Capítulo 4 - A Fuga

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Me recomponho, após refletir um pouco. Afinal, se as visitas fossem de inimigos armados até os dentes tentando me capturar, será que eu seria tão hostil quanto estou sendo com meus próprios amigos? Seria. Até mais. Mas eles são meus amigos, e parecem querer me ajudar. Acho que tenho que aprender a mostrar gratidão, como já me disse Haymitch uma vez. Talvez meu instinto de independência é que esteja me fazendo ser hostil, mas estou um pouco mais madura agora. Já não sou mais uma criança birrenta. Reflito um pouco, respiro fundo, mas ainda mantendo distância de todos, por precaução.

- Você disse, fugir pra outro país? Mas que país? - indago.

Pollux bate o dedo em seu relógio, fazendo barulho.

- Não temos tempo. Gale, temos que ir. - diz Cressida.

- Vamos logo, eu explico no caminho. Nossas famílias estão lá nos esperando. - urge Gale.

- E minha mãe?

- Também. Ela veio conosco. Agora não diga mais nada. - diz Gale - Podem haver escutas ou câmeras do lado de fora da sua casa.

Eu havia percebido Cressida girando algum tipo de detector ao redor, desde que entrou na casa. Devia ser um detector de grampos e câmeras. Já vi alguns modelos, mas esse parece mais sofisticado e menor. Sou a última a sair. Digo a um dos guardas que vamos caçar juntos e voltaremos no fim da tarde. Eles já são acostumados a me ver sumir pela floresta, e dão de ombros, mas ficam olhando com desconfiança para o grande grupo, já que eles nunca me viram sair de casa ao lado de mais de uma pessoa. Sinto os olhares de desconfiança na minha nuca, como se algo pudesse atingi-la a qualquer instante.

De repente, as aves param de cantar, e ainda estamos fora do jardim num descampado. Estamos nos dirigindo até a floresta, quando vejo as copas das árvores se movimentando.

- Aero planadores! - grita Gale. - Corram!

Pollux, que está à frente, me surpreende, jogando para cima enquanto corremos em fila indiana um tipo de rolo em forma de uma grande faixa que se usa em arenas esportivas. Geralmente os torcedores desenham na extensa faixa a bandeira de seu time, e vários torcedores a põem sobre suas cabeças para que as câmeras filmem. Mas este é diferente, tem uma cor engraçada que nunca vi antes. Talvez um estranho tom de marrom-transparente... ou seria esverdeado? Isso confunde a vista. Enquanto Pollux segura a ponta do rôlo sobre sua cabeça, a outra ponta vai se desenrolando sobre as cabeças de quem está atrás. Primeiro sobre Cressida, depois Gale, e antes de chegar no Peeta, vejo no alto o aero planador. Corro mais rápido.

- Segurem sobre as cabeças! - grita Gale.

A bandeira de nosso time, o time dos fugitivos sem rumo, escapa das mãos de Peeta, e ele e eu somos avistados. Nisso, um segundo aero planador surge, e o primeiro já está em cima de nós, pairando no ar e dando ordens para mim pelo alto-falante.

Deu tempo de eu e Peeta nos cobrirmos. Infelizmente não tenho as flechas incendiárias e nem sei se devo confiar no que dizem pelo alto-falante. Estão dizendo coisas amigáveis, me perguntando se estou bem, dizendo que vieram me proteger, mas logo depois que tampo minha cabeça com a outra ponta do rolo, eles imediatamente começam a atirar à esmo, mas os tiros passam perto de nós, que mudamos de direção, o que tinha sido a causa de Peeta ter perdido a faixa das mãos. Pollux, que estava à frente, foi esperto. Foi então que percebi a importância do rolo. Ele nos deixava invisíveis para as câmeras de filmagem dos aero planadores, que não sabiam mais aonde estávamos. Já vi esse tipo de truque de televisão. Quem está ao redor pode ver, mas as câmeras não captam.

Tem início um tiroteio. Meus fiéis e educados guardas começam a atrair a atenção dos aero planadores, disparando neles. Corremos feito loucos. Um só tropeço, e quem tropeçar estará morto. Mas seria um trágico efeito-dominó se Pollux, que está na frente, tropeçasse. Entramos na floresta, todos vivos, menos talvez os guardas. Largamos o rolo para correr mais rápido por dois quilômetros, atravessando rios e subindo em colinas. Eu já não estava mais aguentando, pois correr por dois quilômetros nessa velocidade foi demais pra mim, que tropeço. Peeta me levanta e perco o resto do grupo de vista.

- Por aqui. - diz ele.

Eu já estava perdendo os sentidos antes do tropeço, e não notei a direção dos que estavam à frente. Prosseguimos. Bem mais adiante, encontramos os demais tirando um bote de um buraco entre as pedras, e o conduzimos ao rio. Nos cobrimos com outro rolo maior que estava dentro do bote e descemos o rio rumo à região radioativa, que jamais ousei penetrar em minhas caçadas. Havia um traje de proteção radioativa para cada um, e nos vestimos com dificuldade. Perguntei se era seguro. Gale responde que é mais seguro do que ser fuzilado por um aero planador. Mas eu conheço alguns modelos de trajes, e esses não são muito indicados.

As margens do rio se afastam, mostrando uma imensidão inexplorada. A água estava cristalina demais para um rio que se tornou tão profundo e gigantesco. Cressida explicou que ao contrário do que eu disse, essa não é a água mais limpa do mundo. Muito pelo contrário. A radiação contaminou aquele ponto do rio, e não existem mais algas nem peixes ou qualquer criatura para colori-lo de verde-musgo. E não haviam árvores à vista nas margens. Parecia água destilada. Fico imaginando o que seria de nós se os idealizadores tivessem colocado uma água dessas para bebermos. O bote parece elétrico, ou de fusão, pois não faz qualquer barulho, mas é muito veloz. No caminho, o grupo explicava para nós o porquê de terem vindo nos buscar, até o momento em que começo a ouvir um zunido em minha cabeça, meu estômago se revira e vomito dentro do traje. Tudo escurece.

Jogos Vorazes - O Fim da Esperança (Trilogia 1/3)Onde histórias criam vida. Descubra agora