CAPÍTULO 35

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HENRIQUE

Saí da padaria apressado, pois precisava resolver algo que estava adiando por um tempo considerável. Apesar de temer as consequências, tinha a ciência de que precisava fazê-lo para evitar uma catástrofe.

Em um plano sutil, consegui marcar uma reunião extraordinária dos pais da Canção Perdida, sem que Amanda soubesse. Todos os pais estariam presentes, inclusive aqueles que já deixaram de frequentar. Ansiosos, queriam saber das notícias sobre a volta da Luna que foi relatada na última reunião e acabou se espalhando.

Organizei tudo com Simone, ela havia sido uma das últimas a perder a filha, de longe era uma das pessoas mais equilibradas dentre os pais da canção perdida, pelo que eu sabia ela liderava tudo quando Amanda não estava disponível. Amanda havia criado o grupo, mas às vezes não tinha equilíbrio emocional para administrá-lo. Por isso recorri a ela para criar essa reunião, expliquei que Amanda estava indisponível, pois toda a história envolvendo Luna foi traumática para ela, mas eu estaria disponível para prestar esclarecimentos a todos os pais.

Ao chegar no local fui recebido por alguns pais que ali já se encontravam. Sentei em uma das cadeiras brancas que formavam um círculo. Olhei por um longo tempo para a marca de nota musical desenhada com perfeição no centro da roda e procurei me acalmar. Alguns pais me cumprimentaram e tentaram ter notícias sobre a Luna, mas eu estava muito pensativo para conseguir responder naquele momento.

Simone veio ao meu encontro e me tirou desse transe inicial.

- Nunca tantas pessoas vieram a uma reunião regular, bem menos em uma extraordinária. - Ela disse surpresa. - Normalmente recebemos em torno de 50, no máximo 80 pessoas, hoje temos muito mais. Parece que todos estão com esperanças de reencontrarem suas filhas perdidas, já que Luna voltou.

Apenas fiquei em silêncio. Não havia espaço para todos se sentarem, os mais idosos estavam nas cadeiras circulares que formavam o centro. Enquanto o demais estavam em pé atrás. Naquele momento a única coisa que eu estava agradecido era por ainda não ter dado mídia.
Felizmente, o grupo dos familiares das canções perdidas não confiavam na mídia, ainda assim, eram quase 200 pessoas, entre pais e familiares das garotas desaparecidas, a qualquer momento, algum boato mal contado poderia sair, se é que já não havia saído. Por isso, preciso amarrar as pontas antes que tudo saia do controle.

- Dr Henrique, todos os pais se encontram presentes. Estamos ansiosos para ouvir o que o senhor tem a dizer. - Simone novamente se dirigiu a mim e sentou-se na cadeira ao meu lado. Todas as vozes foram diminuindo o som até que todos ficaram em um silêncio sepulcral. Naquele momento, se uma agulha caísse no chão todos ouviriam.

Percorri com o olhar cada rosto desesperado por alguma notícia, estavam sedentos por ter alguma esperança. Aquele silêncio só tornava o ambiente mais agoniante do que eu podia imaginar.

- Boa noite!

Um uníssono saiu de suas bocas como uma trovoada em resposta.

- Convoquei essa reunião extraordinária para relatar tudo o que está de fato acontecendo na vida da minha família. - Comecei calmamente, todos olhavam para mim fixamente. Já havia encarado Juízes, Desembargadores, Ministros e os maiores engravatados do país. Mas nada se comparava a encarar aqueles pais.

- Como todos vocês já sabem, Luna foi a última vítima da Nota. Sentimos a mesma dor, embora por menos tempo que vocês. Durante este período, muita coisa passamos e tivemos que enfrentar os nossos maiores medos para estarmos presentes hoje. Eu não quero com essa minha declaração magoá-los de alguma forma, embora eu acredite que a revelação não cairá bem aos seus ouvidos. - Parei por um instante e encarei novamente aqueles pais desesperados. Alguns faziam expressões confusas, outros exibiam desconfiança, alguns poucos apenas escutavam inexpressivos.

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