Cap. 66 - Primeiro Confronto

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Michelle Choo-Kheng se distraiu em observar e avaliar os convidados que circulavam pelo salão imperial, surpreendendo-se em encontrar até Humanos por ali... se soubessem o que acontecia aos de sua espécie neste mesmo lugar onde ora caminhavam alegres e despreocupados, fugiriam para muito longe e nunca mais iriam querer contato algum com Xian.

Meneou a cabeça para dispersar as memórias horríveis que emergiram da sua mente. Como Shēnxiù Qī dissera, há coisas impossíveis de superar e esquecer. E durante os mais de quinhentos anos que serviu como Curandeira ao Shogun de Ferro, Choo-Kheng presenciou coisas terríveis e horrendas, que sequer a morte de seus filhos foi a pior coisa que testemunhou.

A morte de seus três filhos foi o pior de sua vida, algo insuperável, mas, nem de longe, foi a pior das mortes que presenciou. E, mesmo sabendo ser egoísta, agradecia aos deuses por eles terem sofrido muito menos que a maioria, em especial os Humanos, que muitas vezes eram destroçados e devorados ainda vivos.

As mulheres humanas eram violadas de todas as formas. Seus bebês eram arrancados do ventre para servirem de iguarias. Havia uma escala etária para o abate de Humanos. Quanto mais jovens, mais cobiçados e mais caros. Quando entraram em vias de extinção, uma iguaria preparada com fetos humanos atingia valores astronômicos, pagos em barras de ouro.

Por isso o ódio e fascínio do Shogun contra Shēnxiù Qī, que na época sequer tinha esse ou qualquer nome, alcunha ou número. Quando ele jogou para ela um bebê humano gordo e saudável, para que ela própria o abatesse e o devorasse, após passar duas semanas em completa inanição, encarcerada numa masmorra insalubre, lutando para não sucumbir à fome e aos ferimentos de sua última punição.

Shēnxiù Qī era uma criança teimosa demais, resistente demais e rebelde demais para o seu próprio bem. Quando o Shogun pensou que finalmente conseguiria quebrar a resistência e força de vontade dela, ela se mostra ainda mais forte, mantendo o bebê vivo por mais uma semana, alimentando o pequenino com o seu próprio sangue, tudo o que ela poderia oferecer a ele, mesmo que ela própria estivesse morrendo naquele cárcere.

Choo-Kheng respirou fundo, interrompendo o fluxo das memórias. Eram terríveis demais até para ela, que presenciou tantas e tantas atrocidades.

Voltou-se ao tempo presente ao pressentir uma vibração curiosa em sua direção e, quando se virou por sobre o ombro, encontrou os dois gaijin se aproximando dela.

"Boa noite, Dona Choo! Então, nos encontramos! E aí, o que a senhora acha?" - Cassian segurou a barra do quimono, dando uma voltinha no próprio eixo, como fez mais cedo no apartamento, arrancando uma risada de Choo-Kheng.

"Vocês dois ficaram ótimos, mas eu já sabia disso. Eu nunca erro esse tipo de orientação, embora a minha Princesa seja muito difícil de convencer sobre isso."

"E ela não está por aqui? Não a vimos ainda. Acredito que ela é o tipo de pessoa que brilharia numa ocasião como essa."

"Você está certo. Mas o irmão, nosso Vice-Rei, achou que ela ficaria melhor na área vip da realeza de Xian."

Os illyrianos alongaram a vista para o fundo do salão, só então reparando no arranjo de tronos que lembrava muito aos altares que viram nos templos.

Mesmo de longe, avistaram e perceberam a contrariedade de Princesa Ziyi, sentada imóvel sobre as pernas, lembrando muito a uma oferenda.

E Azriel acabou por avistar Shēnxiù Qī, ao canto mais afastado do tablado, conversando com o outro Oficial licantropo que ele reconheceu do jantar com Capitão Chan e do ginásio na semana passada.

"E a sua Capitã não parece estar muito animada também..." - Azriel murmurou sem desviar o olhar da feérica.

Choo-Kheng voltou-se por sobre o ombro, acompanhando a linha do olhar de Azriel, encontrando Shēnxiù Qī séria e entretida em conversas com Fenrir.

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