O motor da picape fazia um barulho alto, mas que se perdia entre o som da chuva, que agora parecia mais uma tempestade.
Entramos em uma espécie de estrada de terra, mas não dava pra chamar assim, mal se tinha estrada pra trilhar.
Os galhos das árvores batiam contra a lataria da picape incessantemente. Marcos fazia um zique-zaque ousado pela floresta, lama e galhos eram arremessados para longe.
Assim como na visão, Marcos perguntou se eu tinha certeza que queria fazer aquilo. E como eu queria. Apesar do medo paralisante, algo em mim me dizia que aquele era meu destino.
Por alguns instantes, ninguém pronunciou uma só palavra. O clima estava tenso, todos pareciam sérios e verdadeiramente dispostos a lutar pelo meu pai, mas por quê? Que tipo de lealdade de anjo era essa? Será que deixei passar alguma coisa?
- Você sabe mesmo para onde estamos indo, Marcos?! - Gritei mais alto que a chuva. Parecia que estávamos entrando em algum tipo de floresta enevoada e densa, ninguém parecia questionar o senso de direção dele, mas algo me parecia errado.
- Você ficaria surpresa. - Ele tirou uma mecha de cabelo do rosto.
Rangi os dentes. Parecia que o mistério me era imposto de propósito. Por que ele não podia simplesmente dizer as coisas abertamente?
- Porque não é seguro, Luce. - Ben interrompeu.
Suspirei e descolei meu ombro do telepata inchirido, imaginando se algum dia meus pensamentos estariam a salvo de alguém tão perspicaz.
- Não precisei ler seus pensamentos. Seu rosto é bem expressivo, sabia?
Revirei os olhos, ignorando aquele comentário.
- Viu só.
E então, numa fração de segundos, uma luz clara acompanhada de um barulho ensurdecedor, atingiu em cheio o chão à frente da picape, fazendo o veículo capotar para frente.
Era uma granada.
Por sorte, ou nem tanto, Ben conseguiu segurar o carro usando a telecinese, fazendo-o aterrissar em segurança.
- Todos pra fora! - Lucas gritou enquanto meu corpo ainda resistia em obedecer. - Luce, vamos!
Saltei do capo e corri agaixada na direção oposta de onde veio aquilo que nos atingiu. Marcos e os outros vinham correndo logo atrás, fazendo sinais para que continuássemos abaixados.
- Eles estão aqui. - Ben cochiçou. - Consigo ouvi-los.
Antes que alguém pudesse dizer qualquer coisa, mais homens do que eu conseguia contar saltaram de cima das árvores, nos encurralando. Eles vestiam roupas militares de cor escura e capacetes. Pareciam verdadeiros mercenários. Na mesma hora, congelei.
Lucas conseguiu agarrar dois deles e os fez paralisar com seu dom. Pude ouvir Gabrielle pedir aos quatro ventos que soprassem terra e folhas nos olhos de nossos inimigos. O que proporcionou tempo para que Marcos e Ben ganhassem vantagem na luta corpo a corpo.
Tudo aconteceu em uma fração de segundos. Os três que sobraram perceberam a força inimiga, então sacaram suas armas e começaram a atirar, usando as árvores como escudo. Foi rápido, intenso e barulhento. Me abaixei assim que os reflexos colaboraram. Olhei em volta e todos fizeram o mesmo. Ben usou uma espécie de escudo para nos proteger, mas ele parecia cansado, logo imaginei que manobrar o carro tivesse esgotado suas forças, consegui ouvir sua respiração pesada assim que os tiros cessaram. Ele estava quase no limite. Todos estavam.
Preciso fazer alguma coisa!
Percebi uma oportunidade quando os soldados rápidamente começaram a recarregar, então saquei meu arco, virei de costas para o céu, posicionei minha flecha e mirei no soldado mais alto, esperando ele dar as caras para atirar novamente. Tinha de ser perfeito.
Então aconteceu, ele ameaçou sair de seu esconderijo. Atirei. Ele caiu. No mesmo segundo, Marcos e Ben surgiram por trás de uma árvore e surpreenderam os que ainda faltavam, nocauteando-os por trás.
Como eles foram tão rápidos?
Pronto. Tinha acabado.
- Seria mais fácil se você tivesse visto isso chegando, hein? - Lucas se virou para Marcos, soltando os corpos agora desacordados que estava segurando.
- Não sou eu quem faz as regras. - Ele retrucou.
Abri a boca para perguntar do que eles estavam falando quando senti minha perna em chamas, era como um maçarico na minha coxa. Minha respiração acelerou.
- Luce! - Ben gritou e correu na minha direção, percebendo minha inquietação, ou talvez apenas meus pensamentos escandalosos.
- Acho que não fui rápida o bastante. - Olhei para o sangue saindo da minha perna.
- O grande caído ali me diz outra coisa. - Ele pegou uma pedaço de pano e amarrou na ferida. Aquilo me fez quase desmaiar. Em seguida ele me ajudou a levantar e me deu sustentação com os ombros. - Consegue andar?
- Sim, acho que nem está tão ruim. - Menti.
Ele soltou um olhar de desaprovação, completamente convencido de que eu estava mentindo. Afinal meus pensamentos não estavam seguros do lado dele.
- Por favor, não faça alardes. - Implorei. - Eu vou ficar bem.
Ele suspirou. - Vamos embora, já nos arriscamos demais.
Os outros correram na minha direção assim que viram minha cara de dor.
- Você está bem? - Lucas perguntou.
- Não. - Ben respondeu antes que eu pudesse abrir a boca. - Precisamos voltar.
Eu estava prestes a protestar, quando ouvi, através do que parecia ser um megafone, uma voz rouca dizer:
- Eu sei que vocês estão aí! Me tragam a garota! Sigam o som da minha voz e me entreguem ela.
Nos entreolhamos.
- Tenho mais homens de onde vieram aqueles, vocês não tem chance. - A voz continuou. - Me tragam ela agora!
- Ele não sabe onde estamos exatamente, só que estamos perto. - Ben indagou. - Podemos fugir.
- Não é isso que irá acontecer. - Falei. - Meu destino é entrar na mansão dos crescentes hoje. Você sabe Ben, isso não é apenas uma missão de resgate. É uma troca.
Ele suspirou.
- Luce tem razão - Gabrielle interveio, acalmando os ânimos de todos enquanto falava. - Não podemos ir contra o destino, seria a morte certa. Além do mais, já temos a localização da casa. Podemos armar uma missão de resgate.
- Temos? - perguntou Lucas.
- 100 Metros a oeste da nossa localização. - Ela sorriu. - As formigas me contaram.
- Então está decidido. - Me apoiei em Ben. - Vou fazer a troca e o resto fica por conta de vocês.
Todos olharam para Marcos, esperando algum posicionamento.
Ele ajeitou os óculos na cabeça e respirou fundo.
- Não temos outra escolha, o futuro já está traçado. Porém, não vou com vocês até lá - Ele parou, fitando as árvores em meio a chuva. - Os crescentes não podem saber que estou nessa região do país, seria muito devastador para os minguantes. Espero vocês aqui.
Me obriguei a concordar com a cabeça, engolindo a onda de perguntas que se formava em minha mente. Afinal, eu não tinha tempo para esperar as respostas esfarapadas do meu tio cheio de segredos.
Por fim, todos concordamos e seguimos para a direção oeste, seguindo as orientações da Gabi.
Quanto mais nos aproximávamos da casa, mais meu estômago se contorcia.
Após exatos quatro minutos de caminhada, lá estávamos nós.
O lugar era cercado por muros de 30 metros de altura, totalmente impenetráveis. O portão não ficava para trás, era quase tão alto quando as paredes ao seu redor, possuíndo barras grossas de metal.
A noite escura e o cair incessante da chuva não me deixava ver os detalhes, mas a casa era uma fortaleza, sobre isso não se tinha dúvidas.
O portão se abriu sem que movessemos um só dedo, e então entramos.
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Minguante
FantasyLuce sempre foi uma garota esquisita, tinha sonhos e sensações sobre o futuro que as pessoas a sua volta não conseguiam entender, mas a verdade era que nem mesmo ela entendia. Tudo piorou quando seu pai recebeu uma proposta de emprego e eles se muda...