Capítulo 1

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Este dia começou como tantos outros... Dormi tarde e acordei antes do nascer do sol. Me exercitei e mais uma surra me derrubava.

— Levante-se! Você é uma vergonha. Não sei por que tem que ser tão teimosa. – Ela reclamou mal-humorada, me tirando do momentâneo devaneio.

Cuspi sangue e me levantei encarando-a, nem tinha mais raiva, esse sentimento deixara de fazer sentido anos atrás. Estava cansada disso tudo.

— Não vai dizer nada, Valquíria? Não tem sequer a intenção de se explicar? – Minha mãe indagava, me rodeando com seu bastão de luta.

— O que quer ouvir? Ok! Você é maior e mais forte. Grande observação! – Revirei os olhos – Tenho dez anos, lembra-se? – Perguntei retoricamente – Mas posso compensar isso, basta você não encerrar a luta fugindo. – Provoquei.

Tomei uma paulada no momento que tencionava dar a volta nela.

— É, não funcionou como eu esperava. – Resmunguei massageando o local.

— Basta! – Ela baixou a arma me olhando com desgosto – Estou cansada de tentar enfiar algo na sua cabeça. Pensei que poderia aprender, mas claramente você não quer. Quis muito atrasar esse momento, mas você não me deixa alternativa, Valquíria. – Ela exalou, olhou para o mar e continuou para si mesma, mas alto o suficiente para que eu pudesse ouvir – Odeio sentir isso, mas você não está ajudando.

— Sentir o quê? – Perguntei, mesmo sem querer ouvir a resposta.

— Arrume suas coisas, Valquíria. Partimos em meia hora. – Ela encerrou o assunto, virando-se para a cabana onde estávamos morando no último mês e seguindo para lá.

— Sério? Mudar de novo? Mais um lugar, mais uma praia... Isso já deixou de ser divertido há muito tempo. – Bufei, murmurando para mim mesma, enquanto seguia para a cabana, bem depois dela.

Eu não era teimosa. Realmente me esforçava, mas não tinha como derrubar uma mulher enorme e bem treinada como a minha mãe, principalmente sendo o graveto em pé que eu era, via sempre outras crianças da minha idade, sempre maiores do que eu, minhas desvantagens só aumentavam. Ela queria que eu fosse boa em um embate direto, porém minha vantagem não era a força, era minha velocidade e perspicácia... Na maioria das vezes.

Ela odiava quando conseguia me esquivar de seus ataques. Dizia que era covardia, mesmo que por vezes eu fosse capaz de acertá-la com meus movimentos de esquiva e surpresa.

Nos outros ensinamentos, pelo menos, era muito boa. Ela sempre ficava brava, dizendo que deveria me empenhar tanto em combate quanto me empenhava em leitura, escrita, métodos de sobrevivência e primeiros socorros. Principalmente em primeiros socorros, podia reconhecer uma erva útil à distância. Podia tratar de qualquer tipo de ferimento com o que tivesse em mãos e a meu redor.

Mas tudo em mim parecia aborrecer minha mãe. Ela detestava que fizesse piadas do meu próprio desempenho, horroroso segundo ela, que não ficasse brava pelas surras que tomava durante os treinos, que sempre tivesse um sorriso e simpatia para pessoas que apareciam por perto... Enfim, na opinião dela eu era um desastre total e completo.

Preparei minha mochila em dez minutos, ouvindo-a sair de novo. Não tinha muitos pertences e a maioria nunca sequer saía da bolsa, não dava tempo, estávamos sempre nos mudando. Quando saí da cabana para informar minha mãe de que estava pronta, não a encontrei em parte alguma.

— Que ótimo! De novo. – Joguei a bolsa no chão e me sentei na areia para esperar.

Peguei um graveto e comecei a desenhar na areia, enquanto a esperava e pensava. Desconfiava que minha mãe fosse algum tipo de fugitiva da lei, mas não tinha certeza.

Valquíria MaresOnde histórias criam vida. Descubra agora