Capítulo 41: palavras sufocadas.

1.5K 121 2
                                    

[Barbara Passos]

Tudo foi um choque. Desde as palavras de Victor até a notícia de que João estava por um fio no hospital em que o trataram.
Mas nada me abalou mais do que saber que eu era a pessoa que responderia por ele caso os médicos decidissem medidas mais drásticas.
Victor: você quer ir até lá? — Victor me ajudou a entender toda a situação quando Carol nos avisou sobre tudo assim que chegou de lá. Ele permaneceu ao meu lado desde então.
Babi: não sei se consigo, e se... — Victor me puxou para perto me envolvendo em seus braços protetoramente.
Victor: você é forte, vai saber lidar com a situação, aconteça o que acontecer — sua voz era meu único conforto neste momento — estarei do seu lado caso precise.

Depois de alguns minutos tomando coragem, finalmente aceitei ir até ao hospital como fui notificada. Apesar de não desejar estar ali, eu precisava agir como me foi atribuída a responsabilidade.
O problema era que no fundo eu sentia que deveria estar aqui, de algum jeito, sentia que aqui tudo se encerraria.

Quando chegamos ao estacionamento, Victor desligou o carro movendo seu rosto para me encarar. Eu estava tão distraída olhando pela janela ao meu lado que não percebi quando paramos. Foi só quando sua voz rouca me devolveu a realidade.
Victor: está pronta? Podemos ficar aqui até que se sinta melhor — sua mão agarrou a minha em sinal de conforto. Eu agradeço tanto ao universo por ter ele aqui comigo neste momento.
Babi: vamos acabar com isso logo.
Sem deixar a mão de Victor, nós caminhamos pelos corredores daquele grande hospital a procura do quarto em que nos informaram ser o de João. Quando finalmente encontramos, não tive coragem de entrar. Fiquei apenas na porta encarando ele extremamente fraco deitado sobre aquela cama.
Haviam tubos em seu braço que ligavam diretamente em duas bolsas de soro, cada uma devia conter uma solução diferente. Seus batimentos cardíacos estavam sendo monitorados na grande máquina ao lado da cama, eram lentos e mostravam o quão debilitado ele já deveria estar com os anos. Ele realmente estava mal. Não mentiram quanto a isso.
Senti as mãos de Victor acariciarem minhas costas enquanto eu observava a enfermeira lá dentro medir pela segunda vez seus sentidos.
Um homem se aproximou de nós, julgando ser o médico do caso, nos viramos para cumprimenta-lo.
Médico: presumo que seja a responsável por ele, filha? — sua pergunta era inocente, mas despertou algo ruim dentro do meu peito. Movi minha cabeça negando.
Babi: apenas alguém que herdou esse imenso fardo de responder por ele quando se tornar insconsciente.
Médico: bom, entendo. Você vai entrar? Posso explicar a senhora todo o seu quadro clínico caso... — eu o interrompi.
Babi: na verdade, queria ficar sozinha com ele se for possível — meus olhos estavam atentos através da janela vendo que ele havia acabado de abrir os seus.
Victor: meu bem, tem certeza disso? — seu olhar preocupado estava de volta, eu sabia que ele não entenderia de imediato meu desejo. Confirmei sua pergunta, dando a ele um último olhar de que estava tudo bem antes de entrar naquele quarto.
Eu não entendia qual força estava me levando lá para dentro, só sentia que era preciso.
Quando me coloquei de pé, parada ao lado de sua cama, seus olhos se moveram até os meus. Um sorriso falso cresceu em seus lábios me levando de volta ao sentimento de rancor que sempre cultivei aqui dentro.
João: não imaginava que a veria tão cedo — sua voz denunciava sua fraqueza. Era completamente rouca e falhada. Mesmo assim ele não perdia seu semblante cínico que sempre teve.
Babi: realmente desejei nunca mais vê-lo depois de hoje, mas ainda estou ligada a você. Uma ironia do destino, não acha? — seus olhos se moveram em desprezo. O sentimento era totalmente mútuo — resolvi vir até aqui porque eu nunca tive a chance de dizer tudo que guardei sufocado durante anos. Todas as vezes que engoli minha raiva para me proteger de você.
João: está perdendo seu tempo, querida. Nada que me disser...
Babi: cale a porra da boca. Não quero ouvir sua voz um minuto sequer mais, vim aqui apenas para que você escute a minha — ele não esperava por isso. Claro que não, ele se acostumou com o contrário. Mas hoje quem falaria seria apenas eu — você tirou tudo de mim, destruiu minha infância com seus abusos físicos e psicológicos não me deixando ser apenas a criança que eu tinha todo o direito de ser. Ao invés disso você tomou toda a minha vida quando matou minha mãe, porque sei que a morte dela não foi natural. Você a matou porque sabia que ela arruinaria seus negócios sujos. Eu me pergunto o que você ganhou com isso, o que te manteve de pé sabendo que tirou a vida de uma pessoa tão incrivelmente doce e boa como ela era. Você nunca teve qualquer sentimento, é um psicopata em seu estado mais doentio — não pude impedir que minhas lágrimas fossem barradas, apenas deixei que rolassem em meu rosto me libertando de todo o sentimento ruim que guardei por todos esses anos — sei que agora é tarde para desejar que você receba tudo aquilo que fez de ruim nesse mundo, mas espero que seu fim seja sozinho.
Eu odeio você, odeio tudo que fez pra mim e minha família. Eu curei todas as feridas que você deixou em meu corpo, pensei que nunca conseguiria preencher o vazio que você causou quando a tirou de mim, mas eu consegui. E agora, vendo o quanto sua vida será miserável a partir daqui, só queria ouvir de você uma coisa: valeu a pena tudo o que fez?
Quando acabei de derramar tudo que me sufocava, vi seus olhos arregalados me encararem. Sua boca ameaçou se abrir, mas antes disso me virei, pegando sobre a mesa a prancheta e a caneta que estava ao lado, assinei enquanto caminhava até a porta novamente. Quando a abri, segurei na mão de Victor puxando-o para longe dali. No caminho, o médico de João passou por nós, sem nem mesmo me dar ao luxo de parar, apenas coloquei a prancheta sobre seu peito onde nela eu abria mão daquele fardo e passava ao hospital todos os direitos de responder pelo paciente em questão. Segundos depois aquele corredor, antes vazio e calmo, passou para vários funcionários em suas funções diversas seguindo em passos largos até o quarto em que eu acabara de sair. No pequeno letreiro a nossa frente avisava código azul e o número do quarto.
Ao invés de me sentir culpada ou algo do tipo, apensas continuei andando até finalmente sair daquele hospital.
Victor me puxou para si, agarrando completamente meu corpo pois sabia que aqui eu deixaria tudo sair. Tudo o que senti e guardei por todo esse tempo estava saindo agora. Medo, angústia, rancor. Todo o vazio que ele me deixou, toda a raiva que me consumiu durante anos deixava meu corpo neste momento através das lágrimas que pareciam não ter mais fim.
Nunca pensei que esse momento um dia chegaria, eu não sabia que precisava tanto disso até sentir meu corpo completamente dormente cair sobre Victor.
Quando longos minutos se passaram, e eu pude recuperar o controle do meu corpo de volta, Victor segurava bem a minha frente a pulseira que sempre usei em memória da minha mãe.
Babi: quando ela se soltou do meu pulso? — perguntei, a segurando junto ao meu peito.
Victor: eu não sei, ainda estou procurando uma explicação lógica para ter a encontrado caída no mesmo lugar em que meu corpo parou na queda do despenhadeiro — meus olhos encararam os de Victor com a mesma sensação. Realmente não fazia sentido ela ter parado tão longe, talvez tenha sido arremessada quando me descontrolei assim que pensei ter pedido Victor — a questão é que, por mais estranho e sobrenatural que pareça ser, foi ela quem me deu forças para subir e seguir meu caminho até onde vocês estavam. Tenho plena certeza disso, amor.
Naquele mesmo instante, um vento fresco tocou nossos rostos. As poucas árvores que estavam em frente ao hospital tiveram suas folhas balançadas naquele instante. E então meu corpo se arrepiou. Fechei meus olhos apenas sentindo a sensação de paz tomar meu corpo.
Foi aqui que percebi que ela estava finalmente se despedindo.
Babi: tudo está em seu lugar agora — meus olhos ainda permaneciam fechados — eu te amo, mãe — sussurrei.

(N.A: código azul em alguns hospitais é um alerta para paradas cardiorrespiratórias em pacientes)

DANGEROUS TOUCHOnde histórias criam vida. Descubra agora