Lavanda e saudade...

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AYLA

A automassagem com óleo de lavanda e rosas durante o banho e o calor do çay que preparara, há pouco, começavam a surtir o efeito esperado: sentia o corpo relaxando contra a maciez das almofadas.

Sorveu mais um gole da bebida de olhos fechados, apreciando a melodia sensual do saxofone soando baixinho no ambiente tranquilo do quarto.
Uma das coisas que mais gostava de fazer antes de dormir era ouvir um bom jazz. Adquirira o hábito nas noites solitárias em Milão, quando geralmente estava cansada demais para sair para alguma boate badalada com as amigas, preferindo aproveitar o silêncio do quarto e sonhar com o futuro. Sorriu olhando cada detalhe da decoração simples, mas aconchegante, constatando que enfim alcançara o tal 'futuro'. Amava a vida que estava vivendo agora: contribuía para o resgate cultural do seu grupo, morava junto da avó tão amada e, em poucos dias, se casaria com o homem mais maravilhoso que já conhecera.

Antes do banho, tinha organizado nas gavetas da cômoda o enxoval íntimo dos dois. Ao agradecer a Narin, na véspera, por tê-lo ajudado na compra das peças lindas e de boa qualidade, recebera a resposta que a surpreendera: ele tinha escolhido, pessoalmente, quase tudo. A prima admitira ter ficado encantada com o bom gosto de Kemal.

- Agradeça a Allah, Ayla. Seu noivo é o tipo de homem que toda mulher sonha em encontrar.

Ela sabia bem. Por isso, queria tanto que o fim de semana chegasse e que pudesse estar com ele todos os dias, pelo resto da vida.

A luz âmbar do abajur dava ao quarto um tom de calma e aconchego. Era tudo que precisava. Com os preparativos do casamento já resolvidos, dedicara-se intensamente aos trabalhos para o evento de inauguração do projeto. Estava feliz porque faria sua estreia musical com o grupo bem ali, em Sulukulê. E, para aumentar sua satisfação, o maestro receberia a homenagem tão merecida, após todos os anos favorecendo os estudos de tantos jovens, incluindo ela e Kemal. Zafer acertara e muito em aproveitar aquela ocasião.

Fora surpreendida com a chegada dele e da esposa para o jantar, a convite da avó. Sentira-se tocada com a surpresa. Tinham trocado um abraço triplo, cheio de nostalgia e, da sua parte, muita gratidão. Fora bonito presenciar o reencontro entre Nene, tia Alide e o velho amigo de infância. Os três tinham crescido juntos pelas ruas do distrito cigano e saber que tinham mantido vivo o laço da amizade, era reconfortante.

' Nem o tempo, nem a distância nos roubam sentimentos sinceros de fraternidade e amizade, minhas irmãs queridas. Eu me senti de novo um menino nessa noite.'- o velho Nihan dissera emocionado ao despedir-se. Ayla testemunhara, comovida, o abraço entre os três.

Nene tinha se recolhido tão logo Tia Alide e o marido tinham saído. A avó estava radiante com a chegada da irmã mais nova. Recebera com surpresa e satisfação o presente de casamento trazido pela tia: uma variedade de óleos corporais, cremes hidratantes, sabonetes artesanais e sais de banho, produzidos na pequena propriedade rural da família, na região de Isparta. Ela se encantara pela delicadeza e qualidade dos produtos dispostos na caixa rústica. Não pôde evitar a excitação ao imaginar o quanto ela e Kemal aproveitariam o presente. Pretendia ir com ele conhecer a vila de Kuyucak, onde tia Alide residia, tão logo pudessem. O lugarejo era famoso em toda Turquia pela produção de lavanda.

Aspirando o perfume no pulso pensou mais uma vez no noivo, cheia de saudade. O jantar só não tinha sido perfeito, pela ausência dele. Até o início da noite, ainda tinha esperanças de que ele conseguisse chegar a tempo, mas suas expectativas tinham sido frustradas pela chamada rápida em que ele se desculpara por não conseguir vê-la naquela noite.

Compreendia a situação mas sentia-se tomada pela frustração. Estava louca de vontade de se jogar nos braços fortes e sentir o turbilhão de sensações deliciosas que ele despertava em cada fibra de seu ser.

Espreguiçou-se, langorosa. Pegando o celular, fez uma série de fotografias do presente. Escolheu a que lhe pareceu melhor e decidiu enviá-la ao noivo.

'Olha o que tia Alide nos deu! Mal posso esperar para usarmos juntos o nosso presente... İyi geceler, aşkım!'

Enviou a mensagem e foi até a cozinha levar a xícara vazia. Enxugava as mãos após lavar o utensílio, quando viu a luz na tela do aparelho piscando. Apressou-se em ver a resposta.

' Podemos usar agora, se você concordar em abrir a porta pra um homem morto de cansaço, mas apaixonado demais pra ir pra casa sem dar um beijo na noiva mais linda do mundo...eu estou aqui, meu amor.'

Sentiu as pernas amolecerem e um calor gostoso se espalhando no baixo ventre. Kemal estava bem ali.

Voou até a sala, mal acreditando ao abrir a porta e deparar-se com a figura alta e forte recostada no batente, segurando uma rosa vermelha.

Ao ver o sorriso no rosto cansado, sentiu-se derreter.

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