38 - consequências

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Como Ceifeiro desaparece da sala quando eu o perco de vista por um instante, o que já não é impressionante, eu me dirijo para fora sozinho. O ar está um pouco mais leve. Tudo que antes era meio tenebroso se aquietou, tornou-se mais simples de se olhar, apesar de tudo que Ceifeiro me revelou. Na verdade tudo era bem simples, mas quando nós estamos desesperados, geralmente fazemos tempestade em copo da água. Fiquei cerca de meia hora na sala com Ceifeiro e foi bem agradável a conversa.

Ceifeiro ficou realmente intrigado com meus poderes. Não tenho certeza, mas me parece que ele ficou quase encantado com a ideia de existir um alter ego em mim, mesmo aceitando que eu posso estar alucinando. O caminho que eu deveria trilhar a partir de agora mataria dois coelhos com uma cajadada só, isto é, se eu chegasse a dominar meu poder, de certa forma meu alter ego e as sensações que ele provoca em mim seriam ao menos diminuídas ou contidas. Por isso, eu seria treinado por Ceifeiro três vezes por semana para aprender sobre o meu poder. Por enquanto eu precisaria desse apoio.

Isso relativamente me empolgou, embora ainda soe meio perturbador.

Talvez eu não precise contar a história de novo para o resto do pessoal, mas ainda assim acho que não me incomodaria fazer outra preleção agora. Não estou cansado. Eu sinto que preciso acertar alguns pontos até estar pronto para deitar a cabeça e dormir em paz. Vago um pouco pela sede naquele ímpeto comum de achar algo para fazer. Todo mundo já deve estar dormindo a essa hora. As luzes de alguns lugares já estão desligadas definitivamente. Mesmo constatando isso, procuro um lugar mais propício para eu ficar quieto e sozinho.

Fico muito dividido com a ideia de sair mais uma vez da sede, por isso, por mais estranho que pareça, eu me convenço a tomar um banho no vestiário. Parece que meu corpo também pede por isso e quem sabe fazendo tal coisa, eu fique com sono finalmente.

O lugar está vazio, como esperado. Me encaminho para o box mais distante, tiro a roupa e abro o chuveiro. O silêncio torna o som da água único. O momento também. Eu estou acordado e vivo nessa madrugada, enquanto todos dormem. Estou sozinho nessa realidade urbana, aconchegado em uma casa, perto de amigos.

Todos estão dormindo...

Fecho os olhos e presto atenção no barulho da água encharcando meu corpo e batendo na cerâmica. Concentrado ao máximo, num movimento fluido e espontâneo, me desvinculo do mundo.

Preciso me dedicar a mim mesmo nesse instante.

Um soco na parede. Dois. Três. Quatro.

- Eu vou aprender a te dominar.

Você sabe que existe um caminho melhor e mais fácil.

- Isso não é certo.

Foda-se o que é certo.

Abro os olhos e vejo meus próprios olhos a um centímetro de distância.

- Você está cansado de resistir, Erich.

- Eu não quero aceitar isso. Tenho que saber quem eu sou.

- Eu sei quem você é.

- Não. Eu... ainda não tenho resposta para isso, mas eu estou completamente errado. Desde o dia que pisei nessa cidade e agora eu não posso deixar escapar essa chance que tenho. Dominar isso é o jeito mais certo.

- Porra nenhuma. - um sussurro.

Meu rosto se contorce para o lado num esgar de fúria, deixando a lateral de meus dentes à mostra.

- Você só está me dando uma opção. Mas eu não irei escolhê-la. Há outras formas de vencer o que está escondido aqui.

Encosto minha mão direita em meu peito e aperto a pele, a arranhando.

Máscara Negra - ImpactoOnde histórias criam vida. Descubra agora