Capítulo 25 - Conhecendo a Rainha

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O dia inteiro fiquei acompanhando o trabalho de Arímedes, o legislador. Consistia mais predominantemente de reuniões com empresários de diversas áreas e prefeitos dos distritos, formulando acordos e encaminhando os resultados para a rainha decidir se assina ou não.

No almoço, um de seus amigos sugeriu que eu poderia ser uma espécie de office girl para o legislador, entregando recados confidenciais para alguns prefeitos, empresários e oficiais dos pacificadores. Eu tinha que fingir não entender a conversa deles sobre negócios, porque eles acham que não sei ler nem escrever e sem nenhuma espécie de formação escolar. Mas eu entendia muito bem.

Notei que ele fazia muitos acordos por baixo dos panos e recebia comissões por eles, caso conseguisse a assinatura da rainha, sem ela saber dos prejuízos financeiros que isso causava para Socrática. Ele e seus sócios eram como vampiros que sugam uma enorme parte das riquezas de Socrática em pura corrupção.

Como estamos no Palácio Real, que é onde Arímedes trabalha, mais exatamente em um prédio anexo, todas as conversas do trabalho dele são monitoradas, e se ele tivesse alguém de confiança e que não levantaria a menor suspeita, para enviar mensagens pessoalmente aos seus comparsas, assim ele estaria livre do monitoramento. Mas o principal motivo dele ter dificuldades de conversar pessoalmente com essas pessoas em ocasiões importantes, é que isso levantaria suspeitas, e ele seria investigado e punido.

Ele gostou muito da sugestão feita por um dos empresários. Este que sugeriu isso sei bem quem é. Chama-se Hermites, um frequentador assíduo da embaixada, dono de diversos clubes recreativos e turísticos. O que o legislador não sabe é que Hermites tem rabo preso com o embaixador, e é um capacho dele, mesmo sendo nobre, e que ele está me apoiando em meu trabalho sujo de investigação , atrás dos podres do legislador, por ordem de Niroge.

À noite fomos jantar com a rainha no Palácio Real. Já vi muita coisa luxuosa, mas nada se compara a isso. Fui apresentada aos príncipes e princesas, a duques e viscondes, mas não ainda a Vossa Majestade, que ainda não apareceu no salão nobre. Estamos apenas tomando alguns drinks até que por fim eu e Arímedes somos chamados à sala de jantar. Nos despedimos dos demais, e fomos para lá.

A rainha ainda não estava, nem seu esposo. Apenas dois filhos e uma filha, todos um pouco mais velhos que eu, além de duas crianças. Nos cumprimentamos e sentamos, e alguns minutos depois chega por fim o Casal Real. Fizemos as reverências aos dois como Arímedes me ensinou.

De imediato, após a reverência, a própria Monica IV e o rei vêm em minha direção me dando um forte abraço. Eles são muito amigos de Arímedes de longa data e frequentemente suas famílias passeiam e jantam juntas.

- Como você é linda! – exclama a rainha. – E já é uma moça agora. Quantos anos tem?

- Vinte.

- Eu jurava que fosse bem mais jovem. – diz o rei, piscando pra mim.

Não entendo realmente o que há de errado com os homens daqui, mas prefiro ignorá-lo. Fico refletindo por um momento que naquele momento do abraço eu poderia facilmente pegar a faca ao lado de meu prato e cortar a jugular da rainha. É espantoso que eles me achem totalmente inofensiva, e realmente não fazem ideia de quem sou.
Nos sentamos todos e começamos a ser servidos. Monica inicia uma bateria de perguntas, cheia de preocupação e curiosidade:
- Onde você esteve esses anos todos?

- Eu era muito pequena pra lembrar. Só quando cheguei aqui é que fiquei sabendo que eu havia sido sequestrada.

- Mas é claro, ela só tinha dois anos. – diz o rei para todos. Arímedes assente.

- Óbvio, mas onde você foi criada? Te fizeram alguma maldade? Vejo que você manca. – inquere a rainha.

- Na verdade eu fui bem tratada. A primeira lembrança que tenho da minha infância eu jamais esquecerei.

Todos começam a fazer perguntas preocupados. Então continuo:

- Eu lembro de uma moça bonita que cuidava de mim. Eu devia ter cinco anos ou menos, quando de repente todos na casa começam a gritar e disparar tiros lá fora. A moça me protegeu e nos escondemos embaixo da cama com medo dos tiros e gritos.

Faço uma pausa, fingindo estar amedrontada, e noto que todos à mesa, exceto Arímedes, pra quem já contei essa história, ficam em total silêncio querendo ouvir mais.

- E depois?

- Depois ela apareceu. – faço outra pausa, simulando ter trauma daquilo.

- Quem?

- Eu vi de debaixo da cama dois pés muito brancos e sem vida entrando no quarto e mancando em nossa direção.

- A Noiva Andina! – exclamam os mais jovens.

- Sim.

- Como ela era? – perguntam os jovens.

A pergunta faz sentido, porque naquela única ocasião em que ela foi filmada assassinando os jornalistas, seu movimento foi tão veloz, que a câmera não foi capaz de identificar seu rosto.

- Eu não sei. Ela vestia roupas brancas, porém eram transparentes, eu acho. Não tive coragem de olhar seu rosto. Nunca olhei. Quando ela se aproximou, levantou a cama com uma só mão. Foi quando eu vi a foice acertar a moça que me protegia.

- O que ela fez com você? Você não correu?

- Eu estava petrificada de medo. A noiva de branco me agarrou pelo braço e me levou pela floresta até uma cabana muito distante de lá, e me entregou para a pessoa que passou a cuidar de mim sem dizer nada, e depois foi embora.

- Que pessoa?

- Era a vovó Procapia. Na verdade ela era uma índia feiticeira que desertou de sua tribo. Ela me criou e me ensinou a caçar na floresta.

- Viu como valeu a pena preservá-los? – comenta um dos príncipes, se referindo aos indígenas.

Aprendi um pouco sobre eles e sobre como sobreviveram ao cataclismo séculos atrás. Eles vinham de uma região com placas tectônicas mais coesas e cujos povos do local não eram ameaça na Terceira Guerra. Então eles foram pouco afetados pela radiação por se esconderem em cavernas naturais submersas quando o oceano se elevou rapidamente. Depois que o oceano voltou a subir mais, eles tiveram que migrar cá pra perto, numa época em que Socrática já existia e havia expulsado a radiação das redondezas.
Os indígenas não queriam se misturar com os socráticos, que por sua vez, não se importavam com o que os índios faziam nas florestas ermas, já que estes eram inofensivos.

- E onde ela está?

- Faleceu há seis anos. Desde então vivo sozinha. Há três anos atrás eu resolvi desobedecer a última recomendação da vovó. Ela dizia para eu nunca vir nesta direção, e que se eu a desobedecesse, eu seria marcada pela noiva. Mas eu estava muito só, e queria saber se haviam mais pessoas no mundo. Então juntei minhas coisas e vim para cá, mas a noiva me pegou pelo caminho numa noite e fez algo horrível.

Eles perguntam o que foi, devido a minha pausa encenando terror.

- Ela se transformou em um fantasma e voou na direção de minha perna, me dando uma mordida. É a pior dor que pode existir. Desde então não consigo mais andar direito. Ela ficou ali parada, e voltei para casa com medo. Há três meses atrás, tomei coragem e fui na direção oposta, e encontrei uma tribo indígena. No início eles achavam que eu era a noiva por eu mancar, e ficavam com medo de mim, me impedindo de me juntar a eles. Na semana retrasada, a tribo foi visitada por agentes da embaixada que vão lá periodicamente abastecê-los com suprimentos médicos, e eles me viram e me trouxeram para cá.

Jogos Vorazes - O Fim da Esperança (Trilogia 1/3)Onde histórias criam vida. Descubra agora