Capítulo Vinte e Sete - Cartas

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Carlo saiu assim que recebeu a carta em suas mãos, deu um beijo em Roberta e saiu. Para onde ainda não sabia, mas precisava ficar sozinho.

Caminhou para fora do hospital, sem rumo até que parou embaixo de uma árvore e se sentou na grama. Só então abriu o envelope e deixou que Alissa conversasse.

Papai

O que a gente faz quando se tem tudo e, ao mesmo tempo nada? Eu sempre quis saber, e agora eu finalmente sei.

Nós agradecemos, agradecemos por cada segundo, por cada momento. Por cada riso e cada lágrima, por cada amanhecer e anoitecer. Se agradece por cada dor e cada alegria. No fim de tudo, o que temos é gratidão.

Sou grata por você, por ter tido a alegria de ser sua filha. Sei que você se culpa por cada dor que tivemos, eu mesma culpei você algumas vezes, mas sabe pai, não somos perfeitos, não somos irrepreensíveis, somos falhos. Eu, você, nós.

Mas se no fim do dia, as alegrias ainda forem maiores que as mágoas, terá válido a pena. E para mim, valeu.

Se eu nunca disse o quanto eu me orgulho de ser sua filha, de ver o homem que se tornou, de presenciar sua mudança, de ser alvo do seu amor. Se nunca disse isso, deveria ter dito. Pois, cada palavra é verdade. Tenho muito orgulho de ser sua filha Carlo Sandoval, filha de um homem apaixonado, um homem cuidadoso e amoroso.

Nesse momento, eu olho Kyle dormir, e sinto que um dia ele vai ser assim como você, para os filhos que tiver. Sempre disposto a se doar, a se entregar. Me pergunto, porém se estarei perto o bastante para ver isso acontecer. Porque a vida não é fácil pai? Porque não podemos ser simplesmente felizes? Ter uma vida cheia de alegria e sem dor?

Talvez seja porque sem dor não há recompensa, sem dor a gente não valoriza o que tem de bom. Talvez seja isso, a alegria é maior depois do sofrimento.

Eu queria voltar no tempo, voltar a ter 7 anos e amar dançar, mas aí recordo que a dança se tornou meu sofrimento, deixou de ser alegria e virou dor. Virou mágoa, virou ódio.

Eu não fui muito feliz até você, até que eu viesse para a sua família, e tivesse além de um pai, irmãos. Sei que as pessoas dizem que sou fria, Cara é calorosa e cabeça quente, Nina amorosa, frágil, Javier terno e protetor. Eu sempre fui a fútil, fria e vazia. E gostei de ser assim, gostava que me vissem assim.

Quanto menos vissem meu amor, menos chance de sofrer teria. E se no final eu acabasse sozinha, só eu mesma saberia.

Sei que não falo nada com nada, queria escrever coisas bonitas, cheias de floreio, mas eu preciso desabafar, preciso dizer o que me vai à alma.

Eu te amo papai, te amo muito.

Amei desde a primeira vez que vi, desde o primeiro abraço, desde o primeiro toque. Eu estava tão sozinha, tão sem ar e de repente eu tinha tudo, um pai, um lar, uma família. E eu me assustei, sei que não disse antes, mas fiquei aterrorizada por anos, com medo de que tudo fosse uma miragem e eu acordasse sozinha ou com Madeleine. O que eu fiz para que ela me odiasse tanto? Jamais saberei.

Obrigada por ser meu amigo, meu confidente, por rir das minhas piadas sem graça, por comer minha comida mesmo ela ou estando crua, ou queimada, por ir às reuniões de escola, por gritar na formatura do ensino médio, por ter chorado na colação da faculdade. E por ter me tornado parte de um todo e não uma única estrela no céu.

Obrigada por ver filmes antigos comigo, aprender as canções que eu gostava e comer cerejas mesmo não gostando apenas porque eu havia colhido. Eu não quero partir papai, não mais, eu descobri que há tantas cores que posso ser, tantas músicas ainda por dançar. Mas se eu partir, não fique triste, sim eu sei que é impossível, mas se dê um tempo, e depois deixe seu coração ficar leve. Não guarde o peso da culpa, você não teve culpa das dores, dos cortes, das surras e noites sem dormir.

Pelo contrário, saiba que se não fosse por você, pelo seu amor eu nem aqui estaria, eu me quebrei papai, e vocês me consertaram, juntaram meus pedaços e me fizeram feliz. Se não por todo o resto, apenas isso já seria o bastante pra ter válido a pena. Eu não me arrependo. Sou grata.

Seja qual for o meu tempo aqui, longo, curto, pequeno, frágil, fui feliz. Fui amada e isso por si só me basta.

Cuide bem da Roberta, diga a ela que estou feliz com a chegada dela e do bebê a família, que se puder serei a melhor irmã para ele ou ela. Não vou lhe dizer para ser um bom pai, sei que o será.

Soube que mês que vem terá mais uma daquelas sessões coruja no cinema que íamos, ele vai reabrir, então vá papai, se sente com um balde e enorme de pipoca apimentada, aquele refrigerante que gostávamos e assista um filme, algum, qualquer um, mesmo que não seja um dos nossos favoritos. Me prometa que irá.

Eu te amo papai, mais-que-tudo, e para sempre.

Foi uma alegria ser sua filha, a primeira da minha vida. Obrigada.

Alissa

Carlo baixou a cabeça e chorou.

MEU TORMENTO 04 - confiar e perdoar Onde histórias criam vida. Descubra agora