Quem está por cima

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Sentada em uma mesa comum, perto de lojas comuns e comendo um sanduíche comum, eu me sinto uma cidadã normal pela primeira vez em vários dias. Não preciso vestir roupas que valem milhares de dólares porque, caso seja pega desapercebida, preciso estar com a aparência da pessoa que sou, Sra. Christian Grey. Visto apenas uma roupa confortável e calçados comuns, daqueles que qualquer lojinha exibe na vitrine, não um modelo exclusivo no valor de um imóvel. 

Pego uma batata e saborei com vontade. Não sei quanto tempo faz desde a última vez que fui tão banal. Até com Kate continuei sendo a mulher do bilionário, comprando quantidades absurdas de roupas em quantidades absurdas de lojas. Por uma boa razão, claro, mas ainda assim não estava confortável suficiente. Agora eu estou. 

Olho de relance para as garotas a minha frente. Elas estão interagindo como um casal moderno normal; trocando olhares e sorrisos amorosos enquanto comem. O clima é extremamente agradável, apesar de atípico. Não é normal que o shopping esteja tão vazio em um dia como hoje, a praça de alimentação parece o Saara de tão pouco movimentada. 

-“isso deve fugir completamente da sua rotina” Alex pontua. Levo alguns segundos para entender que ela está falando comigo. Ela chega a ser bizarra com suas atitudes; deixa vários olhares significativos sobre mim, porém não fala o suficiente para estabelecer uma comunicação decente. Por isso, sempre preciso de uma confirmação quando ela dirige mais que uma palavra na minha direção.

-“sim, foge. Mas é uma delícia ser tão americana assim” murmuro. Nada melhor para reforçar os laços com as tradições americanas do que duas nova-iorquinas loucas por hambúrguer.

-“A América é uma merda, exceto pelos sanduiches” ela brinca, me fazendo gargalhar de verdade. Quem em sã consciência iria morar na capital sendo que odeia o continente como um todo?

-“nisso você está certa” concordo logo de cara, sem pensar duas vezes. Bem, fora o meu marido extremamente gostoso e cobiçado, a América não tem tantos atributos quanto parece.

O restante do almoço corre em clima ameno. Conversamos sobre várias coisas, tanto sobre a vida agitada na capital quanto sobre a vida imponente aqui. Eu estava certa em pensar que faria da irmã e cunhada de Christian minhas amigas, pois fiz. Apesar de ser tão quebrada quanto o irmão, ela tem muita luz dentro de si.

Não sei ao certo quem é Emily, se uma garota doce e meiga ou uma farsa cobrindo muita dor. Não sei se o passado a fez se esconder atrás de tanta gentileza ou se escolheu esta persona para parecer menos frágil. No caso do irmão, ele se cobriu com vários dólares e sexo, parecendo inatingível para o restante do mundo. Emily teve suas dificuldades, que em certo momento a levaram ao sexo também; não para canalizar a dor, mas para sobreviver. Só de pensar nessa garota linda, vestida com roupas microscópicas e desfilando nas esquinas como se fosse um produto, me sinto enjoada. 

Ela não teve refúgio como Christian, não pôde recorrer aos braços calorosos do amor até encontrar Alex. Eles enfrentaram seus demônios de formas diferentes; nem mais fácil, nem menos dolorosa. E só o pensamento de que são mais unidos pela dor em comum do que pelo amor me quebra. Não se conhecem o suficiente para dizer que se amam, sei que não estão familiarizados com o amor dessa forma, mas certamente estão muito ligados pelos traumas vividos.

Enquanto penso nessas questões, Alex e Emily estão dentro de um salão no segundo andar do shopping, conferindo se há disponibilidade para marcar um horário. Eu poderia ir até lá, sacar meu amex com sobrenome Grey e teria um horário nos próximos quinze segundos. É o que Christian faria. Mas me mantenho como uma pessoa normal do lado de fora do salão de beleza, olhando ao redor para me certificar de que não há um desocupado me fotografando. Acho que é impossível não ficar paranoica com isso depois que fui ao clube com Kate e acabei virando capa de revista.

50 Tons de PuniçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora