Cap. 88 - Cáustica

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O silêncio absoluto foi quebrado pelo vento leste que prenunciava a mudança climática. Folhas e algumas pétalas das cerejeiras subiram em torvelinhos, passando pelas figuras imóveis, feito estátuas.

Saito Hajime estava perplexo, sequer respirava regularmente. Olhava a feérica diante de si, ajoelhada, com as mãos justapostas no punho da estranha katana. Aquilo representava um marco, um corte feito com o passado.

Shēnxiù Qī se reergueu altiva. Algo havia se rompido também dentro dela. A culpa que aquelas memórias traziam desaparecera. Houve um segundo perdão.

Com a mão ainda sobre as costelas fraturadas, Saito fechou a boca, engolindo em seco. Jamais soube que o seu filho fora o sacrifício para uma nova era. O rapaz havia prometido que daria sua vida para libertar Xian do Império de Ferro, e assim o fez.

Akira Kiyosato libertou Xian ao libertar o Cão que mataria Onigen!

O assassino de Onigen não havia morrido, então!

Não morrera no combate!

“Então... foi você...” – Saito sussurrou, ainda perplexo.

Shēnxiù Qī baixou a vista, fazendo leve mesura, encaixando a espada de Himura em seu cinturão de tecido. Consentiu em seu silêncio. Julgou que o ex-comandante da Shinsengumi merecia saber essa parte da história. Ela devia isso a ele e sabia que ele buscava a própria redenção através daquele confronto.

Agora restava aguardar que o remorso se dispersasse para sempre.

Após o cumprimento marcial, Shēnxiù Qī deu as costas a Hajime, mas não caminhou três passos antes de ser interrompida pela voz de humor melancólico do Comandante.

“Ao menos, Akira foi difícil de matar. Alegro-me de ter criado um bravo.”

Por sobre o ombro, Shēnxiù Qī respondeu no mesmo tom melancólico. “Nunca houve uma vítima difícil de matar, Sr. Hajime. Mas, sim, Akira Kiyosato foi um bravo. Ele foi uma vítima difícil de morrer, pois seu espírito era muito forte.”

Hajime apenas meneou a cabeça, em seriedade. Shēnxiù Qī voltou ao seu caminho, até onde estava Fenrir com as crianças. Ziyi e Heike estavam petrificados, olhando arregalado para a Capitã do Leste.

“Vamos para casa.” - Shēnxiù Qī apenas estendeu a mão para Ziyi, que relutou em entregar a própria, mas ainda assim o fez, perplexa.

Com Ziyi sob seu braço protetor, Shēnxiù Qī se voltou para Madame Choo-Kheng, que mantinha uma expressão desamparada. A sensação de farpas de gelo lhe atravessando o coração era forte.

[“Quando retornar para casa, conversaremos. Mas não ouse me acompanhar neste momento.”] - Shēnxiù Qī proferiu na língua de Hagakure. Embora os olhos vidrados, havia perceptível decepção em seu tom de voz.

Do rosto apreensivo de Choo-Kheng à máscara indecifrável de Azriel, Shēnxiù Qī fixou o último olhar por ínfimo segundo. O Encantador de Sombras suprimiu o último fôlego, sustentando o olhar que, por mínimo que fosse, lhe fora muito eloquente.

Shēnxiù Qī partiu com Ziyi, deixando todos para trás. Como se um capítulo de sua história pessoal houvesse se finalizado ali.

“Bem, que bom resolvermos um problema antigo. Agora preciso de um curandeiro para que esses ossos não calcifiquem em ângulos estranhos.” – Saito Hajime, com a mão sobre as costelas, aproximou-se de Choo-Kheng, dobrando-se levemente em mesura – mais do que isso lhe enviava raios fulminantes de dor pelo tórax.

“Senhora Choo-Kheng, peço perdão pela indelicadeza. Prometo que não a incomodarei nunca mais.”

Choo-Kheng, embora estivesse meio aérea pela situação com Shēnxiù Qī, apenas concordou com um meneio, não compreendendo de todo as palavras do Comandante da Guarda Urbana, e nem se incomodando por compreender. Hajime fez um sinal para os seus guardas, que o acompanharam sem questionamentos.

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