CAPÍTULO 47

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A NOTA - 1980

- Padre Emanuel, preciso confessar-me. - Eu estava com os olhos avermelhados e sentia uma dor profunda no peito. Algo não estava no lugar certo e isso me deixava muito confuso e entristecido. Queria gritar a plenos pulmões para os pais da Sílvia pararem de procurá-la, pois ela já estava salva nos braços do Pai e eles não precisavam se preocupar.

A agonia da não compreensão da minha missão estava me deixando exausto. Após a Sílvia se tornar a primeira canção achada, uma histeria desnecessária acompanhou toda região. Mas como a polícia poderia atrapalhar a obra de Deus para mim, apenas colhi o meu depoimento e deixei bem claro que estava na reza do terço. Nenhuma migalha eu deixei, assim eles não conseguiram finalizar às investigações. Afinal, até mesmo São Pedro precisou mentir, negando a Cristo, para que posteriormente a santa igreja Católica fosse erguida.

Mais de três meses passaram e precisava dar continuidade à minha obra da Nona Sinfonia, mas antes eu fui até o Padre Emanuel, me confessar. Tentar aliviar o sentimento agoniante de não poder confortar aquela família e explicar que não precisava mais procurar a filha, já que eles nunca a achariam. Ela estava no lugar seguro, repousando no eterno silêncio. Sua alma já estava amparada e a sua doce voz eternizada.

- Diga meu filho, qual a sua confissão? - Padre Emanuel se sentou no banco de madeira ao meu lado. Estávamos na pequena capela de Nossa Senhora Aparecida, aquele lugar transmitia uma paz genuína.

No passado foi o velho Padre Francisco que me encontrou quando fui abandonado, me criando até a mocidade. Mas Deus precisava que o seu lindo trabalho fosse levado até os reinos dos céus, assim ele o levou. Desde então, Padre Emanuel foi detentor da minha guarda até a maioridade. Nos dias atuais, ele é a única pessoa que posso confiar.

Ainda relutante, abaixei a cabeça e tirei os olhos da santa. Olhei para baixo e cocei nervosamente o meu rosto. As lágrimas ardiam a minha face e eu as limpei com a manga da Sotaina. Senti um leve aperto no meu ombro esquerdo me dando forças para a confissão.

- Sou um soldado de Deus... - Comecei a dizer, tomando fôlego de ar e encarando o senhor de um pouco mais de cinquenta anos. - E como um soldado eu obedeço às obras do Pai!

Fiquei quieto, esperando alguma reação do padre Emanuel. Com uma resposta silenciosa, seus olhos se iluminaram e um sorriso tímido brotou dos seus rígidos lábios. Tive a oportunidade de continuar:

- Dito isso... recebi uma missão e comecei a cumprir. - Suspirei com rancor. - Padre, como é difícil que o mundo não entenda a intimidade que temos com Deus, ao ponto de ouvi-Lo dizer o que quer de nós.

- Sim, meu filho, temos que ter paciência com as nossas ovelhas. - Padre Emanuel disse com a sua imensa sabedoria.

Acenei a cabeça, concordando tristemente.

- Filho, noto que nos últimos meses você está triste! - Padre Emanuel afirmou e ganhou a minha atenção. - Desde a época que a filha da Maria, a menina Sílvia foi sequestrada... isso o abalou, eu entendo meu filho. Toda a igreja está abalada, os fiéis estão temerosos e...

Levantei com um salto e cheguei mais próximo a enorme imagem de Nossa Senhora. Acariciei as suas mãos unidas e ajoelhei-me. Coloquei a cabeça no fim do seu manto azul e fiz uma prece silenciosa.

- O que está acontecendo, meu filho? - Padre Emanuel estendeu a mão e eu fiquei de pé. - Estou ficando preocupado e não gosto disso. - Ele estava mais nervoso do que o habitual.

Diferentemente do velho padre Francisco, padre Emanuel era mais rígido e severo. Mas era o mais próximo de um acolhimento que eu tinha. Suspirei nervoso e tentei preencher os pulmões com o máximo de ar que pude.

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