Capítulo 16: muito melhor que eu.

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[Victor Augusto]

Acordei confuso e com uma porra de dor infernal na cabeça. Olhando em volta, percebi que eu estava no sofá. Fiquei surpreso quando meus olhos encontraram sob a mesa um copo de água junto com um comprimido para dor. Levantei-me, percebendo que eu estava coberto. Comecei a me lembrar um pouco mais sobre o resto da última noite.
Depois que Bárbara subiu, peguei mais álcool porque as palavras dela não saíam da minha cabeça. Em algum momento devo ter apagado no sofá e ela, obviamente, veio e me cobriu deixando o remédio e água do lado sabendo que eu acordaria com dores.
Apesar de eu ser um imbecil com ela, ela ainda ainda cuidava de mim. Com os cotovelos apoiados em meus joelhos, coloquei minhas mãos na testa massageando para que a dor passasse logo enquanto lembrava de cada palavra que saiu da boca de Barbara ontem. O fato dela estar me ajudando somente para dar algo melhor pra sua unica família viva, por ter me aguentando por todos esses meses inclusive agora, sendo um completo idiota e ignorante, tudo isso para não perder o emprego. Sempre a ridicularizei, sem saber o que ela passava. Fechei os olhos e a julguei, sem nem me incomodar em perguntar o que passava em sua vida. Sem realmente vê-la como a boa pessoa que é. A pessoa que todos enxergavam, menos eu. Minha arrogância me cegou por todo esse tempo.
Quando subi para tomar um banho, desembaçando o espelho encarei meu reflexo. Pela primeira vez senti o calor da vergonha me queimar, abaixei o olhar.
Eu tinha duas opções. Ignorar o que aconteceu ontem e torcer para Bárbara continuar nessa farsa comigo, ou agir como um adulto e procura-la, pedir desculpas. O fato aqui era saber se ela perdoaria meu comportamento ridículo da noite anterior e, principalmente, o de todos os meses atrás.
Sem notícias dela, ela não atendia minhas ligações. Abri meu notebook para pegar o endereço da casa de repouso em que Marcia ficava.
Passei antes em alguns lugares e segui para lá.

Minutos mais tarde eu estava na porta do quarto de Marcia.
Bati uma vez, sendo recebido por uma mulher baixinha, tinha um pouco mais de seus 70 anos. Seus cabelos eram tão brancos que reluziam, tinha uma cara de séria.
Victor: oi, Marcia. Sou um amigo de Bárbara — falei nervoso. Procurei Bárbara pelo quarto mas ela não estava.
Marcia: ah, é? — disse pegando as flores que eu havia trago para ela. As mesmas do quadro em que Bárbara trazia em mãos no dia que conhecemos os Cortez.
Ela abriu espaço para que eu entrasse, o quarto era bem equipado e bonito. Distraído observando tudo ali, não percebi quando me sentei em um banco onde havia uma paleta com tintas frescas.
Ela começou a rir, seu riso ecoou pelo cômodo.
Marcia: Babi deve gostar de você por sua aparência, porque não pode ser pela inteligência — debochou em meio aos risos.
Não pude evitar sorrir para sua língua afiada. Ela me lembrava alguém, a mulher que cuidou de mim quando eu era um moleque. Era sincera, direta e não tinha problema algum para expressar sua opinião. Era a única que se importaram comigo.
Ainda sorrindo, tirei da sacola que trouxe uma caixa de bombons.
Victor: espero que a senhora goste de um pouco de açúcar — ela arqueou uma sobrancelha pra mim com um sorriso genuíno.
Marcia: talvez ainda haja esperança pra você. Agora sente-se e me conte como conheceu minha Babi e porque a chama de Bárbara — disse se ajeitando perto de mim, seus olhos eram como os de Bárbara. Castanhos e intimidadores.

Marcia era brilhante, esperta e, como fiquei sabendo, cheia de histórias de Bárbara quando era adolescente. Entretanto, descobri que suas memórias mais recentes estavam mais fracas que as antigas.
As vezes quando falava sobre algumas coisas do presente, eu via em seus olhos um pouco de confusão. Tentei perguntar sobre coisas do passado sempre, um lugar que ela se sentia confortável em voltar. Era estranho como o tom de sua voz me acalmava. Fiquei sabendo, com mais detalhes, sobre a noite que ela adotou Bárbara. Essa história, essas mulheres, de alguma forma estavam me fazendo repensar em tudo que julguei ser necessário durante os anos: carros, casa, roupas caras, trabalho, sexo, bebida. Não tinha espaço para mais nada em minha vida. Até agora.
Distraído não percebi quando Bárbara entrou no quarto de Marcia.
Babi: Victor? — disse deixando algumas sacolas sob a mesa e vindo até nós — o que está fazendo aqui?
Sua voz era baixa, assustada. Ela parecia exausta e eu sabia que era por minha causa.
Victor: vim conhecer Marcia.
Babi: porque? — seus olhos estavam arregalados.
Victor: senti que era importante... — eu não conseguia encara-la por mais de segundos.
Babi: estou surpresa em te ver acordado e andando tão bem por aí — disse em tom de deboche, revirando os olhos. Limpei minha garganta envergonhado.
Victor: sobre isso... — ela levantou sua mão.
Babi: não aqui.
Aproximei um pouco mais perto, a culpa estava me corroendo por dentro. Isso era um sentimento novo para mim e eu não estava conseguindo lidar.
Victor: você vai me dar pelo menos uma chance de conversar? Sei que te devo um pedido de desculpas — eu suspirei, encarando o chão — muitos, eu acho.
Babi: não quero sua pena, obrigada.
Victor: Bárbara — olhei em seus olhos, eles estavam vermelhos e fundos — por favor. Apenas uma conversa civilizada entre nós dois.
Babi: e você por acaso consegue ser civilizado?

Victor: quero tentar — respondi baixo.
Babi: isso por acaso tem a ver com eu aceitar nosso futuro casamento falso?
Victor: depois do meu comportamento da noite passada, com certeza não — inspirei fundo, passando a mão por meus cabelos — eu ficaria feliz se ainda quisesse, mas não espero que faça.
Ela mordeu a parte interna dos lábios como geralmente fazia quando estava nervosa. Marcia se aproximou de nós.
Marcia: oi, minha menina — disse olhando Bárbara nos olhos e em seguida apertando seu nariz. Um sorriso que eu não via desde ontem mais cedo apareceu no rosto de Bárbara, involuntariamente sorri junto.
Babi: como está se sentindo hoje?
Marcia: estou bem — ela olhou para mim — por que eu não sabia desse aí?
Bárbara riu negando com a cabeça.
Babi: acho que te contei sobre ele, porem muito pouco.
Marcia: ele não é muito esperto, mas tem uma certa tranquilidade e bom gosto para flores e chocolates.
Dei risada com o olhar surpreso de Bárbara. Eu estava feliz que Marcia estava lúcida e bem hoje, sua acompanhante me disse que que as vezes depois de um cochilo ela voltava confusa e mal humorada. Eu não queria roubar essa parte do dia que ela estava boa, Bárbara merecia ter ela hoje completamente bem. Peguei meu casaco.
Victor: vou deixar as duas sozinhas — aproximei-me de Marcia pegando sua mão — foi uma honra conhecer a senhora, dona Marcia.
Marcia: se trouxer mais chocolates pode voltar quando quiser — disse sorrindo.
Victor: farei isso — pisquei — Babi? Posso conversar com você por uns segundos?
Ela me olhou sem expressão alguma.

Bárbara foi comigo até o corredor fechando a porta do quarto de Marcia.
Meus olhos caíram para sua mão.
Victor: cadê seu anel?
Babi: não uso quando venho aqui, iria confundir Marcia. Está seguro em minha bolsa, não precisar surtar.
Fazia sentido e eu estava aliviado por ela não dizer logo de cara que o acordo estava acabado.
Victor: Ok, me desculpa eu só... — eu não sabia o que falar, estava sem graça de estar ali com ela depois de tudo — vejo você mais tarde no apartamento?
Ela assentiu, mas ainda me olhava intrigada.
Babi: vou continuar porque tenho palavra, mas quero algo em troca. Como um presente de casamento, pode ser?
Victor: depende — perguntei desconfiado.
Babi: quero saber sua história. Sua infância.
Victor: não falo sobre meu passado — o tom sério em minha voz indicava que não haveria mais discussões sobre isso.
Ela endireitou os ombros.
Babi: então case-se sozinho, sr. Augusto. Você é com certeza um ótimo par — ela ameaçou se virar, mas peguei seu braço antes.
Victor: Bárbara... — falei baixo. Nossos olhares se encontraram. Vi sua determinação em conseguir o que queria.
Victor: tudo bem. Case-se comigo e eu te conto tudo.
Seu rosto se iluminou em um sorriso atrevido.
Babi: te vejo em casa — disse voltando para o quarto.
Fiquei temporariamente fora do ar. Eu esperava gritos e discussão. Talvez até lágrimas e ela me mandar ir a merda, desta vez. Seu acordo me surpreendeu.
Eu estava encarando a porta como um idiota.
Quando a srta. Passos se tornou tão poderosa assim?
Eu não fazia ideia, pela primeira vez, fiquei feliz em vê-la cheia de atitude.

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