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Dificilmente algo que foi estritamente planejado irá sair como planejamos

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Dificilmente algo que foi estritamente planejado irá sair como planejamos. Tudo bem que contar a verdade à minha sogra não foi uma coisa que eu calculei aos mínimos detalhes, mas causei o que eu não imaginava que poderia acontecer. Ela me odeia desde o momento em que interpretou a verdade como uma brincadeira de mal gosto. Eu queria tanto poder dizer ao Douglas o quanto eu o odeio neste momento! Não que eu me recuse a ajudar Dona Ana a passar por essa fase tão difícil, pelo contrário, eu adoraria poder estar a todo minuto dedicando minha atenção à ela. Minha objeção é com o fato disso ser algo que o Douglas deveria estar fazendo também. Nunca, jamais, eu vou conseguir entender como ele escolheu manter essa decisão absurda mesmo depois de saber que sua mãe não tem muito tempo de vida. Aquele cretino nem me deixou um número de telefone para que eu pudesse ligar e dar alguma notícia, seja da nossa filha, ou de sua mãe. Talvez eu não tenha dado tempo o suficiente para que isso acontecesse. Ou não. Ele sabe meu número de cor e, se quisesse saber de nós, já teria entrado em contato.

Respiro profundamente ao entrar na minha casa no meio da madrugada. Acendo as luzes e encaro cada canto do meu lar solitário, mas que me lembra que essa é uma nova etapa e que pensar nos acontecimentos que quero deixar para trás, não me levará para frente. Tiro os sapatos e os coloco ao lado da porta, onde deixei meu chinelo. É tão bom voltar a pisar em algo macio de novo! A que ponto cheguei? Um nível tão caótico de coisas boas a serem apreciadas que me levam a idolatrar um par de chinelos. Deve ser coisa da gravidez.

Meu estômago resmunga me lembrando que preciso comer, e logo. Abro a geladeira e pego tudo que possa virar um sanduíche. Entre uma mordida e outra, pego meu celular e verifico minhas mensagens. Minha mãe, Paola e Wesley estão preocupados com minha sogra. Digito que ela está estável e que amanhã saberemos melhor qual é a situação. Envio a mesma coisa para os três seguido de um desejo de boa noite, mais para não receber novas mensagens do que outra coisa. Em algum momento vou precisar desabafar com alguém sobre o que aconteceu hoje, mas agora eu só quero comer e descansar, pois meu joelho merece esse descanso. Bia e eu também.

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O que uma boa noite de descanso não resolve? A dor no joelho está dando uma boa folga, mas a autoflagelação, não. Impossível esquecer o olhar de desprezo que Dona Ana me lançou quando Sofia e sua mãe perguntaram o que houve. Ela preferiu esconder o que eu tinha falado. Não sei por qual motivo. Ou ela achou tão absurdo que nem mereça ser passado à frente, ou me poupou do ridículo e de novos olhares frios.

Tomo meu café da manhã admirando o dia nublado dar lugar a alguns raios de sol. Um novo dia. Uma nova chance de fazer algo valer a pena. Pelo menos mais do que ontem.

O silêncio da casa chega a me incomodar um pouco. Eu nunca fiquei em um ambiente tão silencioso antes, exceto o hospital. Quando eu ainda morava na minha antiga casa, o Théo estava sempre agitado e tentando chamar minha atenção, o que conseguia com facilidade. Nos meus dias de folga, ele não me deixava dormir até mais tarde. Latia, pulava na minha cama e lambia meu rosto até eu levantar e fazer o que ele queria: levá-lo para passear. O que era engraçado, é que era ele quem me levava. Era mais pesado que eu e praticamente do mesmo tamanho quando estava em pé, então, ele me conduzia para onde queria ir. Já até quase fui atropelada num desses passeios. Andávamos pela orla de Ipanema quando ele viu uma fêmea de bullterrier e saiu em disparada na direção dela. Quase fiquei surda com as buzinas dos carros e ônibus que passavam na hora. Saudades desse tempo.

O que restou de um coração Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora