Sonhos se realizam

194 36 24
                                    

 AYLA


- Atiye! Assim não, filha!

A mãozinha rechonchuda espalhava glacê no cabelo ainda úmido do banho, enquanto a menininha lambia os lábios sujos de doce. Ignorando sua queixa ela abriu um sorriso imenso, deixando ver covinhas idênticas às do pai. Aquela visão sempre a derretia. Depois de quase dois anos e meio, ainda se impressionava como o quanto eles eram parecidos.

- Anne... gootooosa!- ela balbuciou a palavra que Kemal ensinara na semana anterior à viagem para Ankara. Sempre brigava por ele chamá-la assim na frente da filha, mas o marido fazia pouco caso e ainda ensinara a palavra a Atiye.

- Ok, mas você não quer que o seu baba te ache toda suja, não é?- Tirou o confeito colorido dos cabelinhos ralos com um lenço umedecido.

- Ok, ok...-a filha repetiu, arrancando-lhe uma risada. A fase de 'papagaio' da bebê era uma graça. Atiye era uma criança tranquila e encantadora, a paixão absoluta do pai. E de Nene, que acabava de entrar na cozinha. Ela foi logo pegando a bisneta no colo.

- Não brigue com a minha 'prences', Ayla...- a menina ria recebendo os beijos estalados da 'bisa'.

- Como se não bastasse Kemal, você também, Nene? – a avó mostrou a língua, ignorando completamente sua tentativa de bancar a mãe durona.

- A que horas nosso bonitão chega? - Nene perguntou, colocando a pequena de volta no cadeirão.

Olhou o relógio de parede, passando o antebraço pela testa suada. Tinha pouco tempo para finalizar a arrumação. - Só o tempo de deixar alguns documentos e relatórios no distrito e ele vem para casa. A última mensagem foi há uns 10 minutos.

Mal podia esperar. A promoção ao cargo de Comissário acarretara novas responsabilidades à rotina do marido, dentre as quais, a ida regular para Ankara onde ele participava de cursos e outras atividades relacionadas à função. Dessa vez a permanência se estendera por oito dias, quase uma eternidade para quem fazia questão de passar todos os momentos livres em família.

- Vá ficar cheirosa para o seu 'Kral', filha. Eu finalizo a limpeza por aqui. - a avó ofereceu.

- Nene, o que seria de mim sem você? - abraçou-a, agradecendo pela ajuda constante. Era uma alegria para ela e Kemal partilharem a vida com a avó. Ela jamais interferia na relação do casal e fora um verdadeiro anjo ao orientá-la nos cuidados iniciais com a bebê. Não por acaso, Atiye tinha uma ligação estreita com a bisavó.

Aproveitou o tempo para se cuidar um pouco. Após banhar-se, decidiu usar o vestido que ele lhe dera no aniversário de casamento. Aplicou uma maquiagem leve, prendendo os cabelos no coque frouxo de sempre. Kemal dizia que ela ficava ainda mais gostosa com esse penteado. Sorriu, lembrando-se da vozinha infantil de Atiye repetindo a palavra. 

Para finalizar a arrumação colocou o cordão de ouro  delicado que tanto gostava, o mesmo que recebera como presente, no noivado.  Aplicou um pouco de perfume, torcendo para não sentir enjoo. Mal podia esperar para ver a reação de Kemal à gravidez. Ele era maluco pela filha e sempre insinuava como seria bom se ela tivesse a companhia de um irmãozinho ou irmãzinha. O nascimento de Atiye não tinha afetado em nada o clima entre eles e, no final, o desejo de Kemal em ser pai mais uma vez se realizara antes do esperado.

No corredor, recebeu a menina quase adormecida nos braços. A avó mostrou o celular, justificando a saída.

- Narin precisa de ajuda. Parece que o pequeno Can está derrubando a casa aos berros!- informou que não demoraria e se foi, apressada.

Agradecia aos céus por Atiye não ter tido problemas com cólicas, como o neném da prima. Narin e Bedir, que tinham se casado pouco tempo depois deles, agora eram os pais de um garotão rechonchudo e lindo de três meses. O menino era só sorriso, exceto quando as dores de barriga o incomodavam. Aí, ai de quem estivesse por perto.

No quarto decorado com flores e bichinhos acomodou a pequena, cobrindo-a com o cobertor macio. Teriam que providenciar uma cama infantil em breve, liberando o bercinho para o novo membro da família. Beijando de leve a cabecinha perfumada, acionou a babá eletrônica, indo até a cozinha.

Colocando o suporte com a torta sobre a mesa, fez um pequeno furo lateral com o cabo arredondado da espátula. Pretendia ajudar o marido a cortar o primeiro pedaço, de modo que ele encontrasse o pingente de ouro em forma de sapatinhos de bebê que comprara como presente pelo aniversário dele.

Ouviu o barulho na porta da frente. Nene voltara logo. Os passos no corredor confirmaram o retorno da avó. Ela poderia ajudá-la pegando a caixinha aveludada que esquecera no quarto.

- Nene! Você pode pegar uma caixinha  que esqueci sobre a cômoda? É o presente de Kemal! Estou arrumando a torta para fazer uma surpresa!

Os passos seguiram em frente e ela foi até a geladeira pegar a cobertura que separara para finalizar o 'ajeito'.

De costas, percebeu a porta da cozinha sendo aberta.

- Eu espero que ele goste da surpresa, Nene! Vou esconder o pingente na massa e...- sentiu-se abraçada e erguida de encontro a um corpo forte e quente. Kemal! Um das mãos que a prendiam segurava a correntinha, o pingente delicado balançando entre os dedos longos.

 - Amor! Era pra ser surpresa! - Foi o que conseguiu dizer antes que recebesse um beijo cheio de saudade.

- Hayiatim! – ele sussurrou de encontro ao seus lábios, afastando o corpo para mostrar o presente - O que significa isso, amor?

Ela afastou-se colocando a mão na cintura e fazendo cara de indignada.

- Isso- prendeu a mão forte que segurava o cordão de ouro- é o seu presente! E significa, senhor Kemal Aslan, que em breve teremos outro bebê nessa casa!

Ele abraçou-a forte, rindo e gritando, enquanto beijava seu rosto e pescoço sem parar.

- Kemal! Assim você vai acordar Atiye!- tentou acalmá-lo, mas seu coração parecia prestes a sair pela boca. Surpresa, viu Kemal se ajoelhando aos seus pés e enlaçando-a pela cintura, enquanto beijava sua barriga e afirmava o quanto a amava.

- Você é a minha vida, Ayla! – a voz embargada entregava a emoção que ele sentia. – esse é o presente mais lindo que eu poderia receber, amor!

E foi assim que Nene os encontrou quando entrou na cozinha, alguns minutos depois.

O anjo protetor Onde histórias criam vida. Descubra agora