39 - enterro

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Agora são oito horas. O sol quase nos cega, como se ele conhecesse toda a farsa e estivesse rindo da balela. Posso até ouvir ele praguejando: Essa merda não é de verdade mesmo, então precisa ter clima especial uma ova!

Rio, mas cubro minha boca no mesmo segundo. Não que funerais devessem ter climas especiais. A morte não exige clima especial, ela faz o clima especial se tornar um horror psicológico. Nós que estamos acostumados a alimentar este estigma. Enterro, chuva, frio, morte, luto, preto. "Despeçam-se logo, chorem como esse céu chora!"

Rio de novo, sem poder me controlar. Mas eles acham que é verdade. Eu deveria ter um pouco de tato.

Isso mesmo: eles. Franco não é o único presente no meu funeral. Algumas pessoas da empresa também estão presentes, o velhinho do térreo, uns dois professores e por fim os mais excêntricos: a garota brisada do colégio e um homem velho que deve ser seu pai. Ah, e tem o padre, é claro, e Bruce e Paul, fingindo ser seu namorado. Eles estão me vigiando, apesar de eu estar escondido e mascarado, para garantir que eu não faça nada sair dos trilhos. Parece que, para eles, eu tenho essa índole.

Observando um pouco mais, eu me sinto um pouco mal pela situação. Mortes são coisas difíceis de se lidar, e essa nem é de verdade, obviamente. Mas essa foi a solução encontrada para minha situação.

Bem, nem era pra eu estar aqui, para começar, mas eu meio que insisti usando um argumento pessoal, o que não foi difícil. Isso foi hoje de manhã, mais precisamente, depois que Fogo jogou um jornal na minha frente enquanto eu estudava mais sobre os Advogados na biblioteca. "Mais um assassinato cruel no sul da cidade", li. As palavras me alcançaram de uma forma estranha, pois me fizeram lembrar da primeira vez em que vi Ceifeiro: em um jornal como aquele à minha frente. Só que desta vez, eu tinha sido a vítima, ou pelo menos deveria ter sido.

Faz quase uma semana desde que fugi da delegacia com a ajuda de Túmulo e Relâmpago, e ainda assim sinto como se fosse ontem, todos os acontecimentos a partir do momento em que saí pela primeira vez como membro do Máscara Negra. Praticamente tudo foi resolvido. Ainda não existem possibilidades de ninguém invadir a sede do Máscara Negra, Paola está inteiramente saudável, eu estou indo bem controlando meus poderes, meu alter ego até agora não tem me incomodado e a melhor de todas agora: a partir deste momento, sei que não poderei mais ser mas perseguido por polícia alguma - a não ser se eu estiver com a máscara.

Vivo dizendo a mim mesmo que aqueles dias foram inesperados e turbulentos, mas que agora não há razão para se desesperar. A melhor teoria que utilizo é a de ter sido um teste. Um teste para saber como é estar engajado fielmente como assassino. Sei que em parte estou certo e em parte estou errado.

Ainda estou inseguro em relação a tudo que houve em minha mente. O aviso de meu alter ego ainda soa dentro de mim, e embora à medida que os dias tenham passado, o meu medo tenha diminuído, ele não me deixou. Aquela impressão de que um simples gatilho pode me fazer perder o controle ainda perdura. Mesmo sem as vozes, de vez em quando, parece que eu ainda sinto meio que a... presença dele. Sendo a fonte dos meus poderes, sinto-me instável na tentativa de dominar minhas habilidades. Eu realmente quero superar isso, mas me pergunto quando um verdadeiro gatilho irá aparecer ou quanto tempo isso vai durar.

O Máscara Negra foi bem eficaz em forjar minha morte, e inclusive apagou quaisquer suspeitas de meu envolvimento com o grupo. Para falar a verdade, eu fui assassinado pelo próprio Máscara Negra. Não sobrou corpo, pois fui carbonizado assim como aquela vítima de Ceifeiro. Fizemos uma bela de uma encenação para transparecer que fui nocauteado por Fogo e em seguida, através de um truque de estática e ilusão de óptica - uma especialidade do superpoder de Relâmpago - deu a entender que fui baleado no meio da testa. Depois disso só foi preciso arrastar um corpo falso cheio de sangue e por fim espalhar minhas digitais pela cena do crime e ta-dam! Estava feito, e tudo diante das câmeras. A casa onde ocorreu o homicídio foi incendiada comigo dentro, e não sobrou muito para se fazer uma autópsia. Na verdade não sobrou nada, e os investigadores podem achar o que quiser, mas não vai haver prova alguma e por conseguinte, nenhuma especulação. Um simples caso engavetado. Não há quaisquer chances desse caso ser aberto, em hipótese alguma. Depois da minha última e única ida a delegacia, também duvido que alguém tenha vontade de tentar.

Máscara Negra - ImpactoOnde histórias criam vida. Descubra agora