Capítulo 25: velho inimigo.

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[Barbara Passos]

Meu rosto doía, mas isso não me impediria de enfrenta-lo aqui mesmo.
Babi: oh, claro. E o que isso importa para você? - encarei seu semblante frio cruzando meus braços.
Victor: você sabe bem - disse, evitando o contato visual enquanto levava seu cigarro à boca.
Isso me irritou. Caminhei ate mais perto, pegando aquilo de suas mãos e o apagando no copo de água que estava sob a pia.
Babi: me diz, porque se importa tanto assim com meu rosto machucado? - meu corpo tão perto do dele, não sabia que conseguiria fazer isso tão cedo - você é patético, Victor Augusto.
Me virei, irritada. Mas sem que eu percebesse, sua mão me segurou, evitando que eu desse mais algum passo.
Victor: porra, Passos, não complica ainda mais tudo isso - um sorriso irônico tomou meus lábios, me virei para encara-lo me soltando de sua mão - escuta, precisamos conversar sobre o que aconteceu no meu escritório.
Babi: não, não precisamos. Não existe nada aqui, Victor - ou pelo menos era o que eu queria acreditar - quanto mais cedo entender isso, melhor vai ser.
Sua respiração funda avisava que não haveria mais discussões aqui. Ele havia perdido a luta.
Victor: se não se importar, eu quero ver o que tem sobre sua mãe - ele disse, voz baixa e calma - o que ia me mostrar.
Assenti. Ele teria que ver uma hora ou outra.
[...]
No quarto, eu deixei que Victor olhasse todos os documentos que eu tinha enquanto eu trocava a blusa manchada do sangue que escorreu. Quando saí, Victor sequer moveu seus olhos. Estava atento e focado no papel em suas mãos.
Babi: confuso? - perguntei, me sentando ao seu lado.
Victor: é bastante coisa. Como, como conseguiu ter acesso a tudo isso?
Babi: não são só vocês que sabem burlar regras - sorri, confessando meu pequeno erro.
Victor: sempre desconfiei que você não era tão santa assim - seu comentário teve um sentido diferente do que ele queria, deixando um pequeno clima tenso entre nós - bom, vá em frente. Me conte tudo que sabe.
Falar sobre ela era algo que exigia de mim uma força sobrenatural. Falar era relembrar tudo que passei nos últimos anos, e isso não me trazia sentimentos bons. Era a parte fria e cruel da minha vida que eu tentava, a todo custo, evitar abrir para outros.
Mas era necessário. Agora era necessário.
Babi: bem, ela se chamava Antonella como você viu nos registros. Seu casamento foi arranjado, nada como queria. Ela veio de uma família bem de vida, que a prometeu desde nova para a família do João, e bom, o casamento aconteceu exatamente do mesmo jeito que ela imaginava. Não tinha amor ali, nem sequer uma amizade - as lembranças das brigas constantes inundaram minha mente - eles discutiam constantemente, e, em uma dessas brigas eu fiquei no cômodo ao lado escutando com clareza tudo que falaram.
Victor se ajeitou na cama, aproximando ainda mais seu corpo quente do meu. Eu queria repelir seu toque, mas meu corpo me traiu. Sua mão deslizou sob meu ombro enquanto eu tentava continuar a contar.
Babi: eu era nova, não entendia o que aquela conversa significava, mas guardei cada palavra que dissseram. E hoje faz todo o sentido para o rumo que a história deles tomou - encarei Victor tendo a certeza que ele estava atento ao que eu falava - ela descobriu no que João estava se aliando. Ameaçou a deixa-lo e expor todo o seu jogo caso ele não abrisse mão daquilo.
Victor: daquilo o que, Bárbara? - seus olhos perdidos estavam nos meus.
Babi: João se aliou aos González - falei, finalmente revelando a sujeira do meu padrasto a mais alguém. Eu esperava uma reação direta de Victor, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário do que pensei.
Victor: Henrique González? - perguntou, seus olhos negros me encarando.
Babi: é possível, creio que seja o nome do líder deles - expliquei.
Victor engoliu seco quando terminei de dizer - conhece eles?
Victor: mais do que eu gostaria.

O conhecimento de Victor a respeito da gangue de Henrique me deixou tensa. Isso porque, na minha visão profissional, o jeito com que ele lidou ao saber desse assunto indicava que eles provavelmente tinham algo. E não eram negociações típicas que o grupo de Victor costuma ter.
Babi: tem problema com algum deles? - eu perguntei, tentando colocar os pingos nos is.
Victor permaneceu em silêncio, até que um sorriso de canto apareceu em seu rosto.
Victor: eles são como uma pedra no meu sapato desde muito tempo - disse, seu olhar fixo no chão do meu quarto - melhor dizendo, desde que meu pai entregou o nome da família dele à polícia.
Em cheio. Meu instinto estava certo, Os Gonzalez não eram flor que se cheira, conheço bem o grupo deles. Agem a sangue frio, derrubam tudo que ameace fechar o caminho deles. Todos do meu departamento de polícia conheciam os crimes que faziam, mas nenhum de nós teve coragem suficiente para enfrentar-los. Para quem não os conhece, parecem ser um grupo de traficantes como outro qualquer. Mas quando estudados, é notável que não são.
Além de extremamente fortes, ninguém tem a dimensão certa de quantos aliados eles tem. Estão em todo o canto, tomam conta de praticamente todos os bairros da cidade. Lidar com eles era pedir para se ferrar e é exatamente por isso que até hoje, mesmo tendo tudo em mãos eu não tive coragem de coagir João para que ele me diga logo a porra da verdade. Eu estaria assinando meu próprio atestado de morte, e agora, agora eu sabia que ele tinha conhecimento sobre o que eu tenho em mãos.
Minha mão foi até a garganta, com o nó que estava ali. Um silêncio estranho perdurou meu quarto por minutos até Victor finalmente quebra-lo.
Victor: ela tinha um nome muito bonito - meus olhos deixaram o chão indo até os dele. Seu semblante havia deixado a tensão. Estava suave, bonito.
Babi: combinava com ela, bonita e única - falei, buscando a última lembrança que eu tinha de seu rosto sorrindo. Fechei meus olhos evitando que lágrimas se formassem ali - sinto saudades dela a todo segundo.
Ainda com os olhos fechados, não percebi o movimento de Victor até que ele pegou minha mão, apertando-a e em seguida seu polegar acariciando minha pele gelada.
Meus olhos lentamente se abriram. Victor me olhava com afeto, parecendo compartilhar da mesma dor.
Babi: você nunca falou sobre sua vida pessoal, só trabalho, trabalho e mais trabalho - lembrei, tentando tirar o foco de mim.
Victor: perdi meus pais ha uns anos atrás, quando eu havia acabado de completar vinte e um. Thaiga era adolescente ainda, herdei tudo e hoje sou duas vezes mais rico do que aquela época - seus olhos voltaram para os meus - essa é a parte resumida da minha vida pessoal.
Babi: eu não quero a parte resumida.
Victor: sempre achando que tem autoridade aqui, não é, Passos? - ele disse, mas dessa vez não tinha aquele tom intimidador em sua voz. Soava mais como uma brincadeira. Arqueei minha sobrancelha, sabendo que ele me contaria de qualquer forma.

Victor não parecia mais tão confortável em falar sobre sua intimidade. Por um momento eu tentei evitar, passar para outro assunto para que ele não precisasse sentir-se mal ao lembrar do passado. Mas ele não recuou, apenas começou a falar da parte que julgou ser a menos dolorosa.
Victor: minha vida sempre foi boa, meus pais eram bem de vida, pra não dizer otimos. Me acostumei a ter tudo.
Babi: o famoso filhinho de papai - debochei. Era realmente se parecia ainda com aqueles playboys.
Victor: quase isso - disse rindo enquanto me olhava com seus olhos semicerrados - mas quando meu pai resolveu se meter com os Gonzalez, tudo ganhou um rumo novo. Minha mãe odiava isso, mas entendia que era o certo.
Babi: o que houve com eles? - perguntei, tentando entender a morte repentina de ambos.
Victor: acidente de carro.
Babi: acidente?
Victor: claro que não. Mas não ha provas que concluem o contrário porque tudo foi friamente calculado - o semblante de Victor deixou de lado a descontração, dando lugar ao velho olhar frio de sempre - nossos passados não são tão diferentes assim, Passos.
Babi: estou vendo isso. Sinto muito por eles - lamentei, segurando sua mão assim como ele fez com a minha minutos antes - você cuidou bem da sua irmã.
Victor: creio que foi o contrário. Assim que eles morreram, eu me perdi. Joguei tudo pro alto e caí nas bebidas, festas regadas a alcool e mulheres semi-nuas. Nada me importava, até que... - ele parou.
Babi: até que? - confusa, eu queria a continuação.
Victor: até que, em um momento eu vi minha vida passar diante dos meus olhos quando me acidentei de moto - uma respiração funda saiu de seu peito, fazendo-o descer e subir enquanto Victor sequer tirava seus olhos de nossas mãos unidas - em uma dessas festas eu perdi a cabeça, bebi altas doses de álcool, bem mais do que meu corpo podia aguentar. Me desentendi com um dos caras que estavam lá, soquei a cara dele depois saí de moto irado - ele deixou uma risada baixa escapar - eu sempre gostei da adrenalina de pegar minha moto e correr como se não houvesse amanhã.
Babi: já imagino o desfecho disso aí - falei, antes de saber o final. Victor sorriu, acompanhando com o olhar quando eu me levantei da cama para ajeitar os papéis.
Victor: pensei que tinha acabado com tudo ali e depois disso, quando me recuperei das fraturas e lacerações - ele se levantou, me ajudando a organizar a cama - e claro, com Thaiga menos irada, eu foquei no dinheiro que tínhamos e montei meu império.
Babi: nem um pouquinho soberbo, não é? - debochei.

DANGEROUS TOUCHOnde histórias criam vida. Descubra agora