Cap. 32 - Cão Selvagem

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Tendo Princesa Ziyi impossibilitada de sair de casa por alguns dias, Shēnxiù Qī tomou isso como uma pequena dádiva dos Deuses por todos os desgostos que vinha tendo desde que chegou à Cidade Proibida.

A hospedaria, onde estavam as delegações dos Quatro Reinos, possuía proteção extra pela Guarda Imperial, então a Capitã poderia escapar por algumas horas e ficar longe de sua obrigação constante de zelar e proteger a jovem alteza.

Sem os fardamentos costumeiros que a Capitã usava, ela se passaria incógnita pelas multidões nas ruas. Passaria despercebida até por conhecidos, ou assim ela esperava.

Usava um chemise longo cor salmão, com grandes aberturas laterais até o quadril, caindo aos tornozelos sobre a ampla saia branca. Sem ornamentos ou estampas, a roupa quase a ajudaria a se tornar invisível, como tanto gostaria. Os bastos cabelos negros e ondulados estavam apenas atados por uma fita, em um displicente coque alto.

Precisava espairecer, meditar, se acalmar. A maior parte de sua preocupação nem era fato real e consumado, e ela precisava desacelerar a mente.

“A mente irrequieta é um macaco saltitante...” – Dizia sorrindo Monge Rampa, o sacerdote responsável pelo Templo de Seiryû.

“Não me lembro da última vez que tive esse macaco irritante dentro da minha cabeça...” - Shēnxiù Qī  respondeu quase com o mesmo humor do velho monge.

“Considerando o seu histórico... provavelmente é a primeira vez.” – Rampa sorriu ainda mais, deixando à mostra quase todos os dentes graúdos.

Shēnxiù Qī o olhou atravessado. “Isso foi um elogio?”

“Isso é você quem decide, Mestra Shēn.”

Enquanto o monge ia acendendo velas e crisóis espalhados pelo templo, a Capitã o acompanhava em passos lentos, divagando e admirando ao mesmo tempo as esculturas de Seiryû em suas nove qualidades.

Ambos chegaram ao fundo da nave, diante da gigantesca imagem do Deus-Dragão, cercada por imagens menores.

A luz solar do amanhecer irrompia dos vitrais às costas da estátua, refletindo em feixes coloridos e formando um halo de esplendor.

A fumaça dos incensos queimando nos crisóis elevava-se, formando uma bruma onírica com cheiro de mirra e olíbano.

Por alguns instantes, Shēnxiù Qī se perdeu em contemplação àquela fumaça que se desnovelava em espirais ascendentes.

Até isso a remetia a certo alguém que não gostaria de ter reencontrado e menos ainda ter de volta o vínculo... alguém que lhe virou as costas.

“Esse... macaco irritante tem nome?” –

Mestre Rampa é um yokai atarracado, ainda mais pela postura sempre curvada, duas cabeças mais baixo que Shēnxiù, e a pessoa mais sorridente que ela conheceu em toda vida.

Sempre sorrindo, sempre gentil, sempre solícito, o Curandeiro da extinta tribo Hagakure era uma companhia balsâmica.

Continuando a observar as espirais de fumaça subirem e se enovelarem pela imagem imponente de Seiryû, Shén Lóng, Shēnxiù Qī sorriu fracamente, sussurrando sua resposta.

“Tem nome... e mais de um. Tem endereço. Tem até laços...”

“Isso é grave... deve ser o próprio Rei Macaco, então!”

“Oh, não, por favor!” - Shēnxiù riu brevemente. “Seria um transtorno que nem os Deuses poderiam deter!”

“Então... ignore.”

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