Capítulo 36 - A Arte da Guerra - Lição Número 1

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Antes do 56° segundo da contagem regressiva, uma forte explosão. Foi à minha direita e não muito distante.

Eu havia estudado cuidadosamente os dossiês dos "sorteados" da colheita, e tive que tomar o que seria talvez uma das decisões mais difíceis da minha vida: escolher quem poupar e quem deixar morrer. Mas como eu estava otimista dias antes da colheita, acreditando em uma ação rápida de Snow, tomei a decisão que me parecia mais lógica. Haviam crianças que eu poderia salvar para me oferecer em seus lugares, poupando a vida de ao menos uma delas... mas e quanto às outras? De que adianta salvar apenas uma criança e deixar 10 morrerem para os carreiristas? Posso salvar as 11 se eu tirar do jogo o mais mortal dos assassinos. Assim, terei mais chance de, tirando o líder dos carreiristas da arena, deixar os demais enfraquecidos e sem um norte.

Certamente os carreiristas restantes digladiarão entre si para decidir quem substituirá a forte líder que excluí, e isso os enfraquecerá mais ainda. Decisão correta e bem calculada, como num jogo de xadrez. Mas a imprevisibilidade deste jogo que envolve vidas humanas é muito mais terrível do que o que se encontra em um seguro território de madeira com casas brancas e negras. Aqui, se o rei levar mate, você morre.

Há três dias, após o desfile, quando conheci pessoalmente os demais tributos, comecei a articular alianças, me esforçando para usurpar o posto de líder dos carreiristas, ao mesmo tempo em que fazia um jogo duplo, jurando proteger os tributos mais pobres e fracos. Com estes últimos foi mais fácil fazer alianças. Já com os carreiristas, tive problemas logo na primeira fala.

Não que eu tenha usado os argumentos errados, mas eles eram assassinos. Como conversar racionalmente com assassinos psicopatas? Falando a língua deles, e demonstrando a típica empatia bandida. Após o empurrão que recebi na ocasião, mostrei-lhes que por dentro não tenho nada de princesinha nobre, e o deboche que usei deu certo, porque os outros riram da cara da garota que me empurrou. Constrangida, ela não teve escolha. Na certa, ela nunca viu um tordo antes, e minha cultura de Panem é uma novidade para eles.

Os costumes daqui são diferentes. Eles são mais educados do que nós do 12 de Panem. Ao mostrar minha atitude, eles concordaram entre si que não estavam lidando com uma princesinha.

Este primeiro contato teve um lado bom e outro ruim. O ruim é que eles não me aceitaram de imediato, mas o bom foi que lhes causei distração suficiente para não poderem se organizar e discutir estratégias, e nem definir a liderança. Confusão, caos e surpresas: coisas que tenho espalhado por onde passo nos últimos anos... minha especialidade, modéstia à parte.

Não demonstrei minhas habilidades nos últimos dias de preparação. Ficava apenas fazendo alianças e argumentando. Eu era a mais velha e de longe a mais experiente.

No dia da apresentação individual para os patrocinadores, pedi uma bobina, bateria, cone, bloco de grafite, papelão, fios elétricos, lâmpadas, adagas, e... um par de muletas. Acoplei a bobina ao cone, liguei os fios, e construí um megafone. Acendi as lâmpadas piscando atrás de mim e comecei a falar tão alto pelo inesperado aparelho elétrico que construí que os patrocinadores mal podiam conversar entre si e se distrair com o banquete: eles ficaram escravizados a não fazer outra coisa que não fosse ouvir o que eu tinha a dizer.

Para eles, inesperada atitude. Para mim, normal.

Comecei a imitar algo que eles não conhecem: os papagaios tagarelas, e tagarelei, tagarelei e tagarelei, sem dizer nada que eles esperassem ouvir, e nem nada que não quisessem escutar. Apenas falei, para a surpresa destes, sobre a péssima condição financeira de meu pai adotivo, Arímedes, e de seus problemas com a rígida burocracia econômica de Socrática imposta pela rainha e pelo Ministro Juiz Supremo. Cativei os ouvintes, insatisfeitos que estavam com o fato de não conseguirem ficar mais podres de ricos do que já são.

Lição número um: confunda seus inimigos, e não lhes dê tempo para pensar.

Jogos Vorazes - O Fim da Esperança (Trilogia 1/3)Onde histórias criam vida. Descubra agora