Sebastian

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Como um presente depois da noite terrível que tive ontem, hoje choveu apenas um pouco pela manhã. O clima estava frio, lógico, mas ainda assim eu e Amerie saímos.

Obviamente ela odiou a ideia, e odiou ainda mais quando eu a acordei às seis da manhã. Mas era um velho hábito, eu acordava muito antes do nascer do sol quase todos os dias. Era a única hora do dia que eu podia aproveitar o absoluto silêncio, e fazer tudo que eu normalmente não podia, já que todos os empregados estavam dormindo a essa hora. Assim como meu pai e Anastacia. Dessa vez a única diferença foi que eu acordei e não chequei o celular, como fazia na maioria das vezes. Eu sabia que teria milhões de mensagens, sabia que a esse exato momento algum rumor já estava acontecendo, mas tudo isso não importava. Nada importava por quê eu acordei com Amerie Grimaldi em cima de mim, no mais profundo sono, e ainda assim estupidamente linda.

— Nós estamos indo para a praia? — Sua testa se franze, formando uma careta bonitinha. — Quer me matar Sebastian? Está frio.

Sei que ela detestou a minha ideia de início já que planejamos voltar o mais rápido que pudéssemos. Mas parecia errado ter trazido Amerie como um acessório apenas para participar do jantar terrível com a minha família, e embora ela não estivesse tão animada assim, essa era a minha forma de compensar.

— Então não deveria ter usado uma blusa tão decotada. — Falo, ganhando um dedo do meio em resposta. — Você mostra o dedo as pessoas? Que infantil.

— Você mostra o dedo as pessoas? Que infantil. — Amerie me imita, engrossando a voz de forma grotesca.

Solto uma risada curta, e junto suas bochechas com a mão que não estava no volante, me esticando para beijar seus lábios. Amerie não faz a mínima menção de que gostou, e pega seu celular em uma missão para me ignorar o resto da viagem.

Decido deixar ela em paz, e aumento um pouco o som que tocava alguma música de Debussy. Eu sabia reconhecer qualquer tipo de música clássica, já que meu pai era esnobe o suficiente para achar isso extremamente importante. Na minha opinião era uma idiotice, claro que a música era legal e tal, mas saber o nome de algum cantor refinado te tornava chique? Acho que não.

— É agora que você aparece com a serra elétrica? — Amerie me tira dos pensamentos, apontando para a avenida cheia de árvores que estávamos.

— Gostosa demais para morrer. — Falo convicto, e ela revira os olhos de forma exagerada.

Tenho certeza que ela ia falar mais alguma coisa, mas se cala quando percebe que chegamos na praia. Desço antes de Amerie, e contorno o carro para abrir a porta para ela, que parece estar paralisada com a vista.

Dou um sorriso convencido quando ela sai do carro, mas Amerie não nota. Não nota quando eu entrelaço os dedos nos dela e me aproximo do mar, toda as palavras dela parecem ter sumido agora. Sei exatamente como se sente, me senti assim no primeiro dia que vim aqui e em todos os dias depois. Era irresistível. Até mesmo nesse frio. O mar estava bravo como eu me lembrava que era, e uma parte de mim estava aliviado de saber que eu não era o único que gostava de ver isso.

— Como você conheceu esse lugar? — Amerie me pergunta assim que estamos na areia, que não era fofa e não afundava nossos sapatos.

Olho seu rosto maravilhado, e me forço a desviar o olhar. O receio me invade por apenas um segundo, mas desaparece tão rápido que parece nunca existir.

— Minha mãe me trouxe aqui. — Falo e hesito um pouco. — Quando eu tinha idade suficiente para entender que eu tinha escolha, ela me trouxe aqui.

Amerie fica em silêncio, me fitando com toda paciência que tem e paro novamente apenas para apreciar o momento. Seus olhos castanhos transbordavam curiosidade, mas eu sabia que ela não iria me perguntar nada. Ela era legal de mais para forçar alguém a falar de uma coisa que não quisesse, diferente de tudo que eu conhecia. Até mesmo de mim.

— Quando eu fiz vinte e um anos, minha mãe veio até a Noruega e exigiu falar comigo. Eu sempre a visitava, todo ano em épocas diferentes para que ninguém desconfiasse, mas ela nunca tinha vindo até aqui. — Ela assente, e sei que quer perguntar a minha idade, mas também parece querer saber da história. — Eu e ela nunca fomos próximos apesar das visitas. Sempre achei que ela não se esforçou o suficiente para ficar com meu pai, ou que não lutou o suficiente para ficar comigo. Ela engravidou aos dezoito anos, quando estava casada com outra pessoa.

— É humano ter raiva. — Amerie dá ombros. — Isso não faz de você uma pessoa ruim.

Ela me corta sem o menor pudor, e me olha como se sua opinião não fosse mudar nem se eu dissesse que gostava de comer ratos no café da manhã.

— Minha mãe sempre foi péssima em relacionamentos, fazia todas as escolhas erradas e sequer se preocupava direito consigo mesmo até eu fazer vinte e um anos. Ela sofreu um acidente de carro dois meses antes, foi um susto terrível mas ela ficou inteira, e aí tudo pareceu mudar. — Ignoro sua resposta e continuo falando. — Ela abriu uma floricultura em Winsconsin com o dinheiro que conseguiu com a venda de algumas jóias que tinha. Então esperou até o meu aniversário para vir me dizer que eu tinha duas opções. 

Olho para o chão de novo, mas não em uma forma de evitar seu olhar, acho que não seria possível existir e não ser totalmente transparente para ela. Amerie me conhecia mais do que qualquer pessoa, e nós dois só tínhamos passado algumas semanas juntos.

— Ela me disse que eu poderia esquecer assim como ela tudo que aconteceu, todos os erros, por que apesar de tudo. Nós dois tínhamos sido felizes nos momentos que passamos juntos. Eu poderia dizer sim, e então tudo sobre a Noruega e toda essa vida que eu sempre tive desapareceria. — Faço questão de voltar a olhar nos seus olhos antes de continuar. — Ou eu poderia continuar com o meu pai e ser o príncipe Sebastian.

Minhas palavras saíram amargas no final, e não precisei dizer mais nada. Amerie era esperta o suficiente para saber que eu não tinha escolhido a minha mãe e nem uma vida simples nos Estados Unidos, eu tinha escolhido um título a uma família. E escolhia todos os dias quando ignorava cada carta que ela mandava, cada ligação que fazia, e cada e-mail que escrevia.

— Deve ter sido difícil. — Ela murmura abaixando os olhos, e sinto um peso no peito.

— Foi difícil. Ela implorou para que eu fosse por meses e...

— Deve ter sido difícil para você ter que lidar com isso tudo tão novo. — Ela me corta, me fazendo ficar incrédulo. — Meu pai perdeu a mãe com catorze anos, e depois disso ele virou outra pessoa. Mal consigo imaginar você, que nunca teve a oportunidade de conviver com ela.

— Depois disso tudo, você está mesmo considerando achar como foi difícil para mim? — Uma risada seca sai da minha boca. — Você precisa acordar Amerie.

— Não vou julgar você. — Ela garante — Não sobre isso, sei que você acha que escolheu errado, e talvez esteja certo. Mas isso, a Noruega, o reino e até mesmo sua família, são as únicas coisas que você teve. Por que iria acreditar na sua mãe depois de anos e anos de erros?

— Por quê ela é a única família que tenho. — Suspiro irritado. — Meu pai teve um excelente filho, e eu cresci como um príncipe, mas nunca pertenci a família dele. Ele nunca, jamais, me aceitou como ela.

Amerie me encara por alguns segundos, e sei que eu continuo a olhando com raiva. O intuito dessa história toda era que ela quebrasse a imagem distorcida que tinha de mim, mas parecia não adiantar. Ela estava decidida a ficar na minha vida, e nem mesmo se dava conta disso.

— Bom, ela continua sendo sua família. O papel da família é amar e apoiar, e se ela faz isso, estão no caminho certo. — Ela estala a língua no céu da boca, virando em direção ao mar. — Não deveria se sentir culpado por isso Sebastian, não mesmo.


Aí ai esse Sebastian, tô com meu pano pra passar já!!!

Contrato azulOnde histórias criam vida. Descubra agora