CAPÍTULO 15

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HELENA

Quando cheguei da casa da Dona Maristela, apenas a luz da sala estava ligada. Fui até o quarto de hóspedes que seria meu por um tempo, e a minha pequena filha estava dormindo abraçando uma boneca de pano.

- Era minha quando eu era criança.

A senhora estava atrás de mim e segurava uma xícara de chá quente.

- Fiz chá para você também, Helena, pode pegar na cozinha... Me diga... Como foi a faxina? - Ela me perguntou, entre bicadas no chá.

Peguei o chá e me sentei em uma poltrona, ela sentou no sofá, havia uma pequena mesa central.

- Desculpa te manter acordada até essa hora, Natália deu trabalho para dormir?

Maristela abriu um sorriso e respondeu:

- Ela é um anjo. Dormiu nove e meia. Tomou banho sozinha. Coloquei uma camisa minha de pijama. Ela me ajudou a fazer a janta e alegrou a minha noite. Conversou tanto comigo, além disso, eu não conseguia dormir.

Precisei concordar, de fato Natália falava muito. Ela conseguia dialogar com pessoas mais velhas, muito madura pra idade dela.

- Mas como foi a faxina? O Rodrigo te tratou bem?

Tomei um gole do chá e pensei no que dizer antes de falar. Não queria que ela percebesse o meu interesse nele.

- Eu nunca vi uma casa naquele estado. - Rimos juntas - Mas eu consegui vencer a bagunça. Imaginei que o senhor Rodrigo, fosse um senhor de idade, doente, que não conseguia cuidar da limpeza de casa. Mas quando eu o vi na porta...

Engoli a seco, precisava me controlar mais.

- Ele é um jovem rapaz muito lindo - Completou Maristela, me fazendo corar.

- Ele me tratou muito bem, não foi grosseiro e nem tentou nada comigo. Apenas me serviu sorvete.

Os olhos da senhora me olharam com muita ternura.

- Os olhos dele tem uma cor cinza muito especial não é mesmo?

Concordei com a cabeça, bebendo chá e tentando esconder minhas bochechas rosadas.

- Ele me tratou bem! Mas eu prometo que não terei nenhum envolvimento com ele. Só fiquei feliz de conhecê-lo. Eu estou acostumada com o meu marido e com a...

Parei de súbito, não precisava dizer mais nada, ela sabia de toda a violência que sofri. Quando Rodrigo chegou em casa, joguei meu cabelo para frente e ele não viu as marcas no meu rosto. Passei todo o momento ao lado dele escondendo as marcas sem que ele percebesse.

- Vou te contar uma história minha jovem. Eu conheci o meu marido na igreja. Tinha 15 anos e ele 33. Foi a muito tempo atrás. Ele era lindo e um ótimo partido. Era pastor e tinha herdado essa padaria. Nos casamos em pouco tempo. Mas logo na lua de mel, eu agradeci o café da manhã que o atendente levou até o quarto, e ele não gostou. Aquela foi a primeira noite de agressão, que duraria mais trinta e cinco anos. Uma dessas agressões levou a minha esterilidade. Outra, levou parcialmente a minha audição. Quando ele morreu de câncer, Deus me perdoe, mas eu agradeci muito por isso. Contei para a igreja inteira o que ele fez comigo, mostrei as marcas e fotos. Eles não acreditaram. Nunca mais pisei lá. Resolvi viver a minha vida e trabalhar na padaria que agora era minha. Cinco anos depois, Antônio Joaquim veio tomar um café da manhã. Eu o reconheci, ele era um vizinho de quando eu era mocinha. Eu tinha uma paixão secreta por ele, mas meus pais me deram em casamento para o Alfredo. Conversamos muito. Me surpreendi com a sua história. Ele era um piloto de avião comercial internacional aposentado. Ele comprou um prédio inteiro e agora vivia da aposentadoria e dos aluguéis. Desde então nos divertimos tanto. Viajamos por tantos países. Eu conheci a verdadeira felicidade ao lado dele.

Eu já tinha o rosto molhado com o seu depoimento. No futuro eu queria abrir uma casa muito grande para abrigar essas mulheres, vítimas de violência.

- O meu conselho Helena - Ela segurou as minhas mãos, deixando a xícara na mesa e me olhou nos olhos - Eu conheço o Rodrigo tem quase dois anos. É um homem que sofreu muito na vida, mas não cabe a mim contar isso para você, e sim ele. Tanto ele quanto você, merecem ser felizes. Se o seu coração bateu mais forte quando o viu, saiba que o meu bateu da mesma forma quando eu reencontrei o Antônio.

Concordei com a senhora e logo nos despedimos para dormir. Depois do banho e de colocar um pijama emprestado, eu ajoelhei ao lado da cama que dormiria com a minha filha, e fiz uma oração como se Deus estivesse do meu lado.

🎵

Acordei com o barulho do despertador. Era 4 da manhã. Tomei um banho e vesti roupas emprestadas da Maristela, agora que eu tinha dinheiro, sairia de tarde para comprar coisas para mim e para Natália.

- Bom dia Helena, dormiu bem?

- Melhor que qualquer dia na minha vida.

Disse abraçando Maristela.

- Deixe Natália dormir mais, eu disse ontem que quando ela acordasse, era para descer as escadas que estaríamos na padaria.

Agradeci muito por isso, minha filha estava muito cansada.

Nas primeiras horas do dia, Maristela me ensinou a preparar pão, torta, bolo, doces, biscoitos, cortar os frios e tantas outras coisas. Prestava muita atenção em tudo, precisava ajudar aquela senhora que era um anjo enviado de Deus na minha vida.

Seis e meia da manhã, eu estava terminando de colocar as cadeiras do lado de fora da padaria quando eu o vi atravessar a rua.

- Você deixou o meu caderno em branco - Disse ele, parando na minha frente.

- Desculpa, senhor Rodrigo. - Disse apenas isso, me concentrando a colocar as toalhas na mesa.

Ele pegou outras toalhas que estavam dobrada e colocou em duas mesas restantes.

_ Bom dia Helena, já disse a você me chame apenas Rodrigo. - Ele disse entrando na padaria e me exibindo um sorriso maravilhoso.

Eu o segui, iria atendê-lo. Maristela subiu para pegar a sua agenda de contas a pouco tempo. Eu estava nervosa. Não sabia como atender sem denunciar que eu não sabia ler.

- Quero um café já adoçado, um pão com margarina bem quente e um pedaço de bolo de cenoura com chocolate.

Ele sentou em uma bancada virado para o balcão que eu estava, comecei a pegar tudo o que ele pediu e entreguei.

O silêncio ficou constrangedor quando ele começou a comer, mas logo um som foi ouvido.

- "Acoidei" o que perdi, mamãe?

Natalia correu para dentro da padaria e me abraçou nas pernas. Estava com a mesma roupa do dia anterior e isso apertou o meu coração.

- Nada minha filha, abrimos só agora.

Rodrigo olhava para Natália e eu decidi apresentá-los, mas antes que pudesse fazer, Natália me entregou.

- Um "quienti" (cliente), eu preciso ver as letra do pedido, "puque" a senhora não sabe as letra.

Senti meu rosto ferver de vergonha. Acho que passei muito tempo encarando o chão. Mas ouvi uma conversa do meu lado e isso me chamou atenção.

- Natália, e o senhor?
- Rodrigo. Você é muito esperta, sabia disso?

Natalia abriu um sorriso para ele e respondeu: - Sim, eu sei.

Eles riram juntos. Me esforcei a esquecer a cena anterior e servi café da manhã para a minha filha.

Eles continuaram conversando por mais um tempo e Rodrigo precisou ir trabalhar.

O dia passou rápido, tivemos muito trabalho. De tarde eu consegui sair por trinta minutos e ir em uma loja próxima. Comprei roupas e sapatos para mim e para Natália, tudo simples, mas bonito. Minha filha vai amar.

Consegui faxina para hoje e amanhã na vizinhança, com estudantes que moravam sozinhos e não ligavam que houvesse faxina de noite.

No sábado começaria a minha primeira aula de aprender as letras. Maristela me ensinaria.

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