Estou sentada no centro de um semicírculo de uma família feliz e aliviada. À nossa frente a entrevistadora mais falsa que já conheci, aos sorrisos, perguntando se estamos prontos.
Ela faz a primeira pergunta da noite, num programa de televisão transmitido ao vivo para toda Socrática no horário nobre:
- Madame Clair, conta pra nós como foi a emoção de reencontrar Angela, sua filha perdida.
Minha nova mãe, numa família nobre arranjada pelo embaixador Niroge em seu esquema de revolução, infiltrando-me entre os poderosos de Socrática, se debulha em lágrimas de emoção. Certamente foi emocionante para todos os telespectadores, até para mim, que tenho pena dela de ter perdido sua filha 16 anos atrás em um sequestro terrorista. Ao contrário dela e de todos os demais, sei que sua filha está morta, enquanto que eu finjo ser ela.
- Eu... eu não tenho palavras, me desculpa. - ela volta a chorar, agarrando minha mão, e nós duas nos abraçamos.
Estamos todos sentados em uma luxuosa poltrona extensa e única, que forma um semicírculo. De meu lado esquerdo, minha mãe arranjada. À minha direita, meu novo pai. Minha irmã mais velha com meu sobrinho no colo, além de outro irmão mais velho e meus supostos avós, dois por parte de mãe, e o outro avô por parte de pai.
- Ela na verdade desmaiou na ocasião em que a encontrou na embaixada. - diz o Ministro-Chefe do Legislativo, meu pai Arímedes.
- Eu imagino a emoção.
Arímedes continua, segurando minha outra mão:
- Foi muita sorte para mim ter reencontrada minha filhinha sã e salva. Não consigo imaginar o quanto ela deve ter sofrido naquele maldito cativeiro da floresta todos estes anos.
Ele também chora. Havíamos prometido à jornalista que conteríamos nossas emoções ao máximo durante a entrevista. Mas vejo que está difícil para eles cumprirem com o combinado. No entanto, sabendo da condição emocional frágil da família apenas dois dias depois do reencontro, a entrevistadora Davis concordou em fazer uma entrevista breve, e pediu que aguentássemos só durante esse tempinho de dez minutos.
Meu irmão Demétrium intervém neste momento para agradecer ao vivo pelo lindo e corajoso trabalho do Embaixador Niroge de dar abrigo aos refugiados e de mobilizar constantemente seu Serviço de Inteligência da Embaixada(SIE), para descobrir segredos dos terroristas escondidos nas terras ermas. E acrescenta que se não tivesse sido por isso, eu jamais teria sido encontrada.
Minha irmã mais velha mostra uma foto dela com seis anos me segurando no colo, motivo de grande comoção bem explorada pela jornalista.
Após algumas perguntas, chegou o momento de entrevistar um médico geneticista, que confirmou em 100% a compatibilidade de meu DNA com os dos fios de cabelo da pequena e pobre Angela verdadeira.
Neste país não existem noites longas. Aqui as noites são eternas, assim como os dias. Estamos em Agosto novamente, de 3198, e o longo verão de seis meses de sol contínuo já se passara. Meu relógio biológico já se habituou com este fuso faz tempo.
A noite foi longa após a curta entrevista. Um belo jantar, boas conversas, e cá estou em minha nova e aconchegante cama, num quarto só meu e gigantesco, pronta para dormir.
Fico revirando meus pensamentos em uma retrospectiva de como o tempo pôde ter se passado tão rápido neste último ano. Dizem que quando vamos envelhecendo, o tempo parece acelerar. E de fato, parece que foi ontem quando me olhei no espelho pela primeira vez, sem reconhecer meu rosto.
Eu nunca vou me habituar a essa nova aparência que o médico de Niroge implantou em minha genética, se aproveitando do efeito radioativo para acelerar a aceitação do organismo ao produto artificial injetado em meu sangue e na coluna. Só no dia seguinte àquela transformação que ele nos reuniu e explicou o motivo de ter me transformado nisso. Como eu estava motivada pelas palavras da sacerdotisa Akahtra, aceitei esta missão com muita vontade, e me esforcei bastante para me habituar a essa aparência, no início, mas em vão.
Aparências de lado, segui todas as instruções de Niroge, que nos tratou muitíssimo bem em seu castelo, porém, com excesso de rigor. Ele tinha planos secretos para cada um de nós. Eu estudava Geografia no Kansas, antiga Panem, um curso que é uma mistura de Geologia com Arqueologia. Mas Niroge me mandou estudar outras coisas, e deixar a Geografia de lado. Tive que seguir em intensos estudos de oratória e Filosofia, especialmente as filosofias orientais do mundo antigo. As culturas religiosas tradicionais da antiga Índia e do Tibete me trouxeram paz, principalmente em uma coisa nova que aprendi a fazer: meditar e filosofar. As duas coisas unidas se tornaram muito efetivas em meu entendimento do mundo e das pessoas. Adquiri um bocado de sabedoria com isso, a ponto até de vencer Niroge em algumas discussões temáticas.
Em oratória, aprendi a criar um estilo próprio de espontaneidade ao falar em público. Ainda estou treinando esta parte. Só preciso de mais experiência em ambientes não-simulados.
Uma das lições de oratória que mais gostei foi a passagem em que Napoleão havia sido vencido e capturado. Então ele foi encaminhado a um pelotão de fuzilamento. O único erro que seus inimigos cometeram foi o de não cortar sua língua, pois antes dos soldados puxarem o gatilho, Napoleão começou a falar e falar, deixando todos os executores confusos e com medo, e os convenceu a poupá-lo e a matar seus inimigos um a um. Foi o exemplo de oratória mais impressionante que já li.
Tive pouco tempo com Peeta e os demais nesse último ano. Tivemos uma enorme surpresa num dia de Novembro, quando descobrimos que o marqueteiro de Panem, Heavensbee, estava desaparecido justamente porque fugiu para cá muito antes de nós. Peeta passou a ser seu aluno, assim como Cressida. Gale e Pollux ficaram estudando outras coisas, mas sei que Gale prosseguiu nos estudos de Físico Armamentista, uma matéria específica que demanda muito tempo de estudo, e Pollux entrou no grupo de seguranças pessoais do embaixador.
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Jogos Vorazes - O Fim da Esperança (Trilogia 1/3)
FanfictionKatniss é temida por países que querem evitar uma onda de revolução global inspirada pelo Tordo de Panem.