'Bittersweet'

254 39 6
                                    

Ayla

- Então, é um encontro?- a avó perguntou, pela segunda vez.

- Nene, nós vamos sair como amigos! É o que somos, não é?

Ayla piscou para Narin. Era bom que ela estivesse ali, assim, quando Kemal chegasse, Nene não o incomodaria com teorias de namoro. Ou, pelo menos, era o que esperava.

O som da campainha foi o bastante para que a avó saísse do quarto com a agilidade de uma garotinha. As duas riram. Antes que Narin a seguisse, Ayla a deteve:

- Obrigada por estar aqui! Eu não queria sair e deixá-la sozinha.- o sorriso aberto no rosto cansado fez lembrar a garota de quem tinha sido tão próxima, até o momento em que ela se casara. Narin fora uma das últimas na comunidade a ter um casamento arranjado. A tristeza nos olhos da prima no dia da cerimônia nunca se apagara de sua lembrança.

- Hoje é a noite do carteado, Ayla. As outras parceiras de jogo estarão por aqui em breve. Portanto - apontou a porta- saia logo desse quarto e fuja com seu príncipe, antes que vocês sejam bombardeados por um verdadeiro time de mães e avós.

- Narin...ele não é o meu príncipe! É Kemal! O nosso Kemal, lembra?

- Nosso?- uma risada alta ecoou pelo ambiente.- Ayla, nós duas sabemos que Nene tem boas razões para ficar animada! - ajeitando uma mexa em seu cabelo, a prima continuou -Ele sempre gostou de você, Ayla! Lembra da noite do Festival, quando vocês seguiram as lanternas rio abaixo e só foram encontrados na manhã seguinte? Seu pai queria te castigar e Kemal assumiu toda responsabilidade, para que nada te acontecesse...aproveite, prima! Ele já está na sua há muito tempo! - e se foi, deixando-a com a recordação viva daquela noite.

Uma das festas que mais gostava desde criança era o Festival em honra a Santa Sarah Kali. O auge dos festejos era a celebração do fogo, que o povo cigano considerava sagrado: os homens faziam uma imensa fogueira, as mulheres enfeitavam o ambiente e faziam pratos típicos, músicos tocavam, todos dançavam e se divertiam muito.

No fim da noite, acontecia o ritual da gratidão: os membros do clã faziam uma prece coletiva de agradecimento por todas as bençãos recebidas durante o ano, depois, depositavam lanternas acesas sobre as águas do rio, para simbolizar a força da luz em vencer as trevas. As pequenas chamas tremulando sobre as águas davam à escuridão um aspecto mágico.

No último ano em que participara, comentara entre amigos e primos seu desejo de seguir as lanternas para ver até onde chegariam. Mais tarde, enquanto todos festejavam, fora surpreendida por Kemal que, pegando-a pela mão, levou-a até um pequeno barco escondido entre a vegetação. Assim que as primeiras luzes desceram a correnteza, ele remou e os dois seguiram as lanternas por um bom tempo. Ela se recostara no peito dele e ambos, vencidos pelo cansaço da festa, acabaram adormecendo.

Foram acordados de madrugada pelos gritos de um dos rapazes do clã, que os encontrou aportados numa enseada do rio. O grupo tinha passado a noite inteira procurando por eles. Ela achou que levaria uma surra. O tempo inteiro, Kemal colocara-se em sua frente, defendo-a, enquanto seu pai, aos berros, demonstrava sua raiva. Nene intervira e tudo se resumira a um grande sermão e alguns dias de castigo.

Voltando ao presente, aplicou um pouco do seu perfume preferido num ponto estratégico no pescoço. Um pensamento agradável cruzava sua mente: 'meu príncipe...'.

Deu uma última olhada no espelho e foi ao encontro de Kemal.

Kemal

Talvez fosse o perfume que ele sentia, a luz âmbar no ambiente intimista, o estresse que o afetava nesses últimos dias, ou a soma de tudo isso, mas o fato é que ele mal conseguia manter as mãos longe dela.

Desde o instante em que tinham deixado a casa de Nene, passando pelo percurso que fizeram quase o tempo todo em silêncio, a única coisa que pensava era no quanto queria repetir o beijo da noite anterior.

Enquanto ela saboreava despreocupada o vinho e os petiscos que tinha pedido, ele nem conseguia beber água. E pensar que a convidara para relaxar...

'Que Allah, me ajude!'- tomou mais um gole de conhaque e fez uma prece silenciosa quando Ayla começou a dançar. Várias pessoas fizeram o mesmo. Ele agradeceu por não precisar se mover das almofadas onde estava recostado. Queria apenas apreciar a beleza dos movimentos sinuosos do corpo feminino. Ela sorria, acompanhando a música com trejeitos sensuais do quadril. Se ele tivesse que se sentir miseravelmente torturado pelo resto da vida, por causa do desejo que sentia, não importava mais. Só ver aquela cena, já compensava qualquer tortura.

Ela se aproximou, abaixando-se para falar com ele.

- Kemal, eles são maravilhosos!- Tomando um gole de água, voltou a dançar, deixando outra nuvem quente do perfume em suas narinas. Ele exalou forte. Voltando a controlar os pensamentos, agradeceu pela intuição que o fizera convidá-la para o show.

Assim que chegaram, levou-a até o camarim reservado para o grupo, para apresentá-la. O empresário era seu amigo de longa data. O estilo musical era bem interessante e diversificado, misturando música turca tradicional, com elementos das músicas Árabe, Europeia e Rom. Ele tinha certeza que ela gostaria. Fora uma agradável surpresa para todos descobrir que Ayla, a vocalista e o violinista tinham sido colegas no conservatório de Istambul. A conversa fluiu animada e ele se sentiu bem por poder conectá-la com o grupo: eles a convidaram para participar do próximo ensaio e, se o encontro fosse propício, para colaborar nos trabalhos da banda.

- Kemal!- ela praticamente saltou em seu pescoço quando saíram do camarim- Você tem noção do quanto isso me deixou feliz? Eu vou adorar fazer parte de algo tão potente...

Alguns gritos animados o chamaram de volta ao presente. Os acordes 'Djelem, djelem' soaram e o público foi ao delírio. A canção era considerada o hino oficial do povo Rom. Viu quando ela se aproximou com a mão estendida, um sorriso lindo no rosto afogueado, num convite mudo. Ele não poderia recusar. Posicionou-se às costas de Ayla, os braços abertos, enquanto ela dançava em círculos à sua frente.

Ao fim da música, os aplausos foram ensurdecedores. Ayla o abraçou, empolgada, tentando falar em seu ouvido. Ela não alcançou e ele aproximou-se mais, prendendo-a contra o corpo para perguntar o que ela havia dito. No mesmo instante, Ayla ergueu o rosto para repetir a frase. As bocas se roçaram, involuntariamente.

Ele não exitou. Prendendo-a pela nuca, colheu satisfeito o beijo que tanto ansiava.



* Nota da autora:

Leitoras queridas, nem sempre a rotina me permite ter a assiduidade que eu gostaria para atualizar! Conto com a paciência de vocês, ok? Se puderem, deixem o comentário com a opinião sobre a história ( se perceberem algum furo, HELP! Não tem equipe de revisão aqui, não! Rsrsrs...) e apertem a estrelinha para curtir os capítulos!

Obs.: O clip que postei com a música 'Djelem, djelem', não é de um grupo Turco! O Barcelona Gipsy Balkan Orchestra surgiu na Espanha em 2012, composto por artistas de diversas nacionalidades. Eles tem inspirações musicais que vão desde música Klezmer e Jazz Manouche, até a música Rom, passando por influências do Leste Europeu e outras regiões da Europa.

Postei apenas para trazer essa linda música, considerada o hino do povo cigano.

Um abraço.

Margot.

O anjo protetor Onde histórias criam vida. Descubra agora