Você realmente não leva jeito com facas

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Já é meado da tarde. Está quente e quase sem vento, mesmo em beiramar. O acampamento inteiro abriu espaço para, como Asnos disse "uma arena improvisada".

A areia foi devidamente separada, existe largos passos para que os movimentos ali centralizados não resultem em acidentes.

No centro, vejo Tavaras, suada e suja de areia, em pé. Vestindo suas calças de coro, blusa de pele de coelho e suas botas. Dessa vez, usa um tecido preto em volta da testa para segurar o suor. Simplesmente impecável. Em cada uma de suas mãos estão adagas de corte médio.

Já jogada aos seus pés está Maria, com uma certa dificuldade em se levantar. Seus cabelos estão presos no alto de sua cabeça, também veste calças de couro e blusa de coelho. Está suja de terra e suada. Não sabia que precisava vê-la vestida assim, até esse exato momento.

Como Maria estava desarmada, corro o olhar pela arena, a adaga que Maria deveria empunhar está jogada do outro lado. Tavaras a deve ter desarmado segundos antes.

Ali perto está Asnos, comentando com os outros conselheiros sobre o desempenho do treinamento. Ao lado está Antonieta e Berenice. Antonieta veste suas roupas de combate, já Berenice ainda está usando o vestido bege e o chapéu.

Antonieta fala com uma cara fechada, até reparar em mim, sorri e volta a prestar atenção em Berenice.

- Já fizemos isso uma centena de vezes! – Escuto Maria berrar com Tavaras. Tavaras estende a mão para ela, em uma tentativa de ajudar Maria a se erguer. Maria estapeia a mão de Tavaras, que por sua vez revira os olhos. Maria ergue-se do chão e caminha até sua adaga.

Tavaras repousa o olhar em mim. Eu a encaro por tempo de mais. Então ela diz em auto e bom som.

- Esse foi o primeiro dia do seu treinamento. Até a filha da copeira poderia arrancar uma faca da sua mão. Você tem grande potencial Maria. Basta deixar de ser preguiçosa. – Tavaras fala ainda de costas para Maria. Eu vejo os músculos de Maria se retorcerem.

- Eu não sou preguiçosa. – Ela balbucia. – Eu só não fui criada para ser uma selvagem! – Ela berra para Tavaras. Tavaras por outro lado sorri. Ela gosta desse joguinho de presa e caçador. Eu sou obrigada a sorrir de volta. Me aprochego junto a alguns marujos e observo o desenrolar da cena.

- Ah é mesmo, filha de um nobre. Mas e quanto ao outro lado da sua família? – Tavaras diz. Venenosa. Meu olhar corre até o outro lado da arena.

Maria junta sua adaga do chão e parte para cima de Tavaras. Tavaras vira-se rápido como um gato, passando a adaga da mão direita para junto a outra na esquerda e segura o pulso armado de Maria no ar. Eu conheço esse movimento e sei que o intuito era colocar as duas facas na jugular de Maria, porém, Maria pareceu também perceber. Com a perna esquerda chutou o punho de Tavaras que derrubou as duas facas no chão com um grunhido. Tavaras pareceu impressionada, com a perna direita derrubou Maria que por sua vez a puxou para o chão com o braço esquerdo. A briga pela adaga que restou segue firme. Tavaras bate o pulso de Maria no chão, o mesmo movimento que eu fiz no seu primeiro dia, mas dessa vez Maria segue com o punho cerrado, ela aprende rápido. O erro de Tavaras foi ter baixado a guarda. Com a mão esquerda Tavaras sobe para a garganta de Maria. Vejo de canto de olho Antonieta levantar de seu assento, sendo puxada de volta por Berenice.

Maria chuta o estomago de Tavaras a empurrando para longe. Tempo suficiente para respirar. No entanto, mais perto das facas de Tavaras. O olhar das duas se mantém firme por longos instantes. Tavaras corre em direção as suas facas, Maria ainda está bamba, então não consegue se firmar em seus joelhos. E é nesse instante que ela comete um dos seus muitos erros.

Maria arremessa a faca em direção a Tavaras, passando raspando por seu rosto, caindo a alguns passos de distância.

O acampamento inteiro fica em silêncio. Aquele foi um movimento imprudente, perigoso e muito desafiador. Tavaras parecia estar pegando fogo.

Tudo que aconteceu em seguida pareceu um borrão de cores e gritos.

Tavaras voou para cima de Maria, com as mãos nuas, deixou as adagas para trás e esmurrou a garota. Antonieta atravessou a arena em dois piscar de olhos em seu encalço estava Berenice, Berenice segurou Maria sacando sua faca e colocando em sua garganta, eu pude ouvir o "para o seu bem, fique quietinha".

Antonieta puxou Tavaras pela garganta a arremessando para trás "pegue alguém do seu tamanho gatinho psi psi psi" ela provocou. Tavaras estava cega de ódio.

Antonieta defendeu-se de cada investida muito bem. Conhece os pontos fracos de Tavaras e os usou de forma ardilosa. "não vale apena amor, ela é uma de nós agora" ela disse. Tavaras não queria machucar Antonieta e nem servir de entretenimento para os marujos ali presentes, por mais que esse espetáculo todo tenha sido uma demonstração de força.

- Não me obrigue a te machucar! - Tavaras gritou.

- Talvez eu goste. – Respondeu Antonieta, dançando. Berenice ainda segurava Maria que se esperneava.

- Eu vou dar uma surra nela! – Maria diz. Berenice ri como se ela tivesse contado uma piada.

- Você vai acabar sem os dentes. Acredite Maria, até eu quero te bater! – Berenice tenta não fazer graça, mas todos ali sorriem.

Tavaras limpa o suor do rosto.

- Você quer mesmo brincar disso Antonie? – Ela pergunta. Antonieta sorri.

- Será um prazer gatinho. – Antonieta passa a língua entre os dentes. Berenice encara a situação.

- Espera! – Berenice grita. Com Maria ainda entre suas pernas, com a faca a centímetros do pescoço. – Se você ganhar, pode fazer o que quiser com a garota. – Ela diz, Maria a encara incrédula. Os marujos urram. – Mas só se vencer todas as damas... Uma luta justa. – Antonieta joga a cabeça para trás rindo da vantagem. Eu me posiciono melhor no assento. Já seria difícil ganhar de Antonieta, não impossível, mas bem complicado, porém, uma luta onde Berenice e Antonieta atuam juntas contra um alvo em comum... Eu nunca vi ninguém sobreviver a isso.

O trabalho das duas em conjunto sempre foi formidável.

- Venham. – Diz Tavaras, posicionando as facas no ar. Berenice solta Maria que rasteja para fora da arena. Levanta, usa a faca para rasgar o vestido, joga o chapéu para o lado e só com as roupas de baixo se posiciona ao lado de Antonieta.

As três sorriem. Um joguinho sádico de prazer.

- Psi psi psi gatinho. – Elas dizem antes de correrem em direção a Tavaras.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora