não está no quarto, e tenho a vaga impressão de que eu também não deveria estar.
Lembro do machucado em minha perna e estranho a ausência da dor. Confuso, checo minha perna e a encontro completamente inócua, sem qualquer marca ou cicatriz de bala. Não há nenhuma lembrança física de que de fato levei um tiro, embora eu tenha certeza de que levei, reforçada pela imagem de uma bala amarrada com um laço vermelho em cima de uma cadeira (De: Fogo, Para: Erich). O suvenir do cara do raio!
A bala me traz de volta a lembrança de eu atirando nos homens no esgoto. Fico desconfortável. Eu fiquei muito tempo sem presenciar uma morte ao vivo. Só que eu fui o atirador dessa vez, eu que maquinei o plano que pode ter matado todos aqueles homens ou não. A incerteza do feito me deixa um pouco mais aliviado, embora eu saiba que em breve pode não mais ocorrer.
Droga!
Não perco mais tempo pensando em não sei o quê sobre a minha condição atual. Uma vontade de sair desse quarto vem à tona, mas não tenho o mínimo de certeza se deveria andar pelas dependências da sede do Máscara Negra. Não sei que horas são, e há pouco já me acostumei com a ausência da noção temporal. Ainda assim, consigo achar um relógio de pulso perto da mesinha onde Fogo guarda - ou não - suas coisas, por pura coincidência - ou não também. Falta quase quinze minutos para as oito horas e apesar de eu desconhecer em que horário me deitei ontem - pareceu cedo segundo a minha contagem -, sinto que dormi o suficiente para estar descansado - ou até mais. Imagino que, a essa hora, os mascarados com certeza devam estar em algum lugar para fazer suas refeições, porque, afinal, eles ainda precisam se alimentar, certo?
Mas e eu? Preciso?
Caminho até a porta e encontro um bilhete pregado à porta, escrito com uma caligrafia garranchosa e cheio de rasuras e rabiscos. Ainda assim, consigo entendê-lo:
Os números são os quartos, os símbolos são as salas e as salas na escada são restritas.
Bem, pelo menos um quê de informação ela me forneceu, embora não precisamente sobre onde são as salas e quais são. Ao menos posso concluir que posso sair do quarto em direção a algum lugar, por isso saio para encarar a bagunça do painel novamente. Quando estou de frente para o espelho, depois de um longo tempo de exame, avisto um botão com o símbolo de um garfo.
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Máscara Negra - Impacto
Science FictionEm um 2028 catastrófico em que aconteceu uma guerra nuclear, a humanidade se dividiu entre aqueles que conseguiram se salvar isolados nas Células de Refúgio, protegidas pelas Muralhas, e os habitantes das zonas mortas, regiões afetadas pela batalha...