CAPÍTULO 4

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RODRIGO

A noite no Rio de Janeiro costuma ser movimentada. Carros, pessoas, gritos, semáforos, corridas...
Como um vendaval de informações extremamente altas.

Eu estava deitado em meu sofá, que era o único móvel da casa que não tinha bagunça em cima, devaneando em pensamentos.

Pouco mais de 2 anos, eu fui exonerado da Polícia Federal, ocupava o cargo de investigador de Polícia e sabia que nasci para tal profissão.

Atualmente, era um detetive frustrado. Pegava casos de traição, que me rendiam uma quantia aceitável para morar em um pequeno, apertado, sujo e fedorento, apartamento no centro da cidade.

Usava o meu apartamento também como escritório. Mas havia uma acesso lateral no corredor, onde os clientes entravam. Um escritório modesto, mas pelo menos não havia bagunça.

Após um longo bocejo, arremessei um pedaço duro de pizza da noite anterior, que estava saboreando até me dar conta que o queijo estava esverdeado. É claro que o meu arremesso não foi bem sucedido, visto que a lixeira estava tão cheia que havia mais lixos ao redor do que dentro.

Suspirei pesadamente!

A um pouco mais de 2 anos eu morava em uma linda casa e amava uma linda fisioterapeuta.

A lembrança doía na minha alma...

Minha noiva sangrava em uma quantidade exagerada, gritava de dor. Eu corria para o hospital. No caminho quase acidentamos. Não pensava, não falava, não tinha emoções, sabia agir. Era parte do meu treinamento ter ação.

Bianca entrou para o atendimento, eu me encostei na parede, mandando comandos para as minhas pernas me obedecer e não ceder.

O tempo parecia ter parado. Cada respiração doía o meu peito. Estava tudo bem, dormíamos abraçados., quando por volta da meia noite, senti que um líquido quente invadindo as minhas costas. Em um salto eu acendi a luz. Depois disso, tudo aconteceu rapidamente.

Bianca gritava, agarrando a grandiosa barriga de 7 meses de gestação. Ao seu redor, sangue se espalhava pelo lençol branco.

Algumas horas depois, eu ainda aguardava notícias.

Um homem baixo, barrigudo e com olhos pequenos se aproximou.

- Senhor Rodrigo?

Ajeitei a postura e encarei o homem, confirmando ser a minha identidade.

O senhor parou na minha frente e passou a mão no rosto: -Bianca teve um aborto espontâneo. Tentamos tudo o que podíamos, até mesmo um parto de emergência. Mesmo assim, a sua filha não sobreviveu.

O médico apertou o meu ombro para me dar um pouco de apoio, mas com essa notícia, a minha mente rodou. A minha boca secou. Os meus olhos ardiam.

Minha pequena Yasmin, tão esperada e amada. Com o quarto montado, vestidos e laços, sapatos e mantas. Eu não podia acreditar.

Minha voz saiu como um sussurro quando consegui perguntar:

- E a minha noiva?

O médico fixou o olhar de encontro com o meu.

- Está em recuperação, com o quadro estável. Ela irá sobreviver, mas receio que somente o corpo. - Disse o médico tocando o meu ombro novamente e fazendo uma leve pressão em sinal de solidariedade. - Podemos designar uma equipe multidisciplinar para ajudá-los daqui por diante, pois a situação que vocês estão vivendo...

Eu já não ouvia mais o médico, pensava apenas no que faria de agora em diante. Eu não sabia a dimensão das palavras ditas pelo médico gentil "... ela irá sobreviver, mas receio que somente o corpo";

Os meses seguintes responderam a minha indagação.

A mulher feliz, grata e temente a Deus, vivia no automático. Não havia um pingo de vida nela. Ela não era mais a mesma.

Quatro meses depois, eu cheguei de uma viagem a trabalho, onde havia participado de um longo treinamento em São Paulo.

Assustei quando olhei ao redor, cada pequena lembrança de minha filha e de minha noiva havia desaparecido. Corri pela casa procurando as roupas da minha filha, as maquiagens da minha noiva, mas não havia mais nada. Apenas os meus pertences.

Entrei em pânico, achei que Bianca pudesse ter sido sequestrada. Mas a ideia logo abandonou a minha mente, quando percebi um pequeno bilhete na mesa da cozinha.

Minhas mãos tremiam, minha mente explodia, a cada palavra o meu coração apertava.

Rodrigo,
Eu tentei. De verdade, eu tentei. Acreditei que pudesse viver ao seu lado, mesmo após a perda da nossa princesinha. Infelizmente eu não sou tão forte. Resolvi me distanciar. Procurei um psiquiatra e vou me internar em uma clínica para vencer a depressão. Quando eu sair, vou embora para a Espanha. Minha mãe me espera. Desculpa, eu te amo. Acredite nisso. Mas cada vez que eu te olho, ou fico nessa casa, eu morro mais um pouco. Não posso viver sem a minha filha. Então precisei tomar essa atitude.
Ass. Bianca.

A raiva tomou conta de cada pedaço do meu corpo, amassei a carta e quebrei cada vidro que a minha visão turva alcançou. Também perdi uma filha. Uma criança que eu já amava e que esperava com todo carinho que um pai pudesse dar. Não era justo!

Depois desse dia, tudo piorou. Me entreguei a bebida e não ia mais ao trabalho.

O delegado Matias me considerava como um leal amigo. Mas a gota da água foi após uma diligência até uma fazenda abandonada. Estava a serviço em um caso muito complicado e que mexia com as emoções, mas eu tinha treinamento para isso. Ainda assim tomei uma atitude inconsequente. Ali tudo acabou.

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