Lua 48, noite anterior, dia 6

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A noite está estrelada e quente, excelente para caminhar pela costa. Estou fazendo exatamente isso. Tirei as botas e estou com os pés descalços na areia macia. As pedras altas tornaram a margem uma paisagem magnifica. Consigo avistar meu navio de madeira escura atracado no cais, recordo da primeira vez que pisei nele. Minha mãe entregou-me nas mãos de meu pai e ele me perguntou se eu conseguiria me equilibrar sozinho, como se para provar algo, corri por todo o convés. Brinquei com os marujos dizendo que eu era o capitão e meus pais sorriram. Apaixonei-me pelo mar antes de conhecer o negócio a qual eu pertencia. Fui criado dentro e juntamente com esta realidade, o que dificulta meu senso de certo ou errado. Nunca entendi porque não podemos escolher a pessoa que queremos nos casar e se não queremos nos casar porque não podemos nos divertir? Essas coisas não fazem parte de mim. Essa linha tênue eu simplesmente não enxergo. Estar no chão é como tirar as asas de um pássaro, e obriga-lo a viver rastejando, mesmo sabendo que seu lugar é no céu.
- Pensando na Dona? – O nome faz meu corpo estremecer dos pés a cabeça. Olho para Asnos que está parado ao meu lado, segurando sua taça de vinho cheia pela metade e sua barriga, enorme. Eu caberia facilmente ali dentro.
- Não, estava pensando em mim. – Respondo, arrancando sorrisos de meu amigo. – O que fazes aqui? – Questiono.
- O mesmo que você. Gostou da minha garota? – Asnos pergunta, bebendo o restante do vinho e sacudindo a taça pesada em suas mãos. Asnos tem uma mania estranha de beber com o dedo pequeno de pé.
- Vou comprá-la. – Falo, sem rodeios. Asnos ergue as sobrancelhas e me encara, rosado do vinho.
- Não pensei que ela fosse tão boa. De todo modo, será uma honra. Quero seiscentas moedas de ouro por ela. – Sorrio com o valor da menina. Ela poderia sustentar nossa embarcação inteira por quase três meses. Olho para Asnos.
- O comerciante não lhe deve nem cem moedas seu cretino. – Brinco. Ele sorri dando tapas no meu braço.
- São negócios meu amigo, negócios! – Asnos se retira, dizendo que vai buscar mais vinho. Tomo caminho da cabana de Pinos para dar atenção a mestiça e Tavaras. Lembrei que até o momento não sei o nome da garota que já me rendeu tanta dor de cabeça. Temos mais dois dias em terra antes de tomar o rumo de casa. Viajando temos mais duas semanas em mar. A garota tem dois dias para que paguem a quantia por ela, quero embarcar antes da próxima lua, caso contrário, entrará mar a dentro conosco. Talvez os ingleses pagarão o suficiente por ela, contudo domá-la será um desafio e tanto.

Observo Tavaras fechar as cortinas do segundo andar da cabana, faz sinal com a cabeça e compreendo que estão bem, nem sequer preciso entrar, nem sequer preciso perguntar. O que é perfeito, observar aquela garotinha debochada só fará toda a quantidade de vinho que bebi subir a minha cabeça.
Estou voltando para a Cabana Maior, quando observo uma conversa as escondidas nas sombras do acampamento, é a menina Escocesa e Otávio, trocando confidencias.
- Ele tocou em você? Ele machucou você? – Ele pergunta. E eu me questiono "se tivesse feito, o que este menino acha que poderia fazer a respeito?" de qualquer modo, me orgulho de saber que não fui um completo monstro.
- Não meu amor. Ele foi perfeito! Eu estou livre, você entende? Vamos nos casar! – Ela comemora, tão contente que me fez repensar minha entrada no reino de Deus. Ele a abraça levantando-a ao ar.
- Vamos nos casar! – Beijam-se e eu me afasto pois sei que é um momento terno deles e precisam desfrutá-lo sozinhos.


Não posso reclamar do meu quarto na cabana maior, trata-se de um cômodo em madeira escura, largo em comprimento e altura. Possui uma poltrona confortável em um canto, uma cama de casal grande com colchão de penas e lençóis de seda, uma cômoda, alguns pertences, um espelho em uma das paredes e uma escrivaninha. Uma estadia confortável, mesmo sem o balanço do mar.
Tiro minhas botas e o casaco, desembainho a espada larga e a pistola, deixando-as ao lado da cama. Fecho as cortinas dando uma ultima olhada no acampamento, todos dormem ou fingem dormir.

Maré BaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora