Deve ter se passado uma hora desde que subimos no bote. Recobro os sentidos, como todos os demais, que parecem estar piores que eu, exceto Gale, que se encontra na proa disparando dardos à frente, provavelmente temendo campos de força. Cressida continua desmaiada. Peeta se contorce. Parece que minha reprovação pela má qualidade do traje está se materializando, pois estamos todos contaminados. Até mesmo Gale está tremendo nitidamente enquanto faz ocasionais disparos. O bote está agora em altíssima velocidade, muito distante de Panem e do Distrito 13. Estamos fora de nosso país, em terras desconhecidas.
Nos desviamos até a margem em silêncio, pois ninguém mais tinha condições de falar. Atracamos na terra escura e enlamaçada. Com muita dificuldade nos ajudamos mutuamente para prosseguir em terra firme, mata à dentro. Entramos por uma caverna bem escondida por plantas. Gale certamente já esteve lá antes, pois não havia como descobrir aquela entrada. Não tenho condições de abrir a boca, e ninguém mais parece ter. O efeito desse tipo de radiação parece muito mais forte do que o comum.
Na escola, me lembro bem de como a professora nos assustava com as aulas de história, nos explicando que nenhuma árvore de Panem é natural. Todas foram criadas com genética modificada, cuja função é criar um efeito atmosférico único de manter o país frio, protegido do aquecimento global, alterando a direção dos ventos, criando uma parede de frente fria muito forte de Panem para todas as direções ao redor do país. É por isso que temos tantas árvores imensas, e desmatá-las sem autorização da capital é pena de morte sem julgamento.
Além disso, o efeito dos ventos saídos de Panem também nos protege da alta radiação ao redor, inclusive daquela do Distrito 13. É por isso que nós do 12 não fomos contaminados pelo bombardeio de 77 anos atrás, até porque as fontes dos rios emergem de dentro de Panem, e os lençóis freáticos de onde vem toda a água dos rios e poços foram represados no subterrâneo por robôs para obtermos água incólume das profundezas. A criação de Panem levou séculos após o cataclismo global.
Dizem que os sobreviventes do bunker de um extinto lugar chamado Kansas foram nossos antepassados, que construíram paredes de espesso concreto para mais tarde criarem túneis para o alto, em direção à superfície, e começarem o plantio de tais árvores. É impensável o tempo que levou para que tudo isso fosse feito.
Gale abre com dificuldade uma porta de aço com ajuda de Pollux. Nós entramos. Pollux puxa uma chave mecânica, após Gale fechar a porta por onde entramos, e as luzes se acendem. Os dois passam a cuidar de nós, acionando um equipamento que solta barulhentos gases no pequeno cubículo e pegando algumas seringas e frascos com bebidas, além de comprimidos. Tiramos nossos trajes, escondendo-os dentro de uma lixeira antes lacrada e deixamos os gazes nos purificarem. Me sinto muito melhor, tentando aspirá-los o máximo que posso. Tivemos que ficar todos nus para as duchas que foram ligadas. Gale explica que tudo isso é apenas paliativo, e que o verdadeiro tratamento nos seria dado depois.
Após a ducha, injeções e comprimidos, abrimos outro compartimento e entramos todos, lacrando a segunda porta atrás de nós. Cressida e Peeta já estão bem melhores. Mas todos nós estamos ainda tontos, porém lúcidos.
Estamos em um corredor circular metálico tão estreito que voltamos a formar fila indiana. Dessa vez, a porta circular à frente, ao contrário das demais, parece novinha em folha, toda negra, feita de um material incomum, que Gale alerta para não tocarmos. Ele diz seu nome completo à distância de um metro da porta, e um segundo depois, ela se abre. Nos abaixamos para entrar, e a estreitíssima porta fecha-se automaticamente depois que todos entramos. Já nos sentimos em condições melhores de falar desde o momento daquele jato desintoxicante, mas fiz poucas perguntas até este momento.
- Estamos em um jato intercontinental. Ele veio há três dias. - disse Gale, com um sorriso rebelde, enquanto nos vestíamos com novas roupas de um dos armários. Parecem uniformes militares bem estranhos.
Ficamos todos boquiabertos, achando que ele estivesse brincando. Enquanto Peeta fazia seu curso universitário de Administração, eu fazia de Geografia, disciplina intimamente ligada a História, e vejo neste momento que não só nossos professores, quanto Panem, escondiam de toda a população sobre a existência de outros países e povos sobreviventes ao redor do mundo.
Tudo que aprendemos até então foi que uma nova arma de antimatéria foi criada há 900 anos, que causou conturbações no magma terrestre, alterando os continentes, a atmosfera, e elevando o nível do mar.
A precariedade de subsídios levou à Terceira Guerra Mundial. Ao contrário das grandes guerras anteriores, esta não foi movida por ideologias ou vinganças, mas sim pela usurpação de países mais elevados, de maior altitude, em nome da sobrevivência dos mais fortes.
Cressida nos explica que estamos nos dirigindo a um país da antiga América do Sul, na Cordilheira dos Andes, invadida e tomada pelos antigos ingleses, acrescentando que é bom, porque falamos a mesma língua e eles são mais liberais com um regime democrático. Não entendi bem a pronúncia do nome do país, mas soou algo como Socrática.
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Jogos Vorazes - O Fim da Esperança (Trilogia 1/3)
FanfictionKatniss é temida por países que querem evitar uma onda de revolução global inspirada pelo Tordo de Panem.