Amor é sorte

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Os olhos sagazes de Nene sondavam Narin.

- Você está mais calma, filha?

Há meia hora estavam sentadas na sala, o olhar triste da outra fixando o vazio, como se buscasse respostas sem conseguir enxergá-las. Depositando a xícara do chá que bebia sobre o pires, ela finalmente falou:

- Nene...por quê? Por que para algumas pessoas o amor parece vir tão facilmente, enquanto que pra outras...- a voz embargada impediu que continuasse.

Alcançando uma das mãos esguias apertadas sobre os joelhos de Narin, Nene prendeu-a entre as suas, arriscando uma carícia. Manteve o silêncio. O momento ainda não era para respostas. Apenas de escuta e respeito. A jovem precisava sentir-se acolhida para, enfim, revelar o que acontecera. Já vira a mesma dor em outras mulheres. Infelizmente, mais do que gostaria de ter visto. Deixou que a moça colocasse a cabeça sobre o seu colo. Alisando os cabelos escuros, cantou o trecho de uma antiga canção no dialeto:

"O amor é pra quem tem sorte, mas sofrer te faz forte..."

Depois de alguns momentos, Narin finalmente se ergueu, limpando os olhos e tentando se recompor.

- Tarik e eu...a gente se encontra já há algum tempo. Eu gosto muito dele. - constrangida, assumiu o que Nene já desconfiava - ontem à noite ele me bateu, Nene. Não foi a primeira vez, mas agora...foi como se ele me odiasse. Tarik...ele...ele quer a Ayla. Sempre quis.

Nene estremeceu. Era esse o seu medo.

- Eu sei, filha - suspirou, temerosa- eu sempre soube. Foi por isso que eu não pensei duas vezes antes de enviá-la pra bem longe quando ele e o pai começaram a questionar minhas decisões - fez uma pausa, escolhendo bem as palavras. Precisava ser dura, mas não queria ferir mais a moça - e também sei que você vem aceitando menos do que merece na esperança de conquistar o coração de Tarik, não é, Narin?

Ela abaixou a cabeça, as lágrimas voltando a cair. Nene aguardou alguns instantes. Diante do choro convulsivo, continuou:
- Por mais difícil que seja, é melhor se afastar de vez desse homem. Não há como encontrar o amor onde ele nunca esteve, filha. Tarik não é digno de você.

Narin assentiu. Mais calma, contou a Nene o que tinha acontecido na noite anterior.

- Ontem eu saí pelos fundos quando Kemal chegou. Já na rua, vi quando Tarik entrou no beco, do outro lado. Eu sei que há alguns dias ele vem observando a casa.

Sua expressão deve ter denunciado a preocupação que sentiu diante da informação. Narin se justificou:

- Eu tive medo de dizer. Se Kemal fosse tirar satisfações com Tarik, Nene...faltam poucos dias para o casamento. Ele e Ayla estão tão felizes! Não é hora de confusões.

Nene se levantou, a mão esfregando a testa, uma leve dor de cabeça incomodando. Narin prosseguiu com o relato:

- Eu fui até lá e perguntei por que ele estava espiando. Tarik negou, disse que iria até a casa de um conhecido. Eu disse que iria com ele, que depois poderíamos...ficar juntos. - fechou os olhos, como se tentasse fugir das lembranças - foi aí que ele me bateu - abaixou o tecido de sobre os ombros, mostrando a pele coberta de marcas escuras, semelhantes à que tinha sob o olho.

Nene sentiu asco e revolta diante do que viu.

- Ozan continua indo ao galpão, Narin?

Ela confirmou com a cabeça.

- Você não vai mais deixar que ele vá.- erguendo-lhe o queixo, continuou - Tarik não é uma boa influência para o seu filho. Deixe que ele participe das aulas com Ayla . E eu vou falar com Zafer para conseguir alguma atividade em que ele possa ser aprendiz, quando não estiver na escola. Você entende que aquele homem não quer a sua felicidade, Narin?

-Sim, Nene.

- Kemal vem essa tarde. Vamos contar o que aconteceu.

Narin apertou o braço de Nene, a outra mão tocando a marca roxa debaixo do olho.

- Nene...eu não quero criar problemas.

- Narin, o problema quem criou foi Tarik, ao achar que poderia te agredir impunemente. Kemal é policial, noivo de Ayla e, acima de tudo, um de nós. Você acredita mesmo que ele deixaria isso passar?

Colocou a mão sobre o ombro da jovem. Num tom pesaroso, concluiu:

- Eu já vi muitas de nossas mulheres suportarem agressões por medo do que poderia acontecer se contassem o que sofriam. Algumas delas, infelizmente, não sobreviveram, mas a grande maioria das que pediram ajuda, conseguiram se livrar. Você quer ver o seu menino se tornar um homem, filha?

Narin assentiu.

-Nene, eu vou contar tudo a Kemal. E também para Ayla. É melhor ela não se arriscar.

Um calafrio incômodo atravessou a espinha de Nene.

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