CAPÍTULO 19

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RODRIGO

Henrique me pediu para começar as investigações sobre Luna, paralelamente a nosso outro acordo. O que era para ser apenas uma fraude muito bem bolada, havia se transformado em uma investigação séria.

Claro que eu conhecia A Nota. Não havia uma pessoa no Brasil que não o conhecia. Era uma verdadeira história de terror o absurdo que ele fez. Matou 80 meninas de idades próximas no decorrer de 20 anos. Era assustador.

Quando eu era policial federal, me intriguei muito com esse caso. Mas não era do nosso território, visto que aconteceu apenas na cidade do Rio de Janeiro. Assim, eu precisei ir até o prédio da Polícia Civil, conseguir os relatórios do caso.

Cheguei cedo ao prédio da Polícia Civil, não tive tempo para passar na padaria. Fazia cinco dias que eu não via a pequena Natália, então decidi comprar um presente.

No prédio, fui direto para o quarto andar, falar com o delegado Figueiredo.

- Não acredito, você ainda está vivo.

O senhor robusto me olhou por completo e estendeu a mão. Eu apertei firmemente. Nos conhecemos a cinco anos, em uma missão conjunta da polícia civil e da federal.

- Sobrevivendo a cada dia, doutor.

Sentei em uma cadeira e me esforcei para sorrir.

- Eu soube do que aconteceu na sua vida, e principalmente da sua exoneração.

Aquele assunto era desconfortável, mas como eu precisava da ajuda do delegado, resolvi alongar a conversa.

- Depois daquele dia fatídico, eu tomei um rumo para a minha vida. Hoje eu sou detetive particular.

- Fico feliz, Gonçalves. Depois daquele dia, conversou com o Dr. Matias?

Neguei com a cabeça. Matias era o delegado federal responsável pelo grupo que eu fazia parte. Ele tentou contato comigo e me considerava um amigo, mas eu concordei em sair algumas vezes e pronto. Não tinha nenhum rancor por ele ter me entregue para ser demitido. Visto que o único culpado fui eu.

Conversamos mais um tempo sobre coisas corriqueiras até que finalmente chegamos no ponto que eu queria.

- Gonçalves, o que te trás aqui?

- Doutor, eu fui contratado pelo advogado Henrique Pottier para continuar as investigações da morte de sua filha Luna.

O delegado levantou as sobrancelhas, depois coçou o queixo, levantou vagarosamente de sua cadeira e começou a olhar pela janela.

- Foi o crime que mais impactou a minha carreira. Nunca consegui nenhuma pista. Eu não dormia mais. 80 meninas Gonçalves, 80 crianças indefesas mortas por um louco.

A sua voz havia mudado, dando lugar a um som lamentoso.

- Vou providenciar tudo... Se eu puder trabalhar contigo... Tem 19 anos que o assassino parou de atuar, a polícia já não está mais investigando.

Eu concordei com os seus termos e combinamos de nos encontrarmos no dia seguinte na minha casa. Assim, daria tempo para ler os relatórios e me familiarizar com o caso.

Já estava na hora do almoço. Passei em uma uma banca de revistas e comprei um enorme livro de princesas da Disney e uma caixa de lápis de cor.

Deixei o carro na garagem do meu prédio e fui em direção à padaria. No caminho precisei parar, meu celular estava tocando e era o Henrique.

Eu o informei que já estava com todo o caso em mãos e começaria meus estudos.

- Liguei por mais um motivo, Gonçalves. Eu conversei com a Danielle sobre a sua amiga. Temos uma vaga temporária de faxineira. Será toda noite semanal. O tempo será feito por ela, pois depois que acabar a faxina já pode ir embora. Vou pagar a média da categoria, auxílio transporte e alimentação. Fale para a garota vir amanhã cedo assinar o contrato.

Fiquei muito grato com a notícia. Queria que houvesse uma floricultura perto, mas me atrevi a roubar uma rosa branca do jardim da Dona Gertrudes, que saiu na porta me xingando, vestida de camisola vermelha e cabelo laranja. Corri para a padaria, estavam servindo almoço.

O almoço era um prato feito, que a alguns dias atras eu descobri que era a Helena que fazia. Uma comida simples e muito caseira, mas que estava ganhando o paladar do bairro. De fato, a padaria estava lotada.

De longe eu vi um cabelo loiro esvoaçante correndo para entregar guardanapos em uma mesa.

- Naty.

Ela me encarou com aqueles enormes olhos azuis e correu na minha direção, pulando no meu colo.

- Tio "Rotico". Por que não veio me vê? - Ela fazia um biquinho meigo.

- Estava trabalhando muito minha pequena. Mas trouxe um presente pra você.

Coloquei ela no chão e entreguei o enorme livro de princesas e a caixa de lápis de cor. Ela começou a gritar emocionada e correr de mesa em mesa mostrando o presente para os clientes que pareciam mais seus amigos. Por fim, agarrou a cintura de sua mãe e de longe apontou que eu estava na porta. Helena veio em minha direção de mãos dadas com a filha.

- O que falamos?

Natália a encarou muito feliz e disse: - "Obrigata", tio "Rotico".

Ela me abraçou e eu abaixei a sua altura e retribui o abraço. Aquela criança estava se tornando o meu ponto de equilíbrio.

- Mamãe, posso fica com a tia lá na casa "pa" pintar?

Helena olhou com ternura para a filha: - Eu preciso de ajuda hoje minha filha, temos que servir 30 clientes e a dona Maristela está doente. Preciso que você me ajude com os pedidos.

A menina fez menção de chorar, mas eu intervi - Helena, deixe ela ir cuidar da dona Maristela, eu te ajudo.

Antes da mãe concordar, Natália subiu as escadas correndo para a casa da Dona Maristela.

- Rodrigo. Eu te agradeço muito por tudo que fez pela minha menina viu. Mas não precisa me ajudar, sei que o senhor trabalha muito.

Era a primeira vez que ela não me chamava de "senhor Rodrigo" sem que eu pedisse. Ela colocou uma mecha de cabelo dentro da touca de cozinha e pela primeira vez eu pude ver o seu rosto melhor. Era um rosto fino e pálido, os olhos grandes e castanhos, a boca avermelhada. A marca da violência não estava tão visível mais. Embora ela tenha tentado esconder desde o dia que nos conhecemos, eu consegui ver o enorme hematoma do lado direito. Com toda a certeza eu descobriria quem fez.

- Por onde eu começo?

Sem dar margens para ela me expulsar da padaria eu corri e peguei o cardápio com um bloquinho e caneta. Nele havia anotado apenas números e eu estava começando a ver um padrão quando ela me interrompeu.

- Como o senhor já viu, eu estou aprendendo as letras. Então eu uso os números para anotar os pedidos. Já que quer ajudar, começa levando refrigerante para a mesa dois, suco para a mesa cinco e anota o pedido da mesa sete.

Eu deixei a rosa no balcão, daria a ela mais tarde, junto com a proposta de emprego.

Ela entrou na cozinha, eu lavei as mãos e me organizei para trabalhar.

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