CAPÍTULO 56

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HENRIQUE

- Muito obrigada pela informação, Rodrigo. Sim... eu vou agora para o hospital.

Desliguei o telefone com as mãos trêmulas, agarrei em uma mesinha lateral tentando fazer os meus pensamentos terem ordem para eu conseguir agir. Tantas informações me fizeram ter um temor que há muito tempo eu não sentia. Ainda com a lembrança fresca na memória de perder uma filha, forcei as minhas pernas a terem comando.

Sai do meu quarto e fui em direção ao antigo quarto da minha Luna. Acendi as luzes do corredor, tentando clarear aquele caminho subversivo. Quando eu abri a porta do pequeno quarto com lentidão, vi a luz alaranjada do pôr do sol começando a adentrar as cortinas.

Então, contemplei uma cena que acalentou o meu coração. Um daqueles momentos impossíveis de esquecer. Era Amanda deitada na caminha de Luna, com a Natália em seus braços. Ambas abraçadas com o ursinho preferido da minha princesa. Não sei quanto tempo fiquei em transe naquele sonho, mas precisava avisar Amanda, caso contrário ela nunca me perdoaria.

Ajoelhei nos pés da cama e ajeitei a coberta na Natália. Amanda mexeu e abriu os olhos me encarando preocupada. Sussurrando, respondi a sua pergunta silenciosa:

- Deu tudo certo, Amanda. Rodrigo resgatou Helena e a levou para atendimento médico. Eu estou indo para o hospital, ela ficará bem.

Vi o rosto de Amanda clarear em felicidade, mas em poucos segundos tornou-se sombrio.

- Raquel? - Perguntou Amanda sussurrando.

Menti, mesmo sabendo que não era algo aconselhável na minha atual situação. A voz do Rodrigo dizendo que Raquel foi ajudar Helena e que agora estava muito machucada, me alertava que ela poderia não sobreviver. E tendo escolha, eu sempre iria preferir poupar Amanda, mesmo que isso me custasse a sua confiança. Engoli a seco e respondi apenas que ainda não sabíamos onde ela estava. Antes que minha esposa questionasse, levantei-me rapidamente e sai do quarto.

Procurei as chaves do carro e tropecei no tapete desajeitado. Dirigi até o hospital, não sabendo o que encontraria quando chegasse.

**

Dentre alguns minutos eu descobri que o temor de perder alguém que eu amo ainda me perseguia. Era difícil admitir a mim mesmo o que eu passei a sentir por Raquel. Absolutamente diferente de tudo que eu imaginava para o futuro de Luna, ela contrariava todos os meus preceitos de vida, ao mesmo tempo me fez acreditar que Amanda poderia ser salva do mar de depressão que antes se encontrava.

Segurando sua mão gélida, sua face branca e cabelos negros repousavam com respirações incoerentes com os dizeres das máquinas. Com um sopro de vida, seu pulmão enchia de ar e logo esvaziava, como se seu corpo físico clamasse pela sobrevivência. Raquel estava terrivelmente machucada, cada pedaço do seu corpo descoberto ao lençol evidenciava marcas cruéis.

- Dr. Henrique? - Senti uma mão pressionar suavemente os meus ombros e eu saí do transe.

Sequei o meu rosto, sem nem ao menos me dar conta que ele estava molhado.

- Rodrigo, como está a Helena? - Perguntei levantando da cadeira e cobrindo a mão da Raquel com o lençol.

- Ela está bem. - Disse ele passando a mão pelo cabelo em sinal que precisava de conforto. - Helena teve ferimentos em decorrência ao espancamento, mas já está medicada. O pior aconteceu mesmo com a Raquel, o médico disse que não sabe se ela vai passar de hoje. Ela salvou a Helena.

Minha garganta formou um nó e eu senti minha respiração falhar. Raquel era complicada de lidar, mas nos últimos meses ela se tornou a nossa família. Apertei o colchão da maca impaciente e meu rosto começou a formigar.

- O que aconteceu com o cara que fez isso com elas? - Perguntei serrando os dentes, querendo apenas alguns minutos sozinho com esse cara, para fazê-lo pagar por tudo o que fez com as minhas filhas.

Rodrigo estava nervoso e não quis controlar as palavras, desabou em frases não articuladas sobre o destino do agressor.

- Creio que o Maiky tomou o poder do morro novamente - Disse Rodrigo por fim, deixando a sua voz morrer em um acesso de raiva.

- Ele ajudou a salvá-las. - Rebati.

- Escapou sem punição por tudo o que fez com a Helena, isso não vai ficar assim. - Disse saindo do quarto e me deixando sozinho.

**

Abri os olhos e senti uma dor imensa atingir a minha coluna, só percebi o motivo quando me dei conta que dormi na cadeira de fio e segurando a mão da Raquel. Esfreguei os meus olhos e estiquei todo o meu corpo. O barulho dos corredores daquele hospital era alarmante. Como protocolo, ambas vieram a um hospital público. Insisti muito em transferir Raquel para um particular, mas o médico disse que não havia condição de fazer isso, enquanto eles não conseguissem estabilizá-la.

Olhei para Raquel e ouvi mais uma vez o barulho das máquinas que a mantinham viva. Precisava ser grato, ela sobreviveu durante essas horas, sua luta agora era se manter viva o suficiente para ser estabilizada e ir para um hospital com mais recursos.

- Lute, lute como uma guerreira. Volte para nós. - Sussurrei em seu ouvido.

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