CAPÍTULO 64

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RODRIGO

O meu corpo lutava contra, mas eu sabia que precisava ler aquela última folha do caderninho, aquela que estava grudada na capa, amarelada pelo tempo e com uma letra mais rabiscada. Entendi que foi escrita às presas, e mesmo sem querer aceitar, havia apenas uma parte desse quebra-cabeça que eu não conseguia desvendar. Foi muito além disso, eu li e permaneci em choque até sair desse transe com um toque nada sutil do Figueiredo me chamando atenção que a equipe de policiais chegara.

Estava quieto, absolvendo meus pensamentos mais íntimos. Tentando responder de forma clara e precisa apenas o necessário, pois se meus amigos ou os investigadores do CSI-RIO soubesse o que mais eu descobri, eu não poderia protegê-la.

Especificamente naquela folha, que agora estava no meu bolso da calça, escondido no meio das chaves do meu carro, continha a seguinte nota: "... não pude terminar com maestria a minha sinfonia, situações mundanas me levaram a mudar o final da minha missão. Como um "gran finali" ofertaria o diário na igreja Nossa Senhora da Guia e depois abraçaria o meu destino nas graças do Majestoso, porém, nada disso aconteceu. O caderno precisou ser enterrado no meu quarto, naquela casa que um dia foi meu lar e que agora não passava de um antro frio para os meus pecados. Não estava no plano eu cobiçar uma vida fora do evangelho, mas me encantei com as graças que o mundo podia propiciar. E agora... ela me deixou, ou melhor... ela nos deixou. Por suas escolhas eu preciso relatar que não mais descansarei, precisarei cuidar do fruto do meu pecado. Não sei por quanto tempo precisarei viver nessa punição e estou desgostoso com esse meu destino. Será uma provação do Pai? Depois que tudo fiz para completar a missão que a mim foi confiada! Seja como for, criarei a minha filha da forma que os homens permitirem, só então descansarei... quando Helena não mais precisar de um pai ou quando Deus perdoar o meu pecado de ter me envolvido com uma mulher".

Entrei no meu carro e ali permaneci por um tempo, não sabendo qual direção tomar. A Nota era o pai da Helena, e sendo assim... ela poderia saber disso? Será que havia alguma possibilidade de ela saber que o pai dela matou oitenta crianças? Não poderia cogitar o fato dela ter se aproximado do casal Pottier e ter alcançado o coração da bondosa Amanda, se a filha desta foi morta brutalmente pelo pai da Helena. E se ela soubesse de tudo e agisse para concluir o que o pai começou? E se o plano dela foi destruir ainda mais a alma daquela família já despedaçada.

O quebra-cabeça havia se encaixado, Helena era a filha da Nota. Só resta saber se ela conhece esse fato, ou se é mera fantasia da minha alma.

Deixei a cena daquele crime bárbaro, dirigindo com um rumo traçado a poucos minutos. Muitos ali chegaram, policiais e repórteres do Rio de Janeiro, iniciavam uma matéria ao vivo. Nessas horas, cada família estava sendo avisada. Logo os corpinhos seriam desenterrados e começaria a exumação.

No caminho o meu celular tocou, era Bianca. Ela dizia uma mensagem desencontrada, entre soluços e lamentos. Não consegui prestar atenção, mas soube que a notícia já havia se espalhado, e agora não somente o Rio, mas todo o Brasil chorava a morte dessas crianças, que foi confirmada sendo o pior crime já visto nesse país.

Em pouco tempo, graças a minha pressa e correria, cheguei até a padaria. Parei o carro na calçada, sem ligar para a possível multa ou guincho que me puniria, apenas precisava tirar a prova do que para mim não podia ser verdade, mas era o que mais se encaixava.

Helena entrou na vida de todos nós, trazendo esperança no momento de trevas. Me fazendo voltar para a realidade com consequências de erros do passado que poderiam ser remediados, desde que eu estivesse sóbrio para isso. Só de pensar em Amanda e Henrique nesse momento, em como eles receberam a notícia, tendo abrigado em sua casa a filha do assassino da Luna e estando ainda com cuidados diários com a Natália. Meu Deus, que monstruosidade. Meu coração acelerou quando entrei naquela padaria, que um dia foi motivo de tanta alegria.

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