Capítulo 17

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Meu pai suspirou, se acomodou melhor e começou sua narrativa.

— Há setecentos anos, um jovem tritão, Marin, na ânsia de conhecer melhor os humanos, sua cultura fascinante e suas paisagens secas, veio para a terra explorar. Não se afastou muito do mar, pois não podemos ficar por mais do que alguns dias longe da água, mas nesse período conheceu uma moça humana por quem se apaixonou. Fora avisado quanto aos riscos, pois não era o primeiro, mas não deu ouvidos à razão e se deixou levar pela paixão.

"Algum tempo depois ela engravidou e em dez meses, muito antes do que ele esperava devido à biologia da nossa espécie, uma linda bebê híbrida nascia. Porém, como os anciãos o alertaram, sua jovem e bela humana não resistiu ao nascimento e faleceu pouco depois de dar luz. Marin, só não enlouqueceu por causa da bebê, o precioso presente de sua amada, logo, ele não a abandonaria".

"Mas a criança não era capaz de sobreviver no mar. Sua mãe fora humana e grande parte da vulnerabilidade da espécie a criança herdara. Ele então se estabeleceu com ela em uma cabana na praia onde conheceu sua humana. E foram felizes, pai e filha por quinze anos. Até outros oceânides, tritões e sereias, verem a felicidade de Marin com sua filhinha e a tratativa amigável das poucas pessoas que viviam nos arredores, criarem coragem e começarem a conviver um pouco mais com os humanos".

"As notícias correm pela terra, como pelas correntes do mar e logo o paraíso em que Marin vivia, agora rodeado de amigos terrestres e marinhos, foi corrompido. Muitos humanos começaram a surgir e nem todos amigáveis ou decentes, todos atraídos pelas histórias de belas mulheres, pouco vestidas, que saiam do mar e alegravam os homens daquela praia. Só que a alegria que elas traziam vinha de seu canto e brincadeiras com as crianças e não de seu corpo, pois sempre conhecemos a cultura humana nesse quesito".

"Quando as intenções equivocadas causaram sua primeira tragédia, uma verdadeira guerra irrompeu, entre homens e oceânides. Os predadores, seus amigos, ouviram as histórias, viram os relatos escritos pelos humanos e sem nos dar o benefício da dúvida nos condenaram..."

— Qual foi a primeira tragédia? E aconteceu algo antes dela? – O interrompi, curiosa.

— Como deve imaginar, pelo meio em que vive, meu bem, algumas sereias foram estupradas. Mas nossa espécie não vê esse ato da mesma forma que os terrestres, então elas não se manifestaram... Até a tragédia, que foi o estupro e assassinato de Antera, a filhinha de quinze anos de Marin, que os humanos pensaram ser uma sereia, devido a sua exótica beleza.

"Ele enlouqueceu e deu início a uma guerra cujas consequências ecoam até hoje entre terrestres e marinhos. Buscou e descobriu onde os humanos que macularam e mataram sua filhinha viviam. Para o azar dos responsáveis e sorte de sua loucura, a maioria vivia perto do mar, alguns quase no outro extremo do continente, mas nada que pudesse ser de qualquer forma difícil para um de nós. Assim ele foi a cada cidade, observou, julgou, condenou, planejou e deu início a sua vingança. Ele não mataria simplesmente os culpados, havia punições piores".

Meu pai suspirou, me fazendo perceber a tristeza que essa história trazia para ele. Mas não deixou de continuar.

— Ele conseguiu seguidores oceânides que não se conformavam com o destino trágico de Antera, ou com os abusos das sereias. Então criaram as lendas que assustam as crianças até hoje. Com seu belo canto e seus muitos atributos físicos, as sereias seduziram e afogaram muitos rapazes daquelas cidades, qualquer um que tivesse relações de sangue ou amizade mais próxima com os culpados. Enquanto os tritões seduziram as moças, sem qualquer preocupação com pudor ou discrição... Marin, fez sexo com todas as esposas e filhas dos homens que mataram Antera, diante deles. Uma a uma ele usou e descartou com desprezo, sempre se assegurando de que seria visto por eles.

Valquíria MaresOnde histórias criam vida. Descubra agora