Capítulo 10 - A Chegada

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Finalmente pousamos, e ficamos mudos quando a escotilha não se abre. Nenhum tipo de saudação pelo comunicador, e as luzes do interior do jato se apagam para dar lugar a luzes vermelhas. Já se passou uma hora desde o pouso e três, desde que decolamos. Alguém já deveria ter aparecido.

A noite chega. Estamos confinados, sem comida e com pouca água. Dormimos com dificuldade. Quando acordo, perco a noção do tempo e do espaço, pois agora não há nenhuma iluminação no interior do jato. Passou-se mais um dia, e estamos péssimos, sedentos e famintos, além de aparentemente cegos devido à total escuridão, pois nem nossos equipamentos e lanternas querem mais funcionar.

Segundo Gale, nossos equipamentos estão pifados por algum tipo de sabotagem eletrônica. A radiação em nossos corpos está voltando com mais força do que antes, e já me sinto à beira da morte. Todos desmaiamos no terceiro dia, sem sabermos se estamos mortos ou vivos, se estamos no céu ou no inferno.

Quando acordo, não sei quantos dias depois, estou em algo que se parece com um quarto de hospital. Ao meu lado, de pé, uma sorridente e carinhosa enfermeira de pele escura me saúda, e um belo homem jovem de cabelos loiros. Me pergunto em meu íntimo se estou no céu ou no inferno, temendo que aqueles dois estranhos pudessem ser demônios disfarçados de anjos para me enganar e me conduzirem às portas infernais.

Mal tenho tempo para recobrar a consciência, e o jovem solta um suspiro de alívio:

- Poxa, Angela, achei que tivesse te perdido.

Fico sem entender. Angela?

- Ela vai ficar bem. A jovem é muito resistente. Teve muita sorte de estar viva, Angela.

- Meu n... - sou interrompida imediatamente pelo elegantíssimo homem.

- Fredda, pode sair, obrigado. - diz ele, em voz alta e forte para a enfermeira, que se assusta com a repentina ferocidade de seu tom de voz.

Vejo um sujeito abrindo a porta do quarto para deixar Fredda sair, trancando-a por fora, dando duas voltas com a chave. Fico sozinha no quarto com o homem.

- Quem é você? - pergunto. - onde estão os outros?

Ele não responde. Em vez disso, liga uma tela, e me dá o controle remoto. Segui então as instruções do homem, e cada número do controle que eu apertava mostrava o quarto de cada um que veio comigo na nave. E o melhor de tudo é que podíamos conversar pela tela. Todos, até mesmo Peeta, estavam no mesmo estado debilitado que eu, mas pareciam bem e a salvo.

Depois de conversar com todos, o homem me pede o controle de volta. Ele o guarda, e puxa uma cadeira para se sentar a meu lado.

Ele pondera, olha pra baixo, suspira, e me encara com expressão austera:

- Eu quero viver... por isso meu nome é Niroge, e se quiser viver, de agora em diante, seu nome é Angela.

Quase rio, mas a severidade da expressão do homem me congela.

- O que?

- Angela...

- Meu nome é Katniss! - mais rosno do que falo, ao pronunciar essas palavras.

Ele me dá um tapa leve no rosto, não o bastante para me machucar. Tento revidar, mas ele segura minhas mãos com força sem soltá-las, apertando meus pulsos cada vez mais, como se me odiasse.

É a primeira vez na vida que sinto medo de alguém. Num momento ele é gentil, no outro austero, e agora mais parece um psicopata. Ele me solta num momento de auto controle dando-me as costas, e falando enquanto caminha, se virando para mim e andando de um lado para o outro:

- Moça, independente de qual seja seu nome, você está em Socrática, e não se deixe enganar pelo belo nome deste hipócrita país... aqui as coisas são piores que em Panem! Aliás, para sua informação, todos os treze países sobreviventes ao Cataclismo Global são ditatoriais.

Agora ele se parece com um professor furioso, ou um político num palanque.

Fico tentando assimilar as indesejáveis novidades, se é que são verdadeiras, afinal, a instabilidade das emoções desse homem tornam tudo o que ele diz digno de desconfiança. Mas ele continua:

- Se alguém neste país souber que Katniss Everdeen está aqui, eles invadem minha casa, torturam e matam meus familiares, e decepam um órgão e membro de seu corpo por cada país pelo qual for levada em exibição para servir de exemplo. Mas calma... a diversão não para por aí! Sabe o que mais farão com você? Eles vão te manter viva... sim... sem braços, sem pernas, sem seios, língua, olhos... sem nada, mas continuará viva, torturada e humilhada, e todos...todos lhe odiarão, inclusive seus conterrâneos. E sabe porque?

Balanço a cabeça em negação.

- Porque sua cabeça está à prêmio. O primeiro que te encontrar e entregar para as autoridades será tratado como herói. O motivo? Você é perigosa. Não é sempre que nasce uma líder natural.

- Eu não sou líder.

Ele está errado. Eu não serviria nem pra líder de torcida, quanto mais de um país. Em Panem, eu não liderei ninguém. O distrito 13 apenas me usou com câmeras, apenas por eu ter vencido os jogos e ter me tornado a "queridinha da capital". Aquilo foi tudo um programa de televisão cheio de glamour para me fazer sexy, desejável, bonita e desafiadora. Bem, a única dessas coisas que sou é desafiadora, e foi essa característica que Heavensbee, como bom marqueteiro, explorou, para que eu servisse de inspiração. Sem Heavensbee, sem Peeta, Gale, Paylor, e os demais, eu não seria meleca nenhuma... apenas uma caçadora atrás de esquilos na floresta.

Jogos Vorazes - O Fim da Esperança (Trilogia 1/3)Onde histórias criam vida. Descubra agora