Cap. 71 - Névoas e Vagalumes

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Era a noite mais quente do ano e o Verão estava no seu auge. O céu estrelado esmaecia pela neblina vinda do mar, causada pela massa de ar quente em contato com o frio da água. Na areia ainda aquecida pelo dia ensolarado, uma fogueira crepitava, afastando a nuvem de insetos que fervilhavam naquela época. Parecia uma péssima ideia passar a noite ao relento de forma tão desconfortável.

Mas a mãe tinha um estranho gosto para o desconforto. Parece até que sentia-se culpada por ser a Companheira legítima de um Grão-Senhor e ter uma vida de rainha, quando as demais mulheres da sua raça eram submetidas aos trabalhos domésticos exaustivos e à submissão a todos os machos, inclusive aos próprios filhos homens.

Rigel ajoelhou-se perante a mãe e seus joelhos afundaram na areia morna. Ela própria não conseguia pensar em um programa mais desgastante e sem graça. Olhou de soslaio para Azriel, sentado ao outro lado da fogueira, e notou o esforço dele para não rir da sua cara de descontentamento.

"Mãe, já estamos há uma hora aqui, não tá bom? Já podemos ir pra casa?"

A mulher riu, dedilhando as cordas do instrumento em seu colo. Depois desse dia, se Rigel ouvisse outro 'tchec-tchec" de violão em sua vida, seria capaz de quebrar a porcaria na cabeça de quem tocava tal instrumento odioso!

"Eu tenho a filha mais linda e mais chata do mundo!" - Rigel revirou os olhos e a mãe sorriu ainda mais. "O que quer fazer enclausurada naquela torre, Rapunzel? Tem que aproveitar quando o seu pai lhe dá permissão de sair da sua gaiola dourada! Daqui há poucos anos será uma moça e não saberá nada do mundo."

"E com certeza estou aprendendo muita coisa aqui..." - Rigel resmungou, cruzando os braços e fazendo uma careta para o outro lado.

"Se o seu pai não me proibisse de morarmos um tempo na Illyria, então você aprenderia de verdade sobre o mundo, meu bem! Não quero que cresça sendo uma mulherzinha mimada, uma fraca que se contraria com qualquer bobagenzinha, como agora está fazendo."

"Foi por isso que a senhora afastou o meu irmão do meu pai?"

"Eu nunca fiz isso! Rhys precisava ser treinado como um guerreiro illyriano, para não ficar dependente da magia e das regalias do palácio! É o que pretendo fazer com você, mas nunca pensei que o seu pai fosse se tornar tão possessivo com a filha dele!"

Rigel estreitou os olhos e estes brilharam com as chamas da fogueira. "Papai disse que você pode ter afastado Rhys dele, transformado eles em dois estranhos, mas nunca permitirá que faça isso comigo! A senhora não vai me afastar do meu pai nunca!"

A garota levantou-se e saiu correndo, levantando areia no caminho. Azriel, num impulso protetor, levantou-se logo em seguida, para alcançá-la, mas sua Senhora o interrompeu.

"Não, Az! Não vá! Deixe-a ir sozinha!"

"Mas, Senhora... ela pode se perder! Está muito escuro aqui!"

"Se ela se perder, a encontraremos pela manhã, quando o sol nascer." - A mulher colocou o violão de lado, sobre a areia, esticando os braços e estalando os dedos em seguida. "Rigel já tem dez anos e se eu não corrigi-la agora, ela será uma mimada insuportável no futuro, incapaz de aguentar a menor das pressões! Ela precisa passar por algumas dificuldades de vez em quando. Ela precisa se tornar forte e independente."

Azriel sustentou o olhar contrariado para a mulher, dividido entre a obediência e o instinto de proteção. Voltou ao seu lugar, mas, de forma imperceptível, enviou suas sombras para vigiar Rigel, para ter o mínimo de tranquilidade e controle sobre a situação.

)O(

Rigel correu até não conseguir mais avistar o clarão da fogueira, indo para o outro lado da praia, guiando-se pela fraca luminosidade do céu coberto por fina camada de nuvens. A Lua em seu quarto-minguante iluminava um pouco mais os caminhos quando conseguia irromper por entre a névoa densa.

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