Capítulo 28 - Viajando por Socrática

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Na manhã escura seguinte, acordei às seis para me encontrar com o prefeito do Distrito 1, e mais tarde com o do Distrito 13. Ontem na volta do jantar ele me fez decorar as mensagens que queria que eu transmitisse a cada um deles. Fico repassando mentalmente cada mensagem e vi que consegui decorar tudo ao despertar.

Fizemos o desjejum juntos, sem tocar no assunto, e o motivo disso é bem compreensível, afinal, ele não quer que os ouvidos das paredes saibam do que se trata. Apenas disse à família que eu devo aprender a ter responsabilidades, e conhecer a importância de seu trabalho é fundamental, pois ele precisa de alguém da família para seguir seu caminho. Ontem à noite conversamos sobre isso, e a conversa se transformou em discussão. Seu filho mais velho acabou se tornando um playboy esbanjador viciado em apostas nos casinos, e sua filha foi infeliz no casamento que se arruinou e cria seu filho sozinha, sendo rebelde e independente dos pais. Quando ouvi isso foi que entendi o porquê de eu e Agatha nos entendermos tão bem. Os filhos deles moram na capital, porém longe deles, que têm um castelo enorme e vazio, cujos ocupantes são um casal de velhos desamparados. Ele culpou a Clair, minha nova mãe, de ter afastado os dois filhos mais velhos dele depois de meu desaparecimento, e por isso deu no que deu, enquanto ela o culpou pelo meu sequestro na infância, dizendo que era arriscado deixar uma bebê em casa de amigos enquanto a traía com outra mulher. Fiquei no meio de um tiroteio de acusações.

Mas desta vez ele bateu o pé, e disse que minha educação era responsabilidade dele, que ele tem de deixar seu legado ao menos a um de seus três filhos.

Saímos de carro juntos, deixando a mãe solitária para trás em seu castelo vazio. Nos separamos; ele segue ao Palácio Real e eu entrei em outro carro. Dentro do automóvel estava um funcionário de Arímedes me aguardando. Borges, professor e porta-voz da paz. Sua função é apaziguar atritos entre os escravos dos distritos e os pacificadores. Todos os escravos o respeitam muito. A capital de Socrática é belíssima. Diferentemente de Panem, os castelos tinham aparência barroca, e eram vários. Os prédios comerciais de luxo combinavam perfeitamente com o ar de antiguidade da cidade. Os automóveis são silenciosos sem rodas, movendo-se a dois palmos do chão. Haviam também carruagens a cavalo. Tudo muito elegante. Passamos por uma enorme praça cheia de árvores, onde pessoas tomavam banho de lua, conversando e brincando com as crianças em piqueniques. Um verdadeiro paraíso.

Suas vestes, ao contrário das dos nobres de Panem, eram discretas e elegantes. Mulheres sem maquiagem com casacos de peles e homens de smoking ou blazer.

No centro da cidade, um amontoado de pessoas atarefadas em suas profissões para lá e para cá. Árvores e lagos dando espaço a bosques exuberantes. Um ar fresco e puro que fiz questão de abrir a janela para aspirar. As montanhas da cordilheira mais alta em alguns pontos. Pontes que davam vista para o Oceano Pacífico a Oeste. Um paraíso.

Chegando ao Distrito 1, tudo era o oposto. Todos os distritos têm escravos e haviam vários mendigos nas ruas e doentes. Neste sentido, diferentemente de Panem, não havia diferença entre os distritos. Todos produziam muitas riquezas que iam para os bolsos dos ricos.

Descemos do automóvel, e logo vi que todos me olhavam com medo. Dois pacificadores apontaram as armas para mim, achando que eu era a bestante, implicando na imediata intervenção do professor Boris. Aqueles pacificadores não assistem televisão, então não sabem quem sou. A população, ao ver esta cena de tensão, logo passou a me ver não como um fantasma perigoso, mas como um fantasma que era inimigo dos odiosos pacificadores. Crianças vieram me cumprimentar depois de perderem o medo, estimuladas por suas mães. Algumas das senhoras me deram bênçãos, perguntando se vim para libertar os escravos. Boris contorna a situação com destreza retórica.

Encontramos a casa do prefeito Tesla. Nos convidou a entrar na mansão e ofereceu sucos e frutas. Aceitamos e conversamos um pouco com amigos de trabalho dele. Ele não sabia o motivo de minha visita.

Perguntei se haveria algum bosque lá fora para conversarmos, sob o pretexto de gostar de estar ao ar livre. Conseguimos ficar a sós em meio a natureza e lhe passei o recado de que Arímedes sugere que algumas propriedades comerciais sejam compradas com dinheiro do próprio legislador, e que caso os donos não aceitem a venda, que ele, o prefeito, providencie tirar tais pessoas do caminho. Entre outras palavras isso significa assassinato. É uma operação de lavagem de dinheiro e aumento das riquezas do legislador.

No distrito 13, o do exército, a ordem era falar com o prefeito militar; um capitão de nome Matheus. Era uma carta lacrada. Disse-lhe para entregar ao coronel Hamilton.

Sobraram muitas horas do dia, e eu não tinha mais tarefas. Então convenci Boris a passearmos por todos os distritos e conversar com os trabalhadores e donas de casa. Amanhã pretendo continuar pelos distritos restantes. Esse contato pode me trazer aliados dentro da população. Ao contrário de Panem, os povos humildes dos 13 distritos são muito unidos. Isso facilita as coisas.

Jogos Vorazes - O Fim da Esperança (Trilogia 1/3)Onde histórias criam vida. Descubra agora