Chegadas e partidas

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No saguão lotado, diante do portão de desembarque, Kemal foi a primeira pessoa que Ayla viu

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No saguão lotado, diante do portão de desembarque, Kemal foi a primeira pessoa que Ayla viu. Sentiu as velhas borboletas despertarem, num vôo delicioso, em seu estômago. 

'Controle-se, garota!' - ordenou mentalmente. Ajeitou melhor o cabelo, arrependendo-se por não ter se arrumado um pouco mais antes da aterrissagem. 

Kemal...um flashback trouxe à memória o garoto que conhecera assim que ele fora entregue aos cuidados de Nene, a matriarca do clã, quando os pais dele morreram num acidente. Voltaram à sua mente as brincadeiras no quarteirão, a forma como ele sempre a protegia, especialmente após...interrompeu o fluxo, fixando a figura masculina atraente. Ele estava encostado numa pilastra, a cabeça inclinada, os olhos castanhos tinham a mesma luz, o sorriso torto indicando que já a tinha visto. Ayla não pensou duas vezes. Acelerou o passo. Encontraram-se no meio do caminho.

Ele também sentira o impulso de alcançá-la para o abraço tão sonhado. Onze longos anos desde que ela decidira sair de Istambul. E eles tinham se encontrado uma única vez, na noite do concerto em Milão há seis anos.

-Kemal - com a voz rouca e embargada, Ayla agradeceu - eu disse a Nene que não precisava. Eu podia pegar um táxi.

- Jamais. - ele respondeu estreitando o abraço, tentando desviar do estojo do violino nas costas delicadas - assim que soube, eu me prontifiquei a vir. Imaginei que mais alguém soubesse da sua chegada.

Um flash indicou que as suspeitas de Kemal se justificavam. Alguns repórteres se aproximaram. Agora ela era uma violinista de renome, conhecida em toda a Europa, mas o evento trágico em que perdera os pais, era um atrativo a mais para a imprensa. 

-Srta. Nehir, o que a trouxe de volta a Istambul?- um deles questionou.

-Quanto tempo a Srta. vai ficar?- outro, perguntou.

-Algum projeto à vista. Srta. Nehir?- e as perguntas e flashes se sucederam.

Kemal tentou afastar a imprensa. Antes que fosse mais incisivo, Ayla tocou seu braço e, num gesto de cabeça, sinalizou tranquilidade. Calmamente, dirigiu-se aos repórteres:

- Agradeço o interesse de todos. Não há nada de extraordinário no fato de que eu esteja de volta a Istambul. Esse é o meu lugar no mundo. Aqui estão as minhas raízes. Ainda não tenho nenhuma proposta concreta, mas tenho sim, um projeto. Por enquanto é só, ok?

Em meio ao burburinho de vozes afoitas, uma pergunta se destacou:

- E como a srta. lida com as lembranças?

Um leve tremor nos lábios, uma sombra nos olhos cor de avelã, indicaram a Kemal que ela sentira o impacto da pergunta. Segurou-lhe o cotovelo e aproximou-se um pouco mais. Ela prosseguiu:

- Sofri tempo bastante por coisas que não podem ser mudadas. O que houve entre meus pais foi trágico e triste, mas impactou positivamente uma comunidade, alterando tradições e costumes que traziam muitos problemas. Infelizmente, aconteceu, mas...eu encontrei na música um caminho. Aproveitei a oportunidade que me foi dada e me refiz. É isso.

Erguendo o olhar, buscou em Kemal a ajuda necessária para sair dali. Sem pensar duas vezes, ele a conduziu para a lateral, dispensando um ou outro repórter insistente. Ofereceu ajuda com a bagagem. Ela segurava uma mala de tamanho médio, mais a bolsa pequena à tiracolo e o violino.

-Tem mais alguma coisa?- Kemal perguntou, intrigado.

Num suspiro profundo, ela respondeu:

- Como nos ensinaram os antigos, com seu modo de vida: 'Para que a sua chegada seja tranquila, ao partir, leve apenas o essencial'...vamos?

Ele sorriu. Ela não esquecera as velhas lições. 'Ayla, Ayla...'

-Tem alguma reserva?

A mão delicada e macia encontrou abrigo entre os dedos fortes e quentes de Kemal.

-Para a casa de Nene, Kemal. Eu tenho muito tempo perdido pra recuperar com minha avó. E eu vim pra ficar.

Com o coração palpitante, ele a conduziu até o estacionamento.

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