...o coração sente.

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AYLA

O toque insistente do celular a despertou. Olhando o visor, sorriu.

- Günaydın, hayatımın aşkı.- cumprimentou, preguiçosa.

- Günaydın, bebeğim...- o tom rouco do outro lado da linha provocou-lhe um arrepio.- desculpe te acordar cedo, mas você comentou que tinha um ensaio hoje pela manhã. Imaginei que pudesse acabar perdendo o horário.

A voz dele era como um bálsamo para apascentar o vazio que sentia, por não tê-lo ao seu lado na cama imensa.

- Você fez bem em me ligar, amor. Eu realmente não acordaria em tempo... - respondeu, ainda tentando despertar.

- Ayla-  ele prosseguiu- você imagina o quanto eu gostaria de estar  com você, hayatim?

Sentindo o coração acelerar, ela confessou:

- Imagino...porque eu também queria muito que você estivesse aqui comigo, agora.

Um longo suspiro se fez ouvir.

- Você me fez muito feliz essa noite, amorzinho.- ele sussurrou sedutor, provocando-lhe arrepios - eu quero muito te amar de novo, sentir o seu gosto, ouvir você chamando o meu nome e...

Ela o interrompeu com um gemido, cada pedacinho do corpo ansiando pela presença masculina.

-Kemal...você aprendeu bem a arte da tortura, não é?

A risada dele a enterneceu, apesar da frustração que sentia. Ele estava contente e isso fazia seu coração explodir de alegria.

Refazendo-se, ele perguntou:

- Almoçamos juntos, hoje?

- Claro! Você pode me pegar após o ensaio.

- Perfeito! Assim terei você de novo um pouquinho só pra mim... - ela sentiu um arrepio por ouvir o modo doce como ele disse isso. Ele continuou - Hayat...eu não creio que Nene te diga alguma coisa, mas se isso acontecer, avise que conversaremos os três, assim que chegarmos. Não quero que haja nenhum problema entre vocês.

Sentiu-se aquecer. Sabia que ele não a deixaria enfrentar qualquer cobrança sozinha.

- Tudo bem, amor.  Antes de voltar, vamos até a empresa de organização do casamento. Precisamos discutir alguns detalhes finais com a cerimonialista.  Depois, se necessário, conversaremos com Nene.

Despediram-se. Por fim levantou-se, sentindo no corpo os sinais da noite anterior. Tirou o forro, o rosto quente por lembrar-se das coisas que tinham feito.  Era tudo tão íntimo e, ao mesmo tempo, tão maravilhoso. Nada que pudesse ter lido ou visto a teria preparado para o que realmente tinha sido. Queria experimentar tudo que um homem e uma mulher poderiam fazer juntos, sem pudores ou medos. E, pelo que já tinha provado, ele seria um mestre paciente e generoso ao conduzi-la na arte de amar.

Saiu do quarto, tentando ouvir algum som que indicasse a presença de Nene. Tomara que ela não reparasse no fato de trocar a roupa de cama colocada recentemente. Entrou na cozinha, agradecendo por encontrar o ambiente vazio, mas a mesa posta indicava que Nene já estava de pé. Foi direto até a pequena área de lavanderia e, ao voltar, deparou-se com a avó servindo uma xícara de café. 

Cumprimentou-a, disfarçando o nervosismo. Por um segundo, quase se arrependeu pelo que tinha acontecido.

- Bom dia, Nene.

A avó aproximou-se. Ofereceu a ela a xícara que segurava. Ayla agradeceu desviando o olhar dos olhos sagazes. Nene poderia ler em seu rosto o quanto se sentia constrangida?

- Bom dia, Ayla. – o tom era sério. Sem rodeios, Nene perguntou:

- Você ficou sozinha ontem a noite, filha?

Buscando com calma as palavras, respondeu:

- Nene...a gente pode ter essa conversa mais tarde? Kemal vem comigo depois do almoço e...- a avó a interrompeu, puxando-a para que se sentassem.

- Ayla, eu não me preocupo com o que você e Kemal tenham feito, filha.- apontando para o quarto, continuou - O que acontecer daquela porta pra dentro, contanto que você esteja feliz, só diz respeito a vocês.

Ayla sentiu um peso sair de suas costas:

- Vovó, eu...amo muito Kemal.- abaixou o olhar, embora não sentisse na avó nenhum sinal de condenação.- Nós não queríamos fazer nada pra te decepcionar.

Nene levantou seu rosto, fazendo com que seus olhares se encontrassem:

- Nada que um homem e uma mulher apaixonados e livres façam entre quatro paredes é errado, Ayla. Vocês serão marido e mulher daqui a poucos dias. Quando as matriarcas te disseram que se mantivesse pura até o casamento, eu achei um exagero. Eu não esperava que ...você sabe.Só exigi que vocês se casassem logo, porque vi modo como vocês dois se olhavam! Pra que atrasar o inevitável? Além do mais, você morou onze anos em outro país, longe de meus cuidados...teve tempo de sobra pra viver a sua liberdade como bem quis. Eu não vivo no mundo da lua, filha! 

Ayla esclareceu:

- Eu me mantive pura, Nene. Kemal...- os olhos se encheram de lágrimas ao confessar- foi o meu primeiro.

Sentiu-se abraçada. Nene acariciava seus cabelos, acolhendo-a em sua timidez.

- Minha Ece! Eu não esperaria menos de você- dando-lhe um tapinha sobre uma das mãos, acrescentou divertida:- e eu acho que deve ter valido a pena, não é? Olhando pra Kemal...que homem!

-Nene!- não pôde evitar o constrangimento.

A avó riu alto. Logo em seguida, voltou ao tom de seriedade inicial.

- Eu perguntei se tinham ficado a sós não por preocupar-me com vocês, filha. Eu me preocupava por Narin.

- Narin?

-Sim, Narin. Sua prima disse onde iria ontem à noite?

- Não, Nene. Ela apenas disse que tinha um compromisso e saiu, logo que Kemal chegou.

Uma expressão preocupada tomou o rosto de Nene.

- Filha...eu sinto que Narin tem andado por caminhos escuros e tristes a procura do que nunca pertencerá a ela. Nem todas as mulheres tem a sorte de encontrar o amor verdadeiro no sentimento de um homem, Ayla. Narin, infelizmente, é uma delas.

Ela ouvia atenta o que Nene dizia.

- Sua prima tem um sentimento puro por Tarik, Ayla.

Surpresa, arregalou os olhos.

- Narin sempre amou aquele homem. Por mais que ela tente disfarçar, alguns sinais são impossíveis de se esconder. Mas ele não a ama. Apenas se aproveita do fato de que ela gosta dele.

Ayla se perguntava como Nene sabia essas coisas. Como se tivesse lido sua mente, ela explicou:

- Pra muita gente, algumas coisas passam despercebidas. Mas, quando você ocupa um papel de mãe na vida de alguém, ainda que seus olhos não vejam, o seu coração sempre sente. Todos esses dias com a desculpa de que ela faria companhia pra você, eu consegui mantê-la longe daquele tipo. Eu temo por ela, filha. Muito.

O coração de Ayla se mantinha pequeno, como se uma mão invisível o apertasse. Não era a única a ter temores em relação a Tarik.

- Eu preciso mesmo conversar com Kemal. É bom que ele venha depois do almoço. – Nene levantou-se, encerrando a conversa.

Ayla foi para o quarto, a cabeça remoendo tudo que ouvira. Terminou de arrumar-se e já apanhava o violino, no exato momento em que a campainha soou.

Ao chegar na sala, deparou-se com a prima cabisbaixa. Uma sombra roxa sob um dos olhos, como se alguém a houvesse agredido. Com um olhar aflito, Nene sinalizou que não dissesse nada. 

Disfarçando o mal estar, Ayla despediu-se apreensiva. 

Conversaria com o noivo sobre tudo que a avó dissera. Se Tarik fizera aquilo a Narin, Kemal saberia o que fazer.


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