O titeriteiro sonha

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Estocadas rápidas do quadril, provocavam o rumor seco da bancada de madeira contra a parede

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Estocadas rápidas do quadril, provocavam o rumor seco da bancada de madeira contra a parede. Uma mão firme pressionava o pescoço delicado. A respiração entrecortada entregava a agonia da mulher.

De olhos fechados, ele arremeteu forte uma última vez, o som rouco indicando o orgasmo. O corpo tenso recostou-se pesadamente contra a figura feminina. Ainda ofegante, afastou-se; um pedaço de tecido serviu para limpar-se. Fechou nervosamente o zíper.

A mulher contorceu-se, insatisfeita. Desceu da bancada, um aperto de lábios indicando a frustração. Ajeitou os cabelos. O pouco afeto que houvera antes, nos momentos a dois, parecia um sonho distante.

Ele acendeu um cigarro, os olhos fixos no noticiário. A imagem na tela chamou-lhe a atenção. Aumentou o volume da tv.

- 'Após um longo período vivendo na Itália, a violinista Ayla Nehir está de volta. Segundo entrevista concedida agora a pouco, ela confirmou a permanência em Istambul, onde pretende desenvolver um projeto pessoal...'

A tela foi preenchida pelo rosto expressivo de Ayla. O som da voz rouca provocou no homem um arrepio de excitação.

- 'Não pretendo mais viver em outro país. Aqui estão as minhas raízes'... - Ela estava maravilhosa.

O âncora prosseguiu:

- 'A notícia deixou em polvorosa o meio musical, já que Ayla é um dos maiores talentos da cultura Rom na atualidade. Ela viveu os últimos onze anos na Itália, sob a proteção do Maestro Nihan Zahir, quem a acolheu em Milão e patrocinou seus estudos após o assassinato de sua mãe e suicídio de seu pai. Desejamos sucesso e esperamos que esse retorno seja propício ao cenário cultural local'.

A mulher, já refeita, observava a reação do parceiro à notícia. Agora ele sabia que a prima estava de volta a Istambul. 'Merda'.

-Você sabia disso?- a voz masculina, áspera, denotava irritação.

- Sim. Nene me disse que ela voltaria por esses dias. Eu não achei que fosse importante...- ela disfarçou o nervosismo.

Desde a adolescência, ele só tinha olhos para Ayla. Ela sempre soubera e aceitava o que tinham: sexo casual, sempre que a situação fosse propícia. Ninguém nunca suspeitara. Ela sujeitara-se a um casamento, tivera um filho, mas nunca desistira dele. A recente viuvez reacendera a esperança de que ele assumisse o relacionamento. Mas, a volta de Ayla poderia estragar seus planos.

- Tudo que diz respeito a ela me interessa, Narin. Tudo.

Ela empertigou-se. Interrompeu nervosamente:

- Ainda isso? Quando você vai aceitar o fato de que vocês nunca vão se casar? Nene é a matriarca! Depois do que aconteceu com os pais de Ayla, casamentos por acordo acabaram! A comunidade toda acatou! O que você ainda espera dessa história?

Os olhos frios lhe atravessaram o corpo. Ela sentiu medo do que viu no olhar dele. Um calafrio incomum arrepiou-lhe a pele.

- Kemal apareceu por esses dias?- ele quis saber.

Ela sacudiu afirmativamente a cabeça. Acendeu um cigarro e encostou-se na bancada.

- Veio saber dos meninos sobre o corpo que encontraram no casarão. Conversou com Zafer. E esteve com Nene.- soprando a fumaça do cigarro, balançou a cabeça com um sorrisinho irônico.- Não acredito que depois de todo esse tempo, você ainda não tenha superado essa paixonite...

Foi a gota d'água. O som seco anunciou o tapa no rosto. Ela abaixou a cabeça, entre a dor e a surpresa.

- Ayla me foi confiada quando ainda éramos crianças. Existe uma coisa chamada lealdade. Mas isso...você desconhece. - dispensou-a com um gesto de cabeça. - O menino...deixe-o em casa por uns dias. Dei a ele um dinheiro. Pedi que não viesse.

-Ele me disse. - a forma como ele mudara de assunto deixava claro que o assunto 'Ayla' estava encerrado. Dirigindo-se à saída, os olhos marejados, ela aconselhou:

- Fique longe dela, Tarik. Nene já está velha demais para se aborrecer e Kemal...você sabe. Ele já está de volta ao papel de cão de guarda da princesa.

Ele não respondeu. O bate da porta indicou que Narin se fora. O som de um violino preencheu o galpão. 

- Ela está de volta. A minha Ayla, voltou para mim...

Na penumbra, uma delicada marionete feminina vestida de vermelho, dançava.

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