PRÓLOGO

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"Foi no mês de dezembro"

HENRIQUE

Em uma noite de dezembro eu vi todo o meu mundo acabar. Por coincidência ou não, era o réveillon. O ano 2000 se aproximava e muitos diziam ser o fim do mundo, mas só o mundo da minha família acabou.

Passando da meia noite, o Brasil e parte do mundo comemoravam um novo ano e nessa ocasião, decidimos realizar a tão esperada celebração no salão principal do condomínio que ainda moramos. Um grande empreendimento de casas térreas e coloridas, com jardins de cerca viva dividindo-as.

Terminei de me vestir e me senti satisfeito com a minha aparência, notei que o horário já estava apertado e passava das nove da noite. Decidi apressar minha esposa para não chegarmos atrasados. No momento que a encontrei no quarto da nossa filha eu não pude deixar de espiar uma das cenas mais emocionantes que já vi: minha pequena Luna estava deitada no colo da mãe. Amanda dançava alegremente, ninando-a em seus braços. Uma música podia ser ouvida e saía de uma pequena caixinha amarela com uma bailarina dançando que estava no aparador. O quarto com a luz fraca, destacava cada ponto mínimo de claridade em formato de estrelas que preenchia todo o quarto. Graças a um abajur ainda acesso, eu notei o rosto da minha mulher e me lembro do quanto ela estava feliz.

"Meu Deus, como eu queria ter passado muito mais tempo ali, parado naquela porta, apreciando aquele momento tão emocionante". Com amargor eu entendi o quanto eu era feliz e não sabia.

Minha esposa bailando no quarto e cantava a suave canção da caixinha. Ouvíamos todas as noites e era a música preferida da Luna:

"Coisas de que me lembro,

E a canção de alguém,

Foi no mês de dezembro.

Dias de felicidade e os cavalos na tempestade.

São imagens a dançar

Que eu posso recordar.

Muito tempo já passou

E o fulgor da lareira na memória ficou.

A canção de alguém,

Foi no mês de dezembro".

Com o tempo eu me dei conta da letra dessa canção e o que significava na nossa vida. Realmente ela foi a canção de alguém e ela se foi... se foi no mês de dezembro.

Lembro de Amanda colocando a nossa pequena já adormecida em sua caminha branca com uma linda coberta verdinha que ela tanto amava. Vários ursos eram espalhados por sua cama, mas apenas um não podia sair dos seus braços. Um urso antigo e alaranjado de olhos grandes, que já não emitia mais som e que antes era de Amanda, se tornou o seu preferido. Desde o dia que nasceu, ela tocou com sua pequena mãozinha nesse urso e nunca mais o deixou. Chamava-o de "nana" e só dormia abraçada com ele. Amanda ajeitou o "nana" nos braços da filha e a beijou na bochecha.

Sussurrando disse: - Minha princesinha, durma com o papai do céu.

Amanda se levantou da cama e aproximou de mim: - Amor já estou pronta, precisava ninar a nossa menina, agora podemos ir.

Eu concordei e fui dar boa noite a Luna. Sentei-me na beirada da cama e coloquei uma mecha pesada de cabelo negro para trás da sua orelha e depositei um beijo prologado em sua face. O seu cheiro de bebê tão marcante, era uma das coisas que mais me lembrava nos dias de hoje.

Dona Giulia, uma doce senhora de cabelos brancos e olhos pequenos, ficou de babá. Infelizmente, hoje ela não está mais entre nós. Guilherme, meu filho do primeiro casamento, que na época tinha apenas 5 anos, também ficou com a babá. Ele sendo um garotinho especial, tinha muito medo dos fogos de artifício. E Giulia sabia lidar com cada crise que ele pudesse ter.

O caos pode acontecer no momento que você menos espera. Você nunca estará preparado para perder o que mais ama na vida.

Chegamos na festa e nos envolvemos na celebração. Vi minha linda esposa conversando com alguns vizinhos e decidi chamá-la para dançar.

O seu sorriso era emoldurado por um batom vermelho escuro. Os cabelos soltos, lisos e negros, caíam em suas costas, cobrindo boa parte do seu vestido. Ela bailava com um pesado vestido vermelho rubor, e sandálias altas e pretas, com um ritmo perfeito de dançarina. Ela parou de costas para mim e colocando o cabelo de lado, deixou o seu ombro aparente. "Ah que saudade eu tenho disso..." Depositei um beijo e a virei para me encarar. Ela ainda dançava e a segurei pelas mãos, dançamos tango e nos divertimos como nunca. "Como nunca mais...".

O fim da canção foi marcado por um beijo calmo em seus lábios. Nos abraçamos e declaramos juras de amor eterno.

- Eu te amo enquanto eu viver - Dizia ela naquele momento único.

- Você é a minha vida Amanda - Eu respondia e a abraçava novamente.

A festa estava animada, muitos convidados dançando, outros bebendo e admirando o céu coberto de fogos de artifício coloridos. Me deixei levar por aquela noite e bebi junto com os meus amigos. Conversamos, rimos, comemos, dançamos, parecíamos crianças em uma festa perfeita.

"Se ao menos eu tivesse imaginado..."

Faltando apenas dez minutos para a meia noite, os fogos estavam mais visíveis. Mais barulhentos e coloridos do que antes. Começamos a distribuir as taças e enchê-las com champagne. Mais de cinquenta pessoas falando e rindo alto me tiraram atenção de algo que estava tão perto. Após alguns segundos de silêncio dos fogos de artifício, ouvi um estrondoso grito e olhei para trás.

Era Guilherme: - PAPAI!

Enquanto ele apertava os ouvidos para abafar tanto barulho que machucava cada parte do seu corpinho, em decorrência da sua condição, pude notar que algo mais sério estava acontecendo. Me aproximei e olhei melhor, vi o seu pijama azul sujo de sangue.

Minha ex esposa, Danielle, correu na minha frente e abraçou fortemente o menino. Eu me forcei sair do lugar, o pânico já me consumia. Até hoje eu estremeço só de lembrar. Amanda correu em direção a nossa casa, jogou os sapatos longe, sem nem ao menos esperar qualquer resposta de Guilherme. O menino apontava os dedinhos para a nossa casa. Sem mais raciocinar eu corri na mesma direção.

Seguimos direto para o quarto da Luna e a porta estava com uma pequena passagem aberta, onde o Guilherme escapou. No chão havia um corpo e tivemos que empurrar com força para conseguir abrir a porta. Giulia estava desmaiada, com a cabeça sangrando e a roupa encharcada, impedindo uma passagem maior.

Havia vidro no chão do quarto, a janela tinha sido quebrada. Minha jovem esposa me empurrou e se jogou no chão com o urso laranja já em suas mãos. Um pequeno papel negro destacava por cima da coberta. Eu peguei o bilhete e só de olhar eu sabia que nunca mais veria a minha filha.

Apenas um símbolo era estampado em um papel preto, escrito com lápis branco uma única nota musical.

Minhas pernas não respondiam ao meu comando me fizeram cair ao chão com o rosto já úmido. Olhei para o céu negro que em poucos segundos encheram de fogos de artifício coloridos e barulhentos.

- Foi ele!

A voz da minha esposa ecoou nos meus ouvidos, era uma voz de pânico.

"Sim!". Eu pensei, mesmo querendo que aquilo fosse um pesadelo.

ELE era o Serial Killer mais procurado nas últimas duas décadas, deixando apenas um bilhete com uma nota musical. Nenhuma vítima nunca havia sido encontrada. E agora a minha doce Luna, era mais uma CANÇÃO PERDIDA.



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