Perigo à espreita

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Tarik

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Tarik

Ele tentava controlar o ódio, enquanto o casal do outro lado da rua se despedia. Do beco escuro onde se encontrava, pôde observar bem a cena: ela estava de frente, absorta na conversa. Viu quando Kemal apanhou o celular e digitou algo que Ayla dizia. Deduziu que fosse o número telefônico dela. Ambos sorriam. Cerrou os punhos, respirando pesadamente. O sentimento de raiva subiu à cabeça, despertando-lhe um desejo profundo de...machucar alguém. Ela estendeu os dedos, acariciando de leve o rosto de Kemal, que devolveu a carícia beijando-a na palma da mão. Projetou o tronco involuntariamente, tentando ver melhor. O desgraçado ousara tocá-la. 

O som de um cão latindo próximo o distraiu. O latido também chamou a atenção do casal. Kemal sinalizou em direção à casa, como se dissesse a Ayla que entrasse. Ela encaminhou-se para dentro, acenando. Ao perceber que Kemal observava fixamente na direção onde se ocultava, escondeu-se mais nas sombras. Pouco depois a porta do carro batendo e o barulho do motor, indicaram a partida. Assim que o silêncio retornou, saiu do esconderijo, avistando apenas a frente da casa vazia. 

Acendendo um cigarro, deu uma tragada longa. Sentia uma veia latente na fronte. Precisava de uma distração. Essa seria uma longa noite.

Kemal

No início da tarde seguinte, receberam o chamado no distrito: uma prostituta encontrada morta às margens do rio. Já no local, avistou alguns colegas a postos, cuidando da varredura no trecho da área portuária, na tentativa de achar indícios que levassem ao assassino. Cumprimentou a todos e dirigiu-se ao lugar onde estava o corpo: um antigo contêiner  de refrigeração abandonado. Um cheiro forte de mariscos podres e outros dejetos revirou-lhe o estômago. Cobrindo o nariz, aproximou-se da mulher abaixada, tocando-a de leve no ombro. Ela ergueu a cabeça e acenou um cumprimento rápido.

-E então, Leyla?- ele tirou os óculos de sol, mordendo uma haste, enquanto retirava do bolso o pequeno bloco e uma caneta, para anotar qualquer detalhe importante.

- O de sempre: lenço de seda jogado no rosto da vítima, rosa vermelha na mão esquerda, vinho tinto no corpo, uma única taça.

Ele ouvia atento.

- Mas...- ela fez uma pausa, apontando o rosto da vítima.- dessa vez, o nosso homem extrapolou- ergueu o lenço vermelho mostrando os hematomas causados na face desfigurada.

Kemal conteve a respiração. O tempo na profissão nunca seria o suficiente para que se tornasse indiferente a algumas cenas. O cretino arruinara o rosto da mulher. Recuperando o raciocínio, perguntou sobre os pertences da vítima. Leyla apontou uma pequena bolsa de couro num canto. Ele consultou o conteúdo: preservativos, goma de mascar, uma seringa, um pouco de dinheiro e a identidade: Deren Koç, 28 anos. 

- Os rapazes já puxaram a ficha e perguntaram sobre ela aos estivadores que trabalham por aqui, Kemal. A moça não é da área. Passava de vez em quando para comprar drogas, ou para usar os contêineres como ponto de encontro com algum cliente, mas é oriunda da comunidade Rom. Trabalhava nas adjacências do bairro cigano.

-Estranho... - ele comentou- não houve nenhum evento por lá nesses dias.

Leyla aquiesceu.

- Então essa infeliz deve ter sido pega num impulso.

Kemal fez algumas anotações. Quem quer que fosse, o desgraçado estava perto demais da comunidade. Este era um fato incontestável. Observou mais de perto, enquanto Leyla finalizava o trabalho inicial no corpo. O exame minucioso na boca inchada, revelou uma surpresa: com a pinça, a perita retirou cuidadosamente o papel enrolado que se encontrava sobre a língua da moça. 

'Por minha Ece...'. 

Apesar das letras borradas, puderam ler a inscrição de sempre. Os olhares de ambos se cruzaram. Enquanto a perita acondicionava a prova num saco plástico, ele afirmou, com a voz tensa: 

- Você tem razão, Leyla. Ele parece estar com raiva. 

Despediu-se após colher mais algumas informações. Aquele caso estava se tornando o motivo da sua insônia. Supor que o assassino solto tinha uma grande proximidade com Sulukule o inquietava. O estresse constante estava cobrando seu preço: um nó formado no ombro, há dias, causou-lhe uma fisgada forte nas costas. Precisava espairecer, ainda que por pouco tempo.

Lembrou-se de Ayla. O modo como ela o desarmava, embora houvesse  uma tensão entre eles. Exitou por um momento, mas, antes que pudesse pensar muito, viu-se procurando o número salvo na noite anterior e realizando a chamada.

Ayla

- Como é na Itália? – o garoto afoito ao seu lado tinha os olhos brilhantes e um sorriso largo no rosto, enquanto a acompanhava de volta pra casa. Ozan, filho de sua prima Narin, era um de seus alunos no projeto. Ele parecia bastante entusiasmado com o violino. 

Preparava-se para responder, quando sentiu o celular vibrando na bolsa. Não pôde evitar o sorriso ao ver o nome no visor.

- Kemal! Oi!- queria ter soado menos entusiasmada, mas foi inevitável.

- Oi...tudo bem, Ayla?- após uma pausa breve, continuou- podemos nos ver hoje?

'Direto ao ponto'- ela pensou.

- Sim, Kemal. Nene vai ficar muito feliz ...

Ele esclareceu:

- Pensei em sairmos, só nós dois, Ayla. Eu preciso conversar com alguém, me distrair um pouco. – ela ouviu um suspiro pesado do outro lado da linha.- temos um caso difícil nesse período. Eu não consigo relaxar, entende?

- Ok...só me diga o horário e onde vamos.

Ele informou que iriam a um concerto de música tradicional, um grupo que gostava muito se apresentaria naquela noite, queria que ela os conhecesse. Passaria às oito e meia. Tudo combinado, despediram-se. Ela guardou o celular na bolsa, o coração palpitando forte.

Recriminou-se mentalmente por sentir-se como uma adolescente prestes a enfrentar o primeiro encontro. Por falar em adolescente, voltou à realidade, lembrando-se de Ozan que ainda a acompanhava. 

Controlando a empolgação pelo encontro de mais tarde, retomou a conversa interrompida pelo telefonema. 

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