CAPÍTULO 31

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HELENA

- Helena, que bom que desceu, tem um pessoal que chegou agora e quer te ver.

Enquanto eu descia a escada, Karol veio ao meu encontro. Meu olhar percorreu todo o salão da padaria e encontrou um foco. Na mesa 16, um pouco mais afastada, estava Amanda.

Sei que havia mais duas pessoas sentadas com ela e sei que dona Maristela estava tendo uma conversa agradável com essas pessoas, mas eu só conseguia ver a Amanda.

- Depois quero saber tudo o que rolou viu? Com riqueza de detalhes. - Karol disse, dando uma piscadinha para mim e apontou os olhos em direção ao apartamento, corei no mesmo instante, o que fez a sua risada catastrófica preencher todo o ambiente.

Antes de chegar na mesa, Amanda se levantou e foi ao meu encontro. Paramos no meio do salão.

- Luna, eu senti tanto a sua falta. Noite passada foi a melhor da minha vida. É como se eu pudesse finalmente respirar.

A doce mulher me abraçou. Novamente eu me deixei levar pela situação e retribui. Seu abraço era quente e protetor, o seu cheiro era de mãe. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu precisei segurar o choro.

De mãos dadas, caminhamos até a mesa. Danielle, a advogada sócia do Dr Henrique estava ali, com um homem. Ele era jovem, de cabelos loiros e olhos azuis, parecidos com os da Natália.

- Filha, sei que já conhece a Danielle, minha amiga e sócia do seu pai.

Danielle levantou e me abraçou: - Helena, desculpa ter vindo sem avisar, passamos no escritório e pegamos na sua ficha de admissão o seu endereço. Amanda não podia ficar mais um minuto desse dia sem te ver.

A jovem senhora logo se desculpava, mas eu abri um largo sorriso, se Amanda não viesse me ver... de alguma forma eu iria até ela.

- Não tem nenhum problema, gostaria mesmo de te ver ainda hoje. - Amanda afagou o meu rosto em um gesto delicado.

- Filha, quero também te apresentar o seu irmão Guilherme.

O jovem rapaz estava completamente inerte a conversa, ele olhava fixamente para Karol, mais especificamente para os brincos extravagantes que ela usava.

- Eu e Henrique fomos casados a muito tempo e o fruto disso foi o Guilherme. Como pode notar ele é um pouco diferente. Ele possui o Transtorno do Espectro Autista, mas é um homem maravilhoso - Explicou Danielle, olhando para o filho com orgulho.

Eu olhei para a dona Maristela procurando alguma ajuda, nunca tinha ouvido falar disso.

- Ele nasceu assim Helena, ele é como nós, só um pouco menos sociável. Autistas como no caso dele, hoje em dia vivem uma vida normal.

A senhora disse e me deixou um pouco mais tranquila, embora a minha ignorância tenha me envergonhado.

- Prometo que vou procurar saber tudo sobre o autismo. - Eu disse por fim e Danielle sorriu.

- Luna está morta, não entendo como estamos conversando com ela, ela morreu, mortos não falam. - Guilherme parecia não prestar atenção na conversa, fiquei surpresa com suas palavras. Eu não sabia o que dizer, então me calei.

Por sorte, Danielle começou a explicar: - Isso mesmo, Guilherme, mortos não falam. Mas, a Luna está aqui viva. Quando criança ela foi levada embora de casa, achávamos que ela estivesse morta, mas não estava. Foi criada por alguém sem ter noção de quem realmente era.

Um pensamento muito triste me ocorreu: eu nunca quis tanto ser algo na vida do que nesse momento eu estou querendo ser a Luna, mas e se não fosse? E se Raquel também não fosse? Não iria suportar o sofrimento que seria para Amanda. Graças a esse pensamento, notei o quanto já estava envolvida com aquela família.

- Onde está a Naty? - Perguntou dona Maristela, quebrando o silêncio.

- No apartamento assistindo desenho. Mas não quero que a chame. - Respondi prontamente.
Dona Maristela entendeu o recado e pediu licença, logo subiu para o apartamento para assegurar que a Natália não descesse.

- Quem é Naty? - Perguntou Amanda curiosa. Sentamos na mesa e eu chamei a Karol.

- Karol pode pegar o café para eu servir meus amigos?.... Karol? - Precisei chamar a sua atenção, pois ela estava muito aérea fitando Guilherme.

- Que olhos lindos. - Ela nitidamente babava por ele. Guilherme que antes olhava para a televisão, encontrou o olhar da Karol e voltou a focar em seus brincos vermelhos, barulhentos e chamativos.

- Eu mesma pego. - Disse já levantando, mas Karol me deteve.

- Eu pego! Para o moço de olhos azuis eu posso trazer um bolo por minha conta? Chocolate, morango ou de laranja?

Danielle estava sorrindo de orelha a orelha e precisou dar um toque no Guilherme para ele responder: - Chocolate e laranja.

- Ok, para você eu quebro as regras e misturo os dois.

Revirei os olhos e fiquei reparando no meu possível irmão. "Será que devo pensar nele assim?" Ele parece ser puro de coração, não parecia nutrir desejos obscenos por Karol, mas não tirava os olhos dela e de seu jeito louco. Após Karol servir o café, Guilherme se deliciou com a mistura pouco convencional que havia pedido, momento que comecei a explicar para Amanda quem é a Naty.

- Toda essa situação é muito complicada para mim. Não sei se sou sua filha e tenho muito medo de fazer o teste e dar negativo, pois com o seu abraço eu pude sentir o que é ter uma mãe.

Parei um momento para respirar. Amanda que estava do meu lado no sofá, soltou a xícara de café e apertou de leve as minhas mãos: - Não preciso de um teste Luna, sei que é a minha filha perdida.

Eu segurei a emoção pois precisava continuar: - No meio de tudo isso, vocês duas sendo mãe podem me entender. Não quero que a Naty saiba dessa história nesse momento. Ela teve muitas mudanças e com o tempo eu te contarei tudo Amanda. Tudo sobre o que já vivi até hoje, mas a minha filha tem apenas 5 anos e...

Amanda soltou a minha mão e apertou a própria boca com as suas mãos pálidas. Lágrimas começaram a escorrer dos seus olhos e logo molharam a sua camisa de seda branca.

- Meu Deus, me perdoe Amanda eu...

Eu estava em choque, não queria ter magoado ela.

- Perdoar? - Amanda ainda estava chorando mas tentou falar. - Eu que vou passar o resto da minha vida pedindo perdão por não estar presente em todos os momentos da sua vida. Não acredito que eu tenho uma netinha. Tão pequena.
Danielle também emocionada segurou as mãos da Amanda.

- Você merece cada felicidade. - Disse ela por fim.

Eu ainda estava anestesiada com aquela situação. Amanda limpou os olhos e me encarou.

- Luna, sei que está com medo. Mas vamos nos conhecer, já que eu perdi tudo da sua vida. 19 anos em branco. Me apresente a minha neta quando se sentir mais à vontade. Eu te amo filha, sempre vou te amar.

As lágrimas que eu tentei segurar foram teimosas e começaram a escorregar no meu rosto. Eu a abracei. Com o gesto, meu olhar foi direto para a porta. Eu podia jurar que havia visto o Dr Henrique ali. Mas na mesma velocidade que ele havia aparecido, ele sumiu.

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