Capítulo 23

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André

Não consigo falar nada com Félix. Ele dirige rápido demais. Dá para perceber que está puto. Faz tempo que não o vejo assim, desde o dia que ele socou o cara que xingou a Yasmin.

O Félix é uma pessoa bem de boas até, mas se mexem com algum amigo dele. Ele se transforma mesmo!

_ André, fala comigo. Eu já estou me tremendo de ódio! Se você ficar aí só chorando eu vou ficar pior. Cara, eu vou matar o Giovani quando o ver. E pode apostar que tem dedo da puta da Dani também.  Ela me soltou algo agora na faculdade que deixou claro que está no meio!

Eu não duvido, sinceramente. Vindo da Dani? Isso é fato. O que eu quero saber é quem nos fotografou. Aquela foto foi tirada de um ângulo que se fosse o Giovani seria impossível não ver.

_  Félix, eu não estou bem. Então não vou lhe dizer isso. Mais calma. Eu não quero morrer com você dirigindo aí, eu não conseguir nem perder minha virgindade ainda. Só porque cheguei tão perto hoje e...

Paro de falar, falei o que não não deveria. Claro, que não vou sair contando minha vida sexual, quase inexistente, para meu amigo.

Félix começa a rir, e não para.

_ Pera, você já ia transar com o Paulo? Oi? Me conte, o que vocês fizeram? Você fez algo hoje? Aí não me conta. Pode contar. - Félix diz rindo sem parar.

Amém, ele se acalma. Pelas minhas custas, mas okay.

_ Félix, eu não vou te falar o que fiz ou não. Mas já que soltei, eu ainda sou virgem. A gente meio que tava se conhecendo e aí você me mandou mensagem e depois liguei, enfim.

Sei que estou vermelho, mas não tem como. Nunca falei nada abertamente para ninguém. Sempre ouvi apenas.

_ André, relaxa. Se eu soubesse que você estava "descobrindo" o Paulo, eu não teria te mandado nada. Sabe, eu nunca vi você com o sorriso que estava quando encontrou mais cedo com o Paulo. Mas, as coisas vão ser fáceis. Esse turbilhão vai passar. Eu te prometo isso.

Eu sei que ele está dizendo uma verdade, mas mesmo assim, eu sei que não é nada fácil. Agora todos vão comentar, especular. E eu ainda não faço ideia até onde isso vai chegar. Meu temor são meus pais, principalmente o machista do meu pai que sempre me criou dizendo que preferia filho morto a filho gay. Pois é, eu só penso em quantos garotos e garotas cresceram ouvindo isso.

Meu celular ascende e é o nome do meu pai na tela. Ele nunca me liga de dia, nunca! Até onde sei, ele fica no escritório até de tarde e depois chega em casa e se tranca no quarto.

_ Félix, para o carro. É meu pai ao telefone. - eu digo segurando as lágrimas.

Félix para o carro em um encostamento e eu atendo o telefone.

_ Oi pai, o que acontece para você me ligar? Está tudo bem? - atendo normalmente.

_ VOCÊ TEM A CORAGEM DE ME PERGUNTAR ISSO? É SÉRIO? OLHA EU QUE TE PERGUNTO? ACABO DE RECEBER UMA FOTO SUA POR E-MAIL. E MINHA SUPRESA É TANTA QUE QUANDO ABRIR ESTÁ O MEU FILHO ABRAÇADO COM UM HOMEM! E PELO JEITO, MEU FILHO GOSTA DE LEVAR PAU NO CU! VOCÊ TEM NOÇÃO DA VERGONHA QUE ESTÁ ME CAUSANDO? VOCÊ TEM A NOÇÃO QUE ESTÁ MANJANDO O NOME DA FAMÍLIA? EU SEMPRE PAGUEI OS MELHORES COLÉGIOS, OS MELHORES CURSOS, E TÁ AÍ? VOCÊ VEM E FAZ ISSO???? COMO VOU EXPLICAR ISSO PARA MEUS AMIGOS? COMO VOU EXPLICAR ISSO PARA A FAMÍLIA? EU PREFERIA TER RECEBIDO UMA FOTO DE VOCÊ MORTO A ISSO.

Meu pai grita ao telefone, mas a última sentença me destrói mais do que tudo.

_ Pai, eu posso explicar. - digo entre lágrimas.

_ EU NÃO QUERO EXPLICAÇÃO! E NÃO ME CHAME DE PAI! PARA MIM, VOCÊ MORREU! ME FAZ SÓ UM FAVOR, SOME DA MINHA VIDA. NÃO PRECISA NEM VOLTAR EM CASA. SUA MÃE POR SORTE ESTÁ LONGE ESSA SEMANA, NÃO VAI TER QUE VIVENCIAR ESSA VERGONHA. E SÓ MAIS UMA COISA, NÃO PRECISA NEM PISAR NA MINHA CASA MAIS. TUDO LÁ FUI EU QUE COMPREI, ENTÃO PRONTO! VOCÊ QUIS SER ASSIM, ÓTIMO! MAS SE VIRA AGORA! VAI DA O CÚ PARA SE SUSTENTAR.

Ele desliga e eu não consigo mais segurar as lágrimas. Félix me olha e não diz nada. Ele ouviu tudo. Acho que todos a 10 Km ouviram os berros.

Encosto a cabeça no vidro do carro e choro. Quero que essa dor toda passe, quero poder voltar no tempo e ter terminado com tudo quando eu tive a chance. Devia ter terminado aquele dia. Mas, fui fraco.

O trajeto é em silêncio. Ninguém fala nada. O carro entra na garagem do condomínio. Félix mora mais distante, mas todos no mesmo lugar.

_  André, eu ouvi tudo. E primeiro, você já sabia né? Dos nossos pais, só o meu sempre foi mente aberta. Então, o que lhe falei antes é verdade. Você vai lá pra casa, e se for necessário, vai viver lá. Eu já te considero meu irmão, nada vai mudar. Você só vai viver junto comigo. E nem pense em recusar. Sabe que meus pais te adoram também.

Realmente sei. Os pais do Félix sempre me adoraram. A mãe dele então.

Me solto do cinto e abraço o Félix. Eu sei que ele não gosta muito de abraço, mas naquele momento ele me deu o que eu precisava. A sensação de família.

Subimos quieto. Ao abrir a porta a mãe do Félix aparece na nossa direção.

_ Meu Deus, André, você cresceu! Está tão lindo. Deve ser a sensação na faculdade. Me conta, está namorando?

Dona Ana, sempre foi um amor. E claro que faz um tempo que eu não vinha aqui. Desde o último ano do colégio quando o Augusto se mudou para o meu prédio as reuniões do grupo passaram a ser lá ou na minha, principalmente porque meus pais nunca estavam em casa.

Meus pais, aquilo doí.

_ Oi Dona Ana, eu meio que estou. Mas ainda não é nada certo. E no momento está tudo complicado. Eu, é...

Não consigo completar. Eu quero contar. Mas e a vergonha? E se ela agir como meu pai?

_ Mãe, o que o André não está falando é que ele está namorando com um garoto. Mas resumindo, o pai dele o colocou na rua. E eu falei que ele pode ficar aqui. Tem algum problema?

O Félix é direto ao ponto. Dona Ana me olha e abre seus braços.

_ É claro que ele pode ficar aqui. Eu sempre considerei vocês todos meus filhos. Você, o Augusto e a Yasmin. Se seu pai não o ama, o problema é dele. Você pode ficar aqui o tempo que precisar. Mas não acho que sua mãe vai deixar isso assim. Conheço sua mãe desde pequena.

_ Ela não está na cidade, só volta semana que vem.

_ Então pronto, até ela voltar ou se for necessário pra sempre. Você mora aqui. O Antônio vai aceitar totalmente. Eu sei disso.

Ela me puxa para um abraço e eu vou, aí dona Ana.

_ Bom, agora, Félix leva seu amigo lá para o seu quarto que vou arrumar o outro. E ligar para seu pai. Ele precisa ter uma conversa com o amigo dele.

Dona Ana termina de dizer e sai da sala.

_ Eu disse cara, você vai ficar aqui. Anda, vamos lá para o quarto. Você precisa descansar. E eu vou na sua casa, me dá a chave de uma vez. Certeza que seu pai já ligou pro prédio e deve ter falado que não está autorizado a entrar. E até o Augusto chegar e liberar sua entrada com ele. Então vou lá pegar suas roupas. E quer mais alguma coisa?

Félix já vai se arriscar.

_ Tem certeza? Eu não ligo, sei lá pego emprestado as suas. Não quero que arrume confusão por mim.

_ André, eu dou dois de você. Então não vai da né? E relaxa. Eu vou e volto logo. Mas faz uma coisa por mim. Vai para o quarto e descansa. Quando eu voltar te chamo.

Não tento nem discutir. Parece que a vida está de cabeça pra baixo e eu não aguento mais.

_ E não pense em fazer nenhuma bobagem. Você não está sozinho! - diz Félix.

Ele se vira para sair e eu vou para o quarto dele. O quarto dele é todo escuro, com umas imagens de carros e claro, algumas menina de biquíni.

Me jogo na cama e meu corpo para. Está tudo desmoronando, mas, pelo menos eu sinto que não estou sozinho...

Duas Metades (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora