Capítulo 39

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[Victor Augusto]

Pela primeira vez em muitos anos, provei da dor da perda. E o que mais me assustou, era que uma simples mulher na qual eu conhecia tão pouco tempo havia provocado isso. Marcia em poucos dias se tornou especial e única. Era uma mulher que ainda conseguia ser incrível mesmo com uma doença tão ruim tomando controle de sua mente e personalidade. Meu coração se partiu mais ainda quando vi Bárbara encolhida, seus olhos fundos e molhados. Seu rosto tomado pela cor vermelha de tanto chorar tentando esmagar a dor que estava sentindo. Eu só queria ficar ali, com ela. Até que ela voltasse a se sentir bem, mas eu sabia que ela não aguentaria cuidar dos detalhes de seu funeral, por isso me prontifiquei.
Dirigi até a casa de repouso, pedindo mentalmente que tudo isso não levasse tanto tempo. Eu precisava estar com Bárbara. Eu precisava estar com a minha esposa.
Quando cheguei, Tami me recebeu. Marcia era tão querida naquele lugar, que deixou boa parte dos funcionários sem chão quando partiu. Tami estava com seus olhos vermelhos, sua expressão era triste. Ao invés de só seguir, eu a abracei. Algo que eu raramente fazia quando via a dor de alguém, mas dessa vez eu só senti que era a coisa certa.
Tami me disse que o corpo de Marcia já estava sendo retirado pela equipe da casa, os médicos já haviam feito tudo para a certidão de óbito. Tratei de ligar para o serviço que cuidava desses detalhes, o mesmo que minha família contratava. Tudo já estava acertado, eu só precisava assinar os documentos da casa de repouso. Como esposo de sua cuidadora, eu era apto para fazer isso.
Esperando Tami me entregar os papeis, liguei para Carol. Eu pedi antes de sair para que ela ficasse com Bárbara enquanto eu estivesse fora. Me certifiquei se ela ainda estava deitada, meu coração afundou quando Carol disse que ela havia adormecido depois de tanto chorar. Suspirei deixando todo o ar pesado deixar meus pulmões.
Voltei meu olhar para os documentos na minha frente, Tami me deu sua caneta.

Correndo meu olhar pelo papel, apenas para saber o que eu estava assinando, um nome fez meu coração parar. Isso era fodidamente impossível.
Tami: algo errado, sr. Augusto? — perguntou, notando que meus olhos estavam estáticos encarando a folha.
Victor: o nome, o nome dela é... — eu não acreditava no que meus olhos viam.
Tami: sim, sr. Augusto. O nome completo dela era Marcia Helena Mancini — ela repetiu, como um eco na minha mente.
Marcia Helena, como Lena. Minha Lena.
Todos esses dias eu tinha minha antiga babá por debaixo dos meus olhos e não me dei conta disso.

Atordoado, assinei tudo e voltei para o carro. Sem coragem alguma para dirigir, apenas fechei a porta e descansei meus braços no volante deitando minha cabeça sobre eles. Era muita coincidência isso. A mulher que eu estava completamente apaixonado estava em casa chorando a perda de sua única família, e estupidamente, essa pessoa foi a única que também considerei a minha.
Enquanto meus pais me negavam qualquer atenção, ela não media esforços para me fazer sentir a criança mais amada nesse mundo quando atendia meus desejos mais idiotas, mas sempre com um sorriso genuíno nos lábios, como dormir dentro de uma cabaninha montada com lençóis, ou caminhar pelo jardim da casa vendo o sol se pôr enquanto jogávamos pedras para deslizar mais de três vezes sobre a água do lago. Ela me contava histórias de sua vida para que eu conseguisse pegar no sono, ficava ali do meu lado até ter certeza que eu estivesse dormindo. Acariciava meus cabelos, um carinho bom. Isso entre tantas outras coisas tiveram um fim quando meus pais a demitiram, alegando que ela me mimava demais. E foi aí que me tornei frio e orgulhoso, um homem perdido e vazio. Até conhecer Bárbara.
Era irreal pensar em tudo isso.
Depois de colocar minha mente no lugar, dirigi até minha casa. Louco para ver minha mulher. Deitar com ela e ser o que Lena era pra mim, a mesma coisa para ela.
Deixei minhas chaves sob a mesa encontrando carol descendo as escadas do quarto de Bárbara.
Victor: como ela está? — perguntei encarando os olhos tristes de Carol.
Ela se aproximou de mim.
Carol: ela dorme e acorda a cada hora chorando ainda mais, porque lembra da realidade. Eu tentei faze-la tomar um banho para relaxar o corpo, mas ela não quer se levanta da cama. Ela está destruída, Victor.

Meus ombros caíram escutando tudo aquilo. Subi para o quarto que ela estava, me deitando perto de seu rosto. Seus olhos fechados, mas lagrimas ainda desciam deles.
Victor: fale comigo, Babi — pedi, acariciando sua pele molhada — isso vai passar, essa dor toda vai diminuir. Eu prometo isso.
Seu peito subiu e desceu liberando uma respiração pesada.
Fiquei ali perto dela, encarando seus rosto sem expressão alguma. Por longos minutos, eu só consegui pensar em como eu lidaria com isso. Talvez ligar para Cortez e dizer que precisava de ferias, mesmo que meu tempo na empresa fosse tão pouco para ter esse benefício. Eu preciso estar com ela, então se caso não for possível, eu não ligo se Cortez me demitir.
Depois de um tempo, Bárbara se acalmou um pouco. Sua respiração havia se normalizado e os soluços cessados.
Victor: meu bem, vou preparar a banheira pra você, tome um banho e depois deite de novo, pode ser? — encarei seus olhos tristes. Ela assentiu, e então segui para o banheiro. Liguei a água quente deixando-a cair, até encher fazendo espuma com o sabonete que coloquei. Peguei as toalhas deixando ao lado da banheira junto com o roupão dela.
Depois que estava pronto, voltei para a cama.
Victor: a água já está quente — falei, estendendo minha mão para leva-la. Ela segurou, se levantando devagar da cama. Andando até o banheiro, notei quando Bárbara parou se olhando no espelho. Ela não se mexia, somente encarava seu reflexo triste na sua frente. Atras dela, desamarrei a alça de seu vestido, ajudando ela a se despir.

Victor: vai, meu bem, isso vai te ajudar a melhorar — sussurrei em seu ouvido, acariciando sua pele fina do ombro.
Ela se virou, deixando seus olhos vermelhos sob os meus. Toda vez que eu a olhava assim, meu maior desejo era tirar essa dor dela. Sem duvidas a pior sensação que ja senti em toda minha vida, ver a pessoa que amo sofrer. E não poder fazer nada. Ela não merecia, assim como Lena não merecia aquela maldita doença.
Babi: fique comigo.
Foi só o que ela disse, depois de horas desde que isso aconteceu era a primeira vez que eu escutava sua voz. Sem pensar muito, atendi seu pedido. Me despi rapidamente, ajudei ela a entrar na banheira e logo em seguida me juntei a ela.
Barbara estava sentada em meio as minhas pernas, meus braços envolvidos em seu corpo em um laço. Seu corpo tremia, conforme ela chorava. E enquanto ela derramava suas lágrimas, silenciosamente derramei as minhas. Eu nem mesmo me lembro da última vez que chorei, provavelmente quando ainda era criança. Chorei por uma mulher que foi tudo pra mim no passado, e que de algum jeito voltou para a minha vida no presente.
Ela e Babi haviam me mostrado que não havia problema em sentir, confiar e... amar. E hoje, eu sabia que amava essa mulher com tudo que eu tinha.

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