AYLA
Ainda de olhos fechados, sentiu que alguém batia de leve em sua face. Provavelmente, tivera uma queda de pressão. A imagem de Kemal, bem ali, fora demais para suas emoções.
Ouviu as vozes de Rayna e Anelia e uma voz masculina, que não reconheceu, traduzindo o que elas diziam:
- Elas estão preocupadas, abi. Disseram que é melhor ter cuidado. Parece que a garota está... grávida.
- O quê? – Aquela era a voz de Kemal. Era mesmo ele. E acabara de saber, da forma mais inesperada, que ela esperava um filho.
- Ayla... –Ele a chamou baixinho, a mão macia alisando seu rosto. – eu estou aqui! Aşkım, fale comigo, por favor...
- Kemal! – abriu os olhos lentamente, deparando-se com o olhar emocionado do noivo. Acariciou a barba avermelhada, as sobrancelhas espessas, as maçãs do rosto perfeitamente entalhadas. Ele prendeu-lhe as mãos, beijando-as calorosamente.
- O que essas mulheres estão dizendo... – os braços dele envolviam-na, protetores - Você está grávida, amor?
- Não era pra você saber assim. – sorriu, sem graça, tentando erguer-se. Ele a deteve, o olhar varrendo seu corpo de cima a baixo, como se buscasse sinais da novidade ou uma confirmação de que estaria bem. – Eu já me sinto melhor.
Ele ajudou-a a sentar, recostando-a contra o próprio corpo. Galena se aproximou, oferecendo água. Aceitou, bebendo pequenos goles, conforme Rayna orientava. O rosto tenso demonstrava preocupação.
- Ayla, tudo bem?
- Sim, Rayna. Foi só o susto... vocês podem nos deixar um momento? Preciso conversar com meu noivo. – As mulheres concordaram e todos desceram, deixando-os sós.
Kemal fez com que girasse o tronco, prendendo-a num abraço apertado. Ela se rendeu, ainda temendo que fosse tudo um sonho.
- Ayla! Você está esperando um bebê, amor! O nosso bebê!
Ele não conteve as lágrimas. Ela também se deixou levar pela emoção sentindo a mão grande que abarcava seu ventre, tocando-a com carinho e reverência.
- Eu não via a hora de te contar...
Ele deu um suspiro profundo, carregado de mágoa.
- E você estava sozinha quando descobriu...aquele desgraçado! Ele nos roubou um momento tão especial...
Depositou os dedos sobre os lábios macios, impedindo-o de prosseguir.
- Eu também queria que estivéssemos juntos – depositou a própria mão sobre a mão dele- Mas, você esteve comigo o tempo todo, Kemal! O bebê... é você dentro de mim, amor! Isso me deu tanta força!
Ele abaixou a cabeça beijando seus lábios, suavemente. Em seguida, escondeu o rosto em seu pescoço, enquanto distribuía beijos delicados em sua pele.
- Kemal, isso faz cócegas!
Um pigarro chamou-lhes a atenção. O rapaz que o acompanhava apareceu.
- Abi, logo vai escurecer. Tenho que voltar para o hotel.
Kemal recobrou-se, levantando-se e ajudando a se erguer. Fez as devidas apresentações.
- Ayla, esse é Cemil, ele é filho de um casal de turcos que tem um hotel em Malko.
O rapaz, confuso, estendeu a mão para cumprimentá-la.
- Então, essa é a sua noiva? Mas...
Kemal confirmou.
- Sim. E, por enquanto, é tudo que posso dizer. Agora, eu preciso que você me ajude como tradutor. É possível?
O rapaz concordou. Kemal a ajudou-a a descer e se juntaram às mulheres.
- Ayla, você pode explicar o que vocês pretendiam fazer?
- Elas me levariam até um hotel, creio que o mesmo dos pais de Cemil, já que os donos são turcos - Rayna traduziu para Anelia, que confirmou a informação. - Na volta, passariam a noite na cabana para que todos pensassem que estavam seguindo com o ritual de preparo para o casamento. Amanhã, pela manhã, revelariam a minha 'fuga'. Creio que ainda é o que pretendem fazer.
Ele balançou a cabeça, em negativa.
- Você confia em mim, Ayla?- perguntou, sério.
- Com toda a minha vida, Kemal.
- Cemil, traduza o que eu vou dizer, por favor. – apertando sua mão, continuou – avise às senhoras que teremos um pequeno ajuste nos planos.
KEMAL
- Isso só não está mais gostoso do que você, Ayla...- piscou maliciosamente enquanto lambia os dedos da mão que acabara de colocar o último pedaço de pão com molho de carne em sua boca.
Eles apreciavam a refeição simples que fora servida como jantar.
- Kemal! – ela lançou um olhar envergonhado na direção das mulheres.
- Você sabe que eu não resisto a uma 'comida' gostosa, ainda mais assim!- beijou os dedos delicados, fazendo-a corar.
- Amor! - ela o repreendeu- você está me deixando envergonhada...
Fez um carinho leve na bochecha avermelhada.
- Eu não posso evitar! Esses dias longe de você foram uma tortura, 'sevgilim'! Aliás, você me parece mais...voluptuosa.- Mordeu os lábios, enquanto o olhar langoroso descia na direção dos seios arredondados. - Eles parecem um pouco maiores. Se isso é um efeito da gravidez, mal posso esperar para ver como ficarão daqui a alguns meses!
- Engraçadinho! - estapeou-o no braço. Ele se esquivou, arrancando uma risada de Galena.
- Não precisa ficar tímida, amor! Além do mais- disfarçou um olhar na direção das mulheres- elas não entendem nada! Não se preocupe...
- Eu falar pouco abi, mas entender bem- Aquela que fora apresentada como Rayna respondeu num turco sofrível, deixando-o sem jeito e arrancando gargalhadas de Ayla e das outras, assim que ela traduziu o que dissera.
Limparam as sobras e em alguns minutos sorvia o chá digestivo que serviram. Não conseguia tirar os olhos de Ayla. Há poucas horas sua mente era um poço de incertezas quanto ao seu bem-estar. Agora, parecia um milagre tê-la ali, tão próximo.
Cemil retornara a Malko com a incumbência de trazer o grupamento assim que chegassem. Pensara em buscar a barraca e pernoitar fora ou ainda dormir na carroça, mas, ao revelar sua intenção, fora surpreendido com o convite para acompanhá-las. A simples menção de que a polícia procurava por Tarik deixara todas muito tensas, ainda que não tivesse mencionado os outros crimes. Assim sendo, acatou a sugestão e decidiu ficar na cabana.
O lugar era pequeno, mas aconchegante. Pelo que entendera, era usado exclusivamente nos rituais de preparação das noivas para as cerimônias de casamento. Na parte térrea, um cômodo amplo dividido ao meio servia de cozinha e sala. O mobiliário era rústico e funcional: apenas o indispensável ocupava o espaço. Uma pequena escada levava ao tablado superior que servia como quarto, onde peles tratadas faziam as vezes de parede. Ele e Ayla dormiriam ali, enquanto que suas anfitriãs ficariam na sala. Na parte externa, ficava o banheiro.
Terminado o çay pediu a Ayla uma toalha. Apesar do clima fresco, pretendia desfrutar das águas frias da cachoeira. A proximidade da noiva estava despertando 'ideias' deliciosas, mas totalmente impróprias para a situação. Um banho gelado lhe faria bem.
Assim que informou sua intenção, Ayla se convidou para ir junto. Mal a ouviu dizer que o acompanharia e seu corpo entrou em polvorosa. Sua boa vontade em se controlar, evaporou.
- Tem certeza que quer tomar banho comigo, hayatim? - provocou, dessa vez falando baixo, para que apenas ela o escutasse. Ela tinha a chance de resistir se quisesse.
Um sorriso misterioso foi a única resposta que obteve.
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O anjo protetor
RomanceO serial killer faz mais uma vítima. Kemal Aslan, investigador da polícia, segue determinado a solucionar o caso. Enquanto isso, Ayla Nehir decide fazer as pazes com o passado retornando às origens. Três destinos que se cruzam. Três vidas sujeitas à...