Capítulo 11 - Revelações

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Eu retruco a Niroge expressando esses meus pensamentos sobre mim. Mas sua reação foi mostrar um ligeiro sorriso iluminado:

- Angela, você acha que todas as pessoas amáveis têm a mesma personalidade e características? Acha que o mesmo se dá com pessoas hostis, ou caridosas, gananciosas ou promíscuas? Não. Cada pessoa expressa suas qualidades de seu próprio jeito, assim como cada líder natural expressa sua liderança da forma que a personalidade de cada um é. Há centenas de outros líderes naturais como você por aí, mas a maioria, ou quase todos não sabem que tem este talento, e o usam na vida pessoal, liderando seus próximos em coisas frívolas, como roda de amigos da escola, da rua, dos bares, trabalho, etc. Se um desses líderes anônimos, que usam sua liderança eu seu microcosmos de suas vidas pessoais, fosse achado pelas câmeras e holofotes de um país, aí sim este líder se tornaria um problema para toda uma nação.

- Mas eu não lidero nem nunca liderei amigos em lugar algum.

- Porque você se fecha. Sei lá por quais razões, afinal não conheço sua vida íntima, mas quem olha para você atentamente, nota que você é inteligente, acima da média, mas é um bicho do mato que não parece gostar de companhia, estou certo?

Agora ele é um psicólogo. Quem diabos é esse articulado ou desequilibrado homem que quer viver, ou melhor, Niroge?

- Acho que sim.

- Preciso de vocês... de todos vocês para me ajudar a liderar uma revolução. Não uma revolução localizada em apenas um grande país como é Panem, mas para salvar todos os demais países da ditadura. Aqui em Socrática sou um diplomata, uma função oficial exclusiva aos serviços dos presidentes dos respectivos países. Mas ninguém no país sabe dessa minha função secreta, nem os cidadãos, exceto Os Treze.

- Os treze?

Ele suspira e pausa, voltando a sentar-se e falando feito um padre agora:

- Angela... nós, Os Treze, somos a mais antiga e nobre das fraternidades, a mais poderosa e opulenta da Terra, e controlamos todos os 13 países desde sempre. Somente nós podemos assistir a todos os Jogos Vorazes dos 13 países.

- O quê!?

- Sim, Angela... guardadas as diferenças culturais, uma coisa todos esses países têm em comum: uma revolução arquitetada por nós há 77 anos atrás para fazer parecer autêntica, onde um dos intuitos é de demonstrar à população que contra a força não há resistência. Nosso plano jamais falhou nas 13 revoluções, e isso beneficiou Os Treze. Eu entrei para a fraternidade há poucos anos, pois quando se é convidado, a recusa é penalizada com a morte. No início, me recusei, mas então começaram a assassinar alguns de meus familiares, um a um, e se eu continuasse recusando, o próximo a morrer teria sido eu.
Você não faz ideia, Angela... não faz ideia do estado de escravidão e vigilância em que me encontro. Vocês reclamam dos seus Jogos Vorazes, mas dentro da Fraternidade dos Treze, os jogos ocorrem e nós, membros, somos os participantes, e frequentemente morremos. Estou dentro de uma arena agora, Angela, não numa arena fechada e restrita, mas numa das lutas do círculo do poder, onde as mortes se dão por planos inteligentes, lenta e friamente calculados, através de envenenamento ou outros meios. Enquanto que nos Jogos Vorazes vocês usam os músculos, na arena em que estou usamos o cérebro e nossas línguas. Eu perdi tudo o que amava nesse jogo. De mim, nada restou, a não ser o vazio destes bens materiais, como este castelo em que estamos. Sou, de certo modo, um presidiário e um escravo, enquanto que você, mesmo que não tenha percebido isso até agora, é uma pessoa livre.

Se forem verdadeiras as palavras dele, sua situação é digna de pena. Eu nunca poderia imaginar que uma situação como a dele fosse possível vinda de pessoas revestidas de trajes de elegância, prazer, luxo e felicidade inalcançáveis para os pobres. Então, toda essa ostentação é na verdade aquilo que eles mais odeiam, pois os faz lembrar das dores e perdas pelas quais passaram. Talvez essa gente odeie a vida que leva, e descontam suas frustrações do vazio e falta de sentido nos pobres, numa vã tentativa de aliviar sua própria dor. Posso entendê-lo. Mas me surge de repente uma dúvida:

- E Snow? Ele era dessa fraternidade?

- O Snow de Panem? Mais ou menos. Na verdade, ele era um servo nosso.

- Servo? Como assim?

- Toda empresa tem um organograma, Angela, com seu presidente, sócios, executivos, e por aí vai. Digamos que Snow de Panem era como um sócio, que sabia apenas de coisas superficiais, e que sempre almejou uma promoção, se não para si mesmo, talvez para seus descendentes.

- Tem algo para comer? Se isto é um castelo, deve haver alguma comida, certo?

Ele sorri:

- Moça, com alimento não precisa se preocupar. Desculpe se tagarelei demais. Esqueci de agir feito um anfitrião decente. Uma última coisa, antes de se encontrar com seus amigos: tenho compromisso agora e devo sair antes que me atrase. Não há tempo para explicar tudo que lhe disse aos outros. Como não sei se você se lembrará de tudo, vou fazer eles assistirem nossa conversa, mas vou cortar a parte em que fui desnecessariamente hostil com você, e peço que guarde segredo sobre o ocorrido, promete?

- Está bem.

Achei que ele ia pedir desculpas. É sinal de que ou ele não está arrependido da agressão, ou então fez aquilo de um modo friamente calculado, e se for este o caso, isso o torna ainda mais ardiloso e perigoso do que suspeitei.

- Depois deles assistirem ao vídeo, irão lhe acompanhar à mesa. Fiquem a vontade para passear pelo castelo. Apenas não saiam para não serem descobertos. Meu mordomo e serviçais lhes acompanharão e darão instruções e tarefas... serão gentis, e lhes peço que retribuam com reciprocidade. Sigam-nas. Voltarei ao anoitecer, ou talvez amanhã, se eu tiver sorte com uma certa dama com quem estou flertando há dias. Se for meu dia de sorte, nos veremos amanhã. Adeus.

Respondo com um sorriso. É difícil imaginar que um sujeito rico como este fique se arrastando por alguma garota. Por ser rico e de belíssima aparência, ele deve ter milhares de amantes, e apesar do entusiasmo em seu rosto ao falar dela parecer tão juvenil e autêntico, isso constrasta inteiramente com o homem que acabo de conhecer.

Jogos Vorazes - O Fim da Esperança (Trilogia 1/3)Onde histórias criam vida. Descubra agora