CAPÍTULO 28

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HELENA

O tempo parou por um breve momento. O espanto, a tristeza e a insegurança que Rodrigo transmitia, me fez ter a certeza que aquela mulher era sua ex noiva que o abandonou dois anos atrás.

Ainda estávamos de mãos dadas e sua mão começou a transpirar frio. Rodrigo sempre transpareceu firmeza e segurança, quando não se entregava a bebida. Mas naquela situação, ele estava muito mais fragilizado que o habitual. Apertei levemente a sua mão e deslizei os meus dedos fazendo um leve carinho. O comando foi recebido, pois em seguida ele nos apresentou.

- Desculpa, eu não devia ter vindo sem avisar.

A mulher começou a se desculpar, mas Rodrigo a interrompeu.

- Não vejo problema ter vindo sem avisar. Helena, essa e Bianca minha ex noiva. Bianca essa é a Helena, minha...

Vi que Rodrigo hesitou, acho que ele não sabia o que eu era naquele instante. Tomei a frente para quebrar o clima frio.

- Sou a vizinha. Moro logo ali na esquina, na padaria.

Apertamos a mão e eu vi uma deixa para ir embora. Não cabia a mim ficar entre os dois.

- Preciso ir, essa noite foi longa e eu preciso muito descansar e refletir um pouco sobre a minha vida.

Tentei ser o mais gentil possível, mas Rodrigo me lançou um olhar de medo. Como se precisasse que eu ficasse ali.

- Ou eu posso ficar mais um pouco e fazer mais chá.
Fui para a cozinha sem esperar nenhuma resposta, mas vi que Rodrigo me seguiu.

- Obrigado por entender que eu preciso de você aqui.
Coloquei mais água na chaleira e liguei o fogo. Selecionei chá de camomila. Vamos precisar. Pelo tanto de chá que tomei esta noite, ficaria anestesia por uns bons dias.

- Vai lá, Rodrigo. Conversa com ela.

Encostei meu corpo na pia e o encarei, séria. Era uma situação difícil, mas ambos sofreram.

- Não sei nem o que dizer. Isso dói muito.

Ele estava parado a poucos centímetros de mim, mas logo esse espaço encurtou. Coloquei minhas mãos em seus braços e o abracei forte. Ele enterrou o rosto no meu pescoço e suspirou pesado.

- Rodrigo, eu já vou indo. Não quero atrapalhar.

Bianca apareceu na porta da cozinha e ambos nos afastamos.

- Não vá! - Ele pediu. Mas eu insisti, eles precisavam conversar.

- Logo que eu terminar o chá eu vou ir, vocês sentam e conversam.
Eu disse, olhando diretamente para o Rodrigo, que mesmo hesitante, concordou.

- Rodrigo, na verdade eu te procurei, pois precisamos de um lugar para ficar. Eu voltei da Espanha e ainda vou arrumar um apartamento. Mas precisamos da sua ajuda.

- Além de você quem mais precisa? Não estou entendendo. Por que voltou depois de tanto tempo? Passei dois anos me perguntando por que você tinha ido, mas agora, só quero saber por que voltou?

Bianca nos olhou com uma tristeza profunda, mas poucas palavras foram necessárias para aquilo que ela nos mostraria.

Retirou um casaco que vestia bem fino e levantou a blusa, expondo uma barriga acentuada.

- Estou grávida. Cinco meses. - Ela parou por um momento e o seu rosto encheu de lágrimas. - O pai é um espanhol que quer a guarda a qualquer custo. Minha mãe juntou dinheiro da passagem e eu vim para cá. Preciso me esconder até a criança nascer. Pois, se nascesse na Espanha, ele conseguiria a guarda fácil.

Ela aproximou do Rodrigo e continuou: - Me perdoa ter te abandonado, mas eu preciso de você. Me deixe ficar e ter meu bebê aqui. Você é policial, vai cuidar de tudo como sempre fez. Por favor eu imploro, não posso perder outro filho...

Bianca chorava, senti muita pena de toda aquela situação. Rodrigo estava inexpressivo, mas como impulso ele saiu do apartamento, nos deixando sozinhas.

Na hora seguinte fiquei cuidando da Bianca. Ela não parava de chorar. Arrumei a cama do Rodrigo para ela dormir, parecia exausta. Forrei e arrumei o sofá para Rodrigo dormir nele caso voltasse ainda hoje. Então fui para casa.

Como eu não tinha celular, qualquer tentativa de falar com o Rodrigo estava fora de cogitação. Mas o seu carro estava na garagem, então ele estava por perto.

Cheguei na casa da dona Maristela. Tentei não fazer barulho, mas a porta da geladeira fechando anunciou que alguém estava acordado. Fui rapidamente para a cozinha tentar pegar a Natália no flagra, provavelmente comendo bolo de chocolate, mas era a Maristela.

- Achou que fosse a Naty assaltando a geladeira? - Perguntou ela dando uma enorme garfada no pedaço de bolo.

Dei risada e me sentei ao seu lado, ela estendeu outro garfo me convidando a comer junto.

- Sei que aquela malandrinha vive comendo escondido. Notei que a barriguinha dela esta ficando grande de tanto doce. - Eu disse dando uma boa garfada e me deliciando com aquele chocolate.

- Ela é a razão da minha alegria - Maristela disse e me abraçou.

Eu não consigo medir o amor que eu sinto por essa senhora. É um amor de filha, amor que nunca tive com ninguém. Esse pensamento me fez lembrar dos últimos acontecimentos. Eu sempre conto tudo para a Dona Maristela, então não demorei a desabafar.

Meia hora depois e quase metade do bolo a menos, consegui atualizar ela de tudo o que aconteceu nesta noite.

- Estou preocupada com o Rodrigo. - Ela começou dizendo. - Ele não deve estar nada bem. Amava muito a Bianca ou ainda a ama, não sei ao certo. Helena, eu sei o que você sente por ele e sei que com esse beijo o seu sentimento se intensificou ainda mais, mas tome cuidado para não sofrer. Antes de continuar se envolvendo com ele, tenha a certeza que ele também sente o mesmo por você. - Ela continuou, segurando minha mão e me olhando nos olhos. - A respeito da volta da Bianca e toda essa situação que ela está passando, acredito que temos que ajudá-la. Um filho deve ficar com a mãe! - Ela concluiu, concordava com tudo que ela havia dito.

- Agora, sobre o primeiro assunto, sobre a Dona Amanda e toda a cena que você me descreveu. - Ela falou pensativa, dando uma olhada para o teto. - Eu não sei o que te aconselhar. Eu lembro das reportagens sobre esse Serial Killer, o quanto ele aterrorizou a população carioca. Lembro que uma cliente teve a sua filha levada por ele a muito tempo atrás, nunca mais a vi. Todas as mães e pais que perderam as filhas para esse psicopata, não conseguiram mais ter vida. Sofreram de depressão profunda, sei de alguns casos de suicídio. É horrível toda essa história.

As palavras da dona Maristela me acalmaram. Muito sábia, ela sempre sabia o que dizer. Mas quando tentei falar sobre sua saúde, ela desconversou.
Nas últimas duas semanas, ela estava gripada, tomava muitos remédios e não estava melhorando. Mas ela não queria procurar ajuda e nem me contar o que sentia.

Fui tentar dormir, com muita dor de cabeça, o dia seguinte seria longo, e eu estava ansiosa para rever a Amanda. Uma parte de mim estava desesperada com tudo o que aconteceu, mas a outra parte queria apenas ser ninada e abraçada por aquela doce mulher mais uma vez. Dormi abraçada com a minha filha, agradecendo a Deus por ela existir na minha vida.

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